Com o encerramento das atividades da Usati por causa do fim dos programas do governo de incentivo à produção de álcool, a economia e a sociedade de São João Batista tiveram que se adaptar a um novo momento, sem a usina, que foi o polo centralizador de todo o funcionamento do município até o início da década de 1990.

Mesmo fechada, a Usati teve uma influência no surgimento de um novo setor dominante na economia batistente: o calçadista. 

“A Usati sempre foi uma coisa que mexia com as pessoas de São João Batista. Então, as pessoas buscavam uma boa formação universitária, a empresa fazia treinamento interno e, na época, como uma empresa grande, trouxe muita gente de outros estados, que trouxeram esposas, família”, conta Almir Santos, presidente do Sindicato das Indústrias de Calçados de São João Batista (Sincasjb).

Sem a usina, essa mão de obra qualificada que existia no município teve que se readequar aos novos tempos. Os pioneiros do setor calçadista batistense tinham algumas pequenas fábricas de sapato, ainda com uma produção artesanal, de dezenas de pares por mês. Mas foi desta produção inicialmente incipiente que os batistenses viram a oportunidade de crescer novamente.

“Com o fechamento da Usati, as pessoas que carregavam cana, operários da caldeiras, executivos, diretores, gerentes, encarregados, essas pessoas viram no calçado uma oportunidade para tocar sua vida. Sem a usina, elas ficaram sem opção e partiram para o setor calçadista para terem uma oportunidade de vida”, diz o prefeito Daniel Netto Cândido.

Esta mudança radical da economia, porém, não aconteceu sem que toda a sociedade batistente passasse por um momento de superação. Prefeito de São João Batista entre 1993 e 96, Gilberto Gonçalves Cândido classificou este período como “o pior já vivido” pela cidade.

“Quando eu assumi a prefeitura foi o primeiro ano que a gente não recebeu mais nenhuma verba relativa à Usati. Tínhamos uma arrecadação que não dava para fazer nada, o que sobrava era dinheiro de café. Muitas obras não foram feitas porque a gente não tinha receita, eu negava tudo que era a obra. O que fizemos foi na base da economia, do sufoco. Além de perder empregos, tirou a base da arrecadação de São João Batista. Era de chorar em alemão”.

Ele lembra que, já no fim de seu mandato, começaram a surgir empresas maiores no ramo calçadista, que antes eram inibidas porque a Usati “tomava conta de tudo”, além de ter salários melhores e pagar em dia. Cândido destaca que, apesar do baque inicial, a população conseguiu superar o fechamento da usina e evoluir a cidade como um todo.

“Começaram a fazer sapato, foram trabalhar fora do município. O povo sofreu muito, mas sobrevivemos. Para a época, a Usati foi excelente, praticamente foi ela que começou São João Batista. Mas, no final de tudo, se a usina ajudava, quando fechou e outras empresas surgiram, foi bem melhor. Hoje temos aqui várias ‘Usatis’. Foi um mal que veio para bem”, destaca.

A qualificação da mão de obra batistense causou, aos poucos, esta migração natural de um setor para o outro. Quando as pessoas ficaram sem emprego, começaram a formar sociedades, aliando suas habilidades em torno de uma nova atividade.

“Eu, por exemplo, trabalhei de 1980 a 84 na Usati e, quando saí, montei uma fábrica de sapato. A maioria dos empresários de calçado de São João Batista é ex-funcionário da Usati”, lembra Santos.

No início, as fábricas produziam apenas sapatos. Com o passar do tempo, porém, começaram a surgir empresas que fabricavam os outros componentes: sola, palmilha, cadarço. A evolução e o crescimento continuaram até que São João Batista se tornasse um polo autossuficiente no setor calçadista.

Mais de 1,6 milhão de calçados femininos são produzidos por ano no município | Foto: Prefeitura de São João Batista/Divulgação

Atualmente, São João Batista é uma potência em escala nacional. É o quarto principal polo calçadista do Brasil e o maior de Santa Catarina. Quase 400 empresas de fabricação de calçados e insumos estão instaladas no município, empregando mais de 10 mil pessoas. Em média, 1,6 milhão de pares de calçados femininos são produzidos por ano na cidade.

“Deixamos de ser a capital catarinense da cana e açúcar e se tornamos a capital catarinense do sapato. O fechamento da Usati fechou uma porta e abriu várias outras. Nós tínhamos só uma empresa grande em São João Batista, atualmente temos muitas e, só uma delas sozinha, já emprega mais que a Usati”, reforça Santos.


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