João José Leal

Promotor de Justiça, professor aposentado e membro da Academia Catarinense de Letras - [email protected]

Brasileiro, entre a ansiedade e a felicidade

João José Leal

Promotor de Justiça, professor aposentado e membro da Academia Catarinense de Letras - [email protected]

Brasileiro, entre a ansiedade e a felicidade

João José Leal

Parece que a insatisfação, para não dizer infelicidade, é própria do ser humano. Vivemos reclamando do que temos à disposição. Vejo muita gente com trabalho garantido, água nas torneiras, casa iluminada, comida na mesa, filhos na escola, automóvel de luxo, alguns, até comendo em restaurantes de cardápio sofisticado, reclamando da vida. Viajamos a 100 km/h e ainda temos pressa, tanta pressa que sempre queremos chegar antes.

Penso que herdamos esse genes da insatisfação incontrolada de Adão e Eva. Cumprindo a lógica do fatalismo bíblico, os dois não se conformaram com a vida paradisíaca que lhes foi oferecida e nos legaram o pecado original, que não significou apenas luxúria e orgulho, mas também ambição, esse desejo de querer ir além dos limites das coisas que temos à disposição. E, assim, nos condenaram a uma vida angustiante, de incessante corrida atrás da máquina, a fim de amassar o pão com o suor do rosto.

Esse simbolismo bíblico explica, em parte, a posição do nosso país no topo do sinistro campeonato mundial da ansiedade. A afirmação pode ser chocante e conter um pouco de exagero. Afinal, as verdades da medicina da mente sempre carregam uma dose de imprecisão e incerteza. Acontece que essa taça nos foi conferida pela Organização Mundial da Saúde, com base numa pesquisa em mais de uma centena de países. Diz a OMS que temos 19 milhões de brasileiros com transtorno de ansiedade.

É muita gente, quase 10% da população brasileira, carregando suas angústias sem chegar a um porto seguro, de paz e tranquilidade para o seu sofrimento espiritual. É muita gente com as suas fobias, tantas que não sabemos quantas nem de onde surgem. É medo da altura, da escuridão, da multidão, da solidão. É pânico da doença que pode chegar, do emprego que pode ser perdido, da violência que assusta e mata; de um teste ou prova que vem pela frente. É tormento que aterroriza e de terapia sempre incerta.

É muita gente com seus tenebrosos quadros de depressão, carregando esse fardo invisível da doença da alma, do espírito ou do psiquismo, que ninguém vê nem sabe onde se esconde. Nem médico e nem raio X dos mais sofisticados. Só o paciente, confinado em seu nebuloso e torturante calvário de existência mental, sabe o quanto é terrível a dor que carrega no fundo da alma, na escuridão do seu psiquismo ferido.

Em meio a esse triste quadro de angústia e ansiedade, há informação de que o povo brasileiro está entre os 20 mais felizes do mundo, mais feliz que francês e espanhol. Melhor ainda. Quando se trata olhar para o futuro, o brasileiro é o mais otimista de todos. Acredita que este é o melhor torrão para se viver. Não dá para explicar tamanha contradição. Dá para dizer, apenas, que somos um estranho país onde vivem 19 milhões de angustiados e felizes.

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