Em janeiro deste ano, segundo dados do Departamento Estadual de Trânsito (Detran), Brusque chegou à inédita marca de 100 mil veículos emplacados, somando ônibus, caminhões, outros veículos e, sobretudo, motos e automóveis.

O emplacamento de novos veículos tem sido ascendente no município. Em 2001, por exemplo, eram 38,7 mil. Em 2010, o número quase dobrou, passando a 72,9 mil. Sete anos depois, chegou a mais de 100 mil. A frota praticamente triplicou em pouco mais de 15 anos.

E a tendência é de crescimento contínuo. Nos últimos cinco anos, conforme dados do Detran, a frota tem aumentado entre 2% e 5% ao ano.

Os números revelam ainda que a maior parte dos veículos em circulação em Brusque é para uso pessoal: carros e motos são mais de 81 mil, enquanto há pouco mais de 18 mil entre veículos de uso coletivo e de transporte de carga, como ônibus, tratores, caminhões e vans.
Brusque agora passa a integrar um seleto grupo de cidades catarinenses cuja frota é superior a seis dígitos. São apenas 11 dos 295 municípios: Blumenau, Chapecó, Criciúma, Florianópolis, Itajaí, Jaraguá do Sul, Joinville, Lages, Palhoça e São José.

Entre essas cidades, aliás, Brusque é a que registra a maior proporção de veículos por habitante.

Atualmente, conforme dados atualizados até maio, são 100.939 veículos circulando no município. Na média, há 0,8 veículo para cada habitante, considerando que a população estimada, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é de 125.810.

A média é maior que a do estado, que registra 0,6 veículo por habitante, e o dobro da média nacional, que é de 0,4 veículo por pessoa.

Os números de Brusque, na última década, tem se destacado. Reportagem da Folha de São Paulo, de 2010, mostrava a cidade como a segunda com maior proporção carro/habitante, dentre os municípios brasileiros com mais de 100 mil habitantes.

À época, a cidade possuía 71,4 veículos para cada 100 habitantes. Atualmente são 80 veículos para cada 100 habitantes.


Alto poder aquisitivo e transporte público de lado

Especialistas ouvidos por O Município creditam o crescimento exponencial do número de veículos em Brusque, sobretudo, a dois fatores: o poderio econômico dos moradores e a impopularidade do transporte coletivo.

O vereador Paulo Sestrem, que é técnico em Circulação de Tráfego e possui pós-graduação em Gestão e Segurança de Trânsito, afirma que o poder aquisitivo dos moradores vem se mantendo “mesmo com a chamada crise”.

“Podemos reparar que dificilmente nos deparamos com veículos velhos ou em mau estado em nossas vias. O conforto e a possibilidade de ter seu próprio veículo é muito forte ainda em nossa sociedade”, afirma.

Outro fator, segundo Sestrem, é que a cidade por muitos e muitos anos contou com transporte coletivo somente em horários de entrada e saída de fábricas, situação que levou os brusquenses a procurarem outras alternativas.

“Avanços no transporte coletivo ainda não foram suficientes para alterar o comportamento do brusquense, por isso cabe ao poder público ampliar esse sistema rapidamente, enquanto é tempo”.

O presidente da regional catarinense da Federação Nacional das Distribuidoras de Veículos Automotores (Fenabrave), Ademir Antônio Saorin, credita essa grande quantidade de veículos à vocação empreendedora do município.

“Brusque é uma cidade com grande crescimento econômico, e tem uma população que trabalha muito, grandes empresas, de diversos segmentos, com empresários com muita visão. Por isso tem um parque circulante de quase um veículo por habitante”, diz.

Segundo ele, isso não é realidade em todo o país, mas se assemelha à cultura de países desenvolvidos, como Estados Unidos, Japão e nações da Europa.

Comparativo: maiores frotas de Santa Catarina

Fonte: Detran – dados de maio de 2017 e IBGE – estimativa populacional de 2016


Venda de carros: mercado de altos e baixos

Fernando J. Silva atua há 23 anos no mercado de venda de carros em Brusque e conhece como poucos os altos e baixos da atividade.

Em meados de 1995, quando ele iniciou na profissão, um dado revela como o mercado era enxuto: eram vendidas apenas quatro marcas no município: GM, Volkswagen, Fiat e Ford.

Entretanto, os automóveis eram populares e, segundo Silva, as vendas iam de vento em popa.

“Era um mercado que não conhecia crise, ano a ano foi crescendo, não se ouvia falar em crise, só no exterior, aqui no Brasil não”, explica, ao relatar que já chegaram a ser comercializados até 500 carros por mês no município, número que, atualmente, caiu pela metade.

Fernando J. Silva atua há mais de duas décadas na venda de veículos, e diz que a crise no setor é um fenômeno recente, conhecido apenas em 2008 | Foto: Marcelo Reis

A crise de 2008, que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva classificou como ‘marolinha’, foi a primeira sentida pelo mercado brusquense. As vendas despencaram imediatamente.

