Você viu? Você leu? Suas redes sociais falaram nisso? A pergunta cabe, até porque, cada vez mais, a gente fica na própria bolha e, no máximo, consome o que a grande mídia nos oferece (ou tasca goela abaixo). A gente nem viu plantões suficientes sobre o atentado na Somália, só porque não aconteceu na Europa ou nos States… Então, de repente, você também ficou de fora do último escândalo de Hollywood. Que é muito, muito mais do que um escândalo de Hollywood.

Resumindo a coisa toda, que é bem complicada. Há uns 20 anos que as pessoas, nas internas, sabem que o super bambambam da indústria cinematográfica, Harvey Weinstein, assediava atrizes e funcionárias. Mas o sujeito, extremamente poderoso e conhecido também por construir e destruir carreiras, conseguia se manter blindado. Muitas tentativas de jornalistas foram feitas para expô-lo, mas só agora a coisa toda explodiu. Começou com um repórter, Ronan Farrow, que estava investigando as histórias que envolviam o produtor para a NBC – mas, como todos os jornalistas que tinham percorrido este caminho antes dele, foi cortado pela empresa. Mas liberado para oferecer a matéria para outros veículos. Foi o que ele fez. E o New York Times topou a publicação. Em seguida a revista New Yorker reforçou as denúncias. Que incluem gente do naipe de Angelina Jolie e Gwyneth Paltrow e muitas, muitas outras, todas assediadas no começo da carreira, novinhas, menos preparadas para reagir. O produtor marcava reuniões em quartos de hotel e recebia as atrizes de roupão. Pedia massagem ou as convidada para vê-lo tomando banho. Daí, a coisa podia evoluir para um estupro. E muito silêncio. Rose McGowan, uma das bruxas de Charmed, chegou a fechar um acordo com o produtor, em 1997. Só foi falar agora – e teve sua conta do Twitter suspensa.

A fama corria e muitas atrizes não aceitavam se encontrar sozinhas com ele – mas ninguém tinha coragem de denunciar. No máximo, uma cutucada e uma piadinha ácida. Agora, as histórias pulam que nem pipoca indigesta. Gente do quilate de Jane Fonda se desculpam pelo silêncio, mesmo que tivessem ouvido muitas histórias. Outras celebridades denunciam outros poderosos – Björk tuitou falando de um “diretor dimamarquês” que a assediou durante filmagens, ou seja, acusou Lars Von Trier, diretor de seu único filme, Dançando no Escuro. A hashtag #MeToo está ajudando a montar um cenário muito mais amplo dessa cultura do assédio, aceita no cinema – assim como em praticamente todas as áreas profissionais. Mas estamos em um território mais dramático, certo? Temos um problema real, sério, que precisa ser colocado na mesa… e temos a atração humana pela fofoca.  Pode ser uma boa combinação, se der visibilidade ao assunto.

As reações foram muito rápidas: Weinstein teve que sair da própria empresa, foi expulso da Academia (do Oscar) e de outros sindicatos e conselhos, sua esposa Georgina Chapman pediu divórcio, vários projetos de sua empresa (que chegou a ser colocada à venda) foram cancelados, ameaçou processo e depois fez declarações se desculpando… ou seja, pelo menos por enquanto, foi esmagado pelas notícias. Não se sabe até quando ou se vai haver um efeito dominó.

De todas as histórias, uma que nem envolve assédio sexual é muito emblemática. Felicity Huffman (para mim, sempre a Lynette de Desperate Housewives) veio a público contar que, quando foi indicada ao Oscar por Transamérica, em 2005, foi obrigada pelo produtor a usar em todos os eventos de tapete vermelho a grife da esposa dele, a onipresente Marchesa. Na mão de Weinstein estavam uma indicação improvável (Transamérica é um filme mais na linha indepentente e menos oscarizável), uma ameaça explícita e o poder de manipular a indústria de acordo com seus interesses.

A gente não pode dizer que não sabia, que nunca imaginou que isso acontecesse. Mas… até onde esse poder sem freios afeta nosso mundo?


Claudia Bia
– jornalista chocada