Em 1884, pelo porto de Itajaí, chegaram a Santa Catarina revistas que continham os primeiros ensinamentos baseados na doutrina Adventista. Esses impressos foram endereçados de Itajaí ao senhor Carlos Dreefke, residente em Brusque, história esta que está intimamente ligada ao centenário casarão de Dom Joaquim.

Em 1878, um jovem alemão residente em Brusque, chamado Burchard, cometeu um crime, e para escapar da Justiça local foi ao porto de Itajaí, onde entrou como clandestino a bordo de um navio. Foi descoberto pelo comandante e obrigado a trabalhar como tripulante. Durante a viagem, conheceu dois missionários adventistas, os quais lhe entregaram leituras sobre o tema.

Burchard era enteado de Carlos Dreefke, luterano e que, segundo pessoas próximas a ele, apreciava literatura religiosa. O pacote foi entregue no armazém do senhor Davi Hort, hoje conhecido como casarão de Dom Joaquim.

Casarão mantém firme sua estrutura, embora algumas marcas do tempo, como os vidros quebrados, sejam inevitáveis

Não há data precisa, mas estima-se que este casarão, construído por Hort, foi edificado entre 1875 e 1880, sendo, portanto, um dos mais antigos prédios construídos no município. No térreo ficava uma grande venda, ainda hoje em atividade, gerenciada atualmente pela família Comandolli.

No andar superior, funcionava a residência dos proprietários. Segundo apurado pelo Projeto Casarões, houve um tempo em que uma pequena hospedaria também funcionou no local. O casarão já teve diversos donos ao longo dos anos, entre eles Guilherme Krieger, Otto Renaux, Willy Diegoli, Germano Krieger e Ludovico Merico.

Voltando ao senhor Carlos Dreefke, reza a história que ele ficou temeroso ao receber o pacote, que era de uma revista adventista intitulada Stimme der Warheit, ou Voz da Verdade. Os exemplares foram doados a diversas pessoas e, como resultado, algumas famílias passaram a solicitar mais literatura do mesmo tipo. O interesse foi crescendo até a fundação, em 1896, da primeira igreja Adventista do Brasil, em região que antigamente era Brusque, e que hoje faz parte do território de Gaspar.

Evento religioso realizado em frente ao casarão

“O casarão colonial de dois pavimentos marca a história de Dom Joaquim há mais de um século, desde os tempos do Império, quando a localidade era denominada de Cedro Baixo”, explica o historiador Paulo Kons.

LAR DE PERSONALIDADES
O local abrigou, em seu interior, personalidades marcantes da história de Brusque. Kons relata que o local foi parte do cenário de uma união inusitada, à época: o casamento dos filhos de Carlos Renaux e Guilherme Krieger, Otto Renaux e Augusta Carolina Krieger, em abril de 1910. Ambos eram rivais políticos.

“Motivado por sério desentendimento sobre a condução dos negócios com o pai, em 1915 Otto Renaux assumiu a direção dos negócios do sogro no Cedro. Junto aos filhos Waldemar e Roland, foram residir no pavimento superior do imponente casarão”, explica o historiador.

Segundo Kons, a venda administrada por Otto Renaux constituía-se no pulmão econômico de uma região rica pela “produção de madeira serrada, farinha de mandioca e açúcar”, como relata o industrial Roland Renaux, em seu diário.

Uma das imagens mais antigas de que se tem registro do imóvel, à esquerda; ao centro, a antiga igreja de Dom Joaquim

“Também o café, a produção da aguardente marcavam a economia do Cedro Baixo e região. Os colonos também se dedicavam ao cultivo do fumo, que se destinava ao mercado. Parte da produção agrícola chegava à venda indiretamente, pois milho, inhame e aipim eram utilizados para alimentar os porcos que, transformados em banha, constituíam uma das mais importantes fontes de renda do colono”, continua o historiador.

Os relatos históricos dão conta de que Waldemar e Roland Renaux plantavam suas roças de milho e outros produtos nas imediações do casarão, onde eram vendidos após a colheita. Roland, relata o historiador, escreveu em seu diário que os anos em que vivera com a família no Cedro Baixo “foi a época mais feliz de sua vida”.

Roland também escreveu em seu diário que na venda dava para “passar a mão” em doces e balas, por meio de inúmeros artifícios. Nos seus relatos, ele também fala sobre a vida no bairro nos tempos da I Guerra Mundial, com seus “lampiões a querosene, carros de mola e das carroças”. Como resumiu: “uma vida romântica dentro de um verdadeiro paraíso”.

MUDANÇA NA GESTÃO
Após o casarão ser administrado pelos Krieger e Renaux, o espaço sediou também a casa comercial de Ludovico Merico e Maria Victória Morelli Merico e de seu filho Alexandre Merico (posteriormente prefeito de Brusque) e de Gertrudes Rudolf Merico, sua esposa.

Segundo relata o historiador Kons, existia uma grande demanda de balseiros que faziam o transporte da madeira, desde Vidal Ramos, pelo rio Itajaí-Mirim e, por isso o casarão teve implantado um hotel no seu piso superior. A madeira ficava “estacionada” na curva do rio e o pernoite era realizado no casarão.

Outra procissão religiosa realizada em frente ao casarão

A octogenária Gertrudes Merico, a dona Trude, hoje residente do Centro de Brusque, morou por alguns anos no casarão de Dom Joaquim, antes de seu sogro vendê-lo. Apesar de não ter passado muito tempo lá, ressalta a grande transformação pelo qual o local passou, ao longo dos anos. “Antes só tinha morro ao lado. Hoje uma cidade cresceu ao redor”, afirma.

REFORMAS NO CASARÃO
Passados 135 anos de sua edificação, o casarão de Dom Joaquim se mantém muito parecido com o que era na época, pelo menos é o que mostram as poucas fotos antigas que restam da edificação.

As paredes amareladas se mantêm firmes, em sua estrutura. Mas as diversas pinturas já realizadas dão um tom de aquarela à superfície do casarão. O desgaste de pintura mais recente, contudo, já começa a aparecer na edificação.

Marcas do tempo atingem com mais intensidade a parte traseira do casarão

Alguns dos vidros das janelas laterais, formadas pela junção de 18 pequenas peças, também já foram quebrados, mas são bem poucos, assim como as rachaduras na estrutura, localizadas em poucos pontos e quase imperceptíveis.

“Todos os registros adventistas informam que a casa comercial onde foi aberto o primeiro pacote de literatura adventista no Brasil, em 1884, é a mesma edificação hoje existente”, relata Kons, o qual não acredita ser a versão mais correta.

“Penso ser mais coerente afirmar que após a venda da casa comercial de Davi e Anna Hort para o coronel Guilherme Krieger, a construção tenha sofrido ampla reforma e adquirida a imponência que a marca hoje”, ressalta.