Porém, o governo determinou a isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o que proporcionou a estabilização e retomada do crescimento das vendas. Segundo Fernando Silva, que hoje é gerente de vendas da Uvel, as vendas se estabilizaram em questão de cinco ou seis meses, após a redução do imposto.

Apesar disso, os efeitos ainda seriam sentidos. Após 2008, quatro revendas autorizadas fecharam em Brusque e não reabriram, das montadoras Mitsubishi, Effa, Nissan e Jac Motors.

A retração da economia em 2008 também afetou negativamente a venda de usados e seminovos.

Àquela época, ficou mais vantajoso para os consumidores adquirirem novos, isso porque a queda do IPI não se aplicou aos usados, que já tinham o preço embutido. Muitas garagens perderam valor e fecharam nos anos que seguiram à crise.

Depois, com o aumento gradual do IPI, concretizado dois anos atrás, o mercado começou a melhorar para os seminovos, cujo preço passou a ser competitivo em relação aos veículos zero quilômetro.

Evolução da venda de veículos em Brusque

O crédito e a diversificação da economia

O consumidor de veículos em Brusque também mudou nas últimas décadas. Silva explica que, na década de 1990, 70% dos seus clientes eram funcionários das fábricas centenárias.

No começo, explica, os carros mais caros eram oferecidos a poucas pessoas, que notadamente tinham poder aquisitivo, como membros das famílias Renaux e Buettner.

“Hoje a economia é mais dinâmica, quem começou a trabalhar de carteira assinada já consegue comprar um carro”, compara.

O consórcio era o único meio de financiamento em seus primeiros anos como vendedor. Mas nem todos tinham acesso, pois era considerado um modelo arriscado de compra, devido à sua variação de preço.

Em meados de 1998 e 1999, começaram a aparecer na cidade emissários do banco holandês ABN-AMRO, precursor na oferta de financiamentos.

Os financiamentos começaram nessa época porque antes a inflação do Brasil estava fora de controle. Trazendo consigo as previsíveis prestações fixas, eles desencadearam um boom na venda de veículos.

“Todo mundo podia sonhar com seu carro novo”, destaca o gerente de vendas.

Cores mais presentes na frota brusquense


História sobre rodas: como era a
venda de carros cinco décadas atrás

Hoje está relativamente fácil comprar um carro: há centenas de opções de modelos e cores disponíveis, para todas as faixas de renda; bancos possuem financiamentos a perder de vista.

Nem sempre foi assim. Pedrinho Rosa, de 74 anos, foi um dos primeiros a iniciar negócio no município, na década de 1950. Ele se aposentou em 2012, depois de 53 anos trabalhando como vendedor.

O primeiro carro vendido por Seu Pedrinho, morador da avenida Primeiro de Maio, foi um jipe Willys, em 1958. Ele diz que, àquela época, os modelos eram contados, e vendia-se poucos a cada ano.

Pedrinho Rosa, de 74 anos, atuou por 53 anos na venda de carros em Brusque, até se aposentar, em 2012 | Marcelo Reis

Ele se recorda que, depois do jipe Willys, veio a picape da mesma marca. Logo em seguida, passou a vender veículos da Ford, montadora cujo leque de modelos era maior do que as demais, o que na sua avaliação ajudou a popularizar a venda de carros.

Inicialmente, recorda, ele vendia uma quantidade menor, no entanto, logo as montadoras passaram a mandar quantidades maiores e estipular metas.

Em 1965 Seu Pedrinho passou a trabalhar na Copal Veículos. Na época, o Ford Maverick era o carro do ano. Mas não era fácil comprá-lo. Não havia financiamento e os empréstimos bancários se limitavam ao Banco do Brasil e, um pouco mais tarde, o Bradesco.

“Então a gente tinha que ir lá no interior buscar a pessoa que ia comprar, o colono, trazia no banco e daí vendia o carro”, explica. “Na época os carros eram vendidos à vista, o pessoal trabalhava com fumo, fazia a venda, tinha o dinheiro e comprava o carro”.

Segundo ele, o financiamento próprio também era feito, mas apenas quando se conhecia o freguês, e em poucas parcelas, de quatro a seis.

Ele também recorda que as épocas de crise na indústria eram particularmente difíceis para os negócios. Com uma cidade centrada em pouca diversidade econômica, quando a receita das fábricas caía, seus diretores e empregados seguravam o bolso e a venda de carros também vinha ladeira abaixo.

Atualmente aposentado, Seu Pedrinho resume em poucas palavras sua visão sobre o porquê de tantos carros serem adquiridos em Brusque.

“O povo de Brusque é um povo trabalhador, gosta de ter as coisas”.

Aglomeração de veículos para a partida entre Carlos Renaux e Botafogo-RJ, em 1958, ano em que seu Pedrinho começou a vender carros | Foto: Curto Fotos Antigas de Brusque