Vez ou outra lembro de uma história contada com maestria pela ótima Martha Medeiros. Era mais ou menos assim: a moça queria estacionar o carro em uma vaga muito pequena. Deu a ré, voltou, não conseguiu. Tentou de novo. Causou um bocado de trânsito. Tentou de novo. Ou o carro não caberia ou a deixaria muito entalada para sair dali.
De fora, quem olhava a cena praticamente enxergava a obstinação nos olhos da motorista, junto com uma gotinha de suor que escorria pelo lado da testa.
Mais à frente, na próxima quadra, umas três vagas livres na sequência dando sopa. De dentro do carro e tão compenetrada na situação, ela não via.

Essa história sempre me vem quando por qualquer motivo um sonho, um projeto, um emprego ou um amor não quer caber na vaga. Quer dizer, às vezes estamos tão desconectados do momento presente que não conseguimos deixar as coisas serem como elas são.

Existe uma lenda que diz que a sabedoria da vida está em deixar a vida seguir como um rio. O rio não sabe que caminha para o mar. Do pequeno para o grande. Do limitado para o ilimitado. Ele apenas segue sua natureza de fluir. Se encontra uma árvore, contorna a árvore e segue. Nós quando encontramos a árvore, nos apegamos a árvore, lutamos contra a correnteza para ficar com a árvore de qualquer maneira.

De certa forma, não permitimos que a vida seja o que a vida é. Queremos fazer com que a vida seja o que a gente quer que ela seja. E nosso sofrimento vem disso. Quando ficamos presos a crenças e certezas tão falhas diante da vida a gente se fecha para a verdadeira essência e graça do que é viver. Uma sequência interminável de enfrentar e deixar ir.

Vivamos então como os Rios!


Claudia Sandri
– psicóloga