Para muitas pessoas o marco principal para a vida adulta se dá quando se tira a habilitação para dirigir. A tal sensação de liberdade, de poder ir e vir, a independência. Para outros, o momento de guiar um carro acontece depois, pelos motivos já citados e pela questão de necessidade de mobilidade. Para uma minoria, nunca ocorre.

Eu sou dessas poucas criaturas que não se interessou por pilotar um carro. Nem moto. Nem nada com motor. E como toda minoria, enfrento vez ou outra as caras indignadas e exclamações do tipo: “Tu não dirige? Sério?”

Há alguns dias assistindo ao programa Café Filosófico no canal Território Conhecimento no Youtube com o filósofo Mario Sérgio Cortella, ele relatou o mesmo caso. Disse que quando alguém surge com a pergunta, ele dispara: “Não, não dirijo, não boto ovo, não fabrico rádio. Tem um monte de coisa que eu não faço.” Ele compara com a mesma relação que estabeleceu com as redes sociais, nas quais está praticamente ausente “não por recusar, mas por ter outras prioridades”.

Simples assim. Às vezes não fazemos algo por não conseguir, por falta de habilidade. E tudo bem. Melhor não fazer mesmo, se dedicar a outras atividades. Em outros casos, não fazemos por escolha, por falta de afinidade, ou de necessidade. E tudo bem também.

No caso de dirigir – algo tão comum e tão banal – a cobrança pode vir exatamente por isso. Como eu não faço algo que todo mundo faz com facilidade? Por que ninguém se cobra ou é cobrado socialmente por não saber fabricar um rádio, não saber podar uma roseira ou não ter escrito um livro?

Em casa sempre convivi com isso, já que meu pai não dirige e ouvia dele: “Aqui em Brusque, só eu o fulano e o beltrano”, com ar de surpresa. Mas mundo afora, além do Cortella, muitos outros notáveis não eram motoristas, como Woody Allen, Nelson Rodrigues, Jorge Amado, Dorival Caymmi, Paulo Francis e o genial Jean Paul Sartre. E não posso deixar de citar o italiano Mino Carta que nunca dirigiu um carro, apenas a revista Quatro Rodas, ironicamente.

Entre as mulheres estão a atriz Luana Piovani que declarou: “Não dirijo, não cozinho e não ando a cavalo. Acho importante conhecer os meus limites”. Mais próximas, as colegas beltranas Claudia Bia e Silvia Teske são comumente encontradas caminhando pelas ruas da cidade, como eu, com meu passo apressado, mesmo sem pressa.

Compartilhando o tema com elas, me retornaram com os depoimentos:

“Eu desconfio que tem a ver com aquele pedacinho Peter Pan que teima em existir dentro de mim – e que nem é tão ‘inho’ assim. Dirigir, ambicionar automóveis, essas coisas sempre foram adultas demais para caber em mim. Exigiria todo um espaço de responsabilidade sisuda que, confesso, me dá muita preguiça. Acho que nasci para ser passageira e viver de carona com os amigos. E para bater perna por aí.” (Claudia Bia)

“Sim, eu não dirijo carro e nem bicicleta. Me locomovi a vida toda de carona ou a pé. Na maior parte das vezes de táxi, recebi até apelido de Angélica: ‘vou de taxi…!’. Hoje já tem o Uber, que às vezes funciona outras não, mas é um alívio. A maioria se surpreende muito quando digo que não dirijo: ‘Nossa, uma mulher contemporânea? Uma mulher independente? Como assim, não dirige? Vai fazer terapia pra dirigir!’ Enfim, várias opiniões sobre minha escolha. Tirei a carteira de motorista duas vezes, e o máximo que consegui foi ir dirigindo uma vez apenas daqui a Curitiba. E até que foi legal, não tinha sinaleira! kkkkk Tenho pânico de volante…até porque sou muito desligada e ao mesmo tempo muito tensa com essas coisas de lateralidade. Mas, na maioria das vezes isso não me incomoda…e acaba que percebo que gasto muito menos com táxi ou Uber do que gastaria se tivesse que sustentar um carro. (Silvia Teske)

Também reforço que é possível viver muito bem sem guiar carro, buscando outras possibilidades, focando em outras prioridades. E que cada um seja realizado e feliz com as suas.


Lieza Neves
– atriz, escritora, produtora cultural…