Brusquenses que presenciaram queda do Muro de Berlim relatam suas lembranças

Queda da barreira que dividiu a cidade alemã entre capitalistas e socialistas completa 30 anos neste sábado

Brusquenses que presenciaram queda do Muro de Berlim relatam suas lembranças

Queda da barreira que dividiu a cidade alemã entre capitalistas e socialistas completa 30 anos neste sábado

Há 30 anos, no dia 9 de novembro de 1989, o mundo assistia, em festa, a queda do Muro de Berlim. A barreira física foi estabelecida pelo governo da República Democrática Alemã (RDA) em 13 de agosto de 1961, com o objetivo de isolar a parte capitalista da cidade de Berlim de seu entorno socialista.

Além de dividir a cidade de Berlim ao meio, o muro simbolizava a divisão do mundo em duas partes: o da República Federal da Alemanha (RFA), constituída pelos países capitalistas, encabeçada pelos Estados Unidos, e o da República Democrática Alemã (RDA), constituída pelos países socialistas, sob a liderança dos soviéticos.

A queda do muro que, cinco meses depois, possibilitou a reunificação da Alemanha, é considerado um dos acontecimentos mais importantes do mundo moderno. Naqueles dias, pessoas de todos os continentes celebraram e ajudaram a derrubar a barreira, símbolo da Guerra Fria, com as próprias mãos. Entre elas, estavam dois brusquenses: Luiz Antônio Hörner, 62 anos, e Haro Kamp, 56 anos.

Na época, o engenheiro agrônomo Haro Kamp morava em Munique, a quase 600 quilômetros de Berlim, onde também fazia faculdade. Hoje morador de Timbó, ele lembra que a queda do muro foi algo inesperado.

“Eu era estudante e à noite saí com meus colegas. Quando voltamos, tinha uns loucos na casa de estudantes gritando, festejando, dizendo que tinha caído o muro. Nós pensamos que eles estavam loucos”.

Muitas pessoas ajudaram a derrubar o muro | Foto: Raphaël Thiémard/Wikimedia Commons

Kamp diz que não era muito comum assistir televisão na Alemanha e não tinha nenhuma notícia confirmando a queda do muro. Ele e os colegas foram dormir achando que era loucura, mas durante a madrugada foram acordados com fogos de artifício. “Fomos para a rua 3 horas da manhã. A cidade estava em festa e aí o rádio começou a dar as primeiras informações”.

O engenheiro conta que ele e seus colegas se organizaram rapidamente e partiram de carro rumo a Berlim para acompanhar o acontecimento de perto. “Ficamos na casa de colegas e passamos uma semana lá fazendo festa, era uma coisa absurda”, relata.

Durante sua estadia em Berlim, o brusquense ajudou a derrubar o muro. Ele, inclusive, guarda até hoje um pedaço da estrutura. “Lembro que subi no muro, quebrei com talhadeira e marreta. Foi uma festa e uma alegria, familiares se encontrando depois de muitos anos”, afirma.

Impressões da Alemanha Oriental

O brusquense recorda que cerca de um ano antes da queda do muro, ele e alguns amigos visitaram a Alemanha Oriental. Haro Kamp diz que tem na memória ainda bem forte os momentos que passou do outro lado da barreira.

“Quando chegamos lá, ficamos umas quatro horas sendo revistados. Era feito todo um controle. Tinha que tirar toda a roupa, mostrar todos os pertences e era controlada a quantidade de dinheiro entrava do outro lado também”.

Brusquense Haro Kamp guarda até hoje fragmentos do muro | Foto: Arquivo pessoal

Na época, a moeda utilizada era o Marco Alemão. Haro conta que para passar para o lado oriental, a moeda perdia dez vezes o valor, já que o governo igualava a cotação: um marco ocidental valia um marco oriental.

Os visitantes do lado oriental tinham permissão de ficar 24 horas no local. O brusquense diz que uma das instruções repassadas que ele achou mais curiosa é que era proibido vender as calças. “Ali não tinha calça jeans ainda. Então na rua, o pessoal te abordava, queriam comprar tua calça por 300, 400 marcos, quando valia no máximo 50 marcos”.

Circular pelo lado oriental do muro, somente na companhia de guias. O brusquense conta que o guia só tinha permissão para circular em alguns pontos, algumas lojas e estradas.

“Olhando bem, dava para perceber que era tudo fake, montado para turistas. Lembro que o grupo foi para uma lanchonete e eu e meu irmão conseguimos escapar do eixo turístico, pegamos umas ruelas paralelas e tivemos a impressão que a cidade estava de volta à Segunda Guerra Mundial. O lixo, o entulho no meio das ruas era igual como se tivesse tido ataque aéreo há pouco”, conta.

Para sempre na lembrança

Quem também viu a queda do Muro de Berlim de perto foi o brusquense Luiz Antônio Hörner, 62 anos. Ele trabalhava na indústria química Basf, na cidade de Ludwigshafen, a pouco mais de 600 quilômetros de Berlim.

O engenheiro químico diz que uma das coisas que mais lhe marcou durante o período que a cidade estava dividida, era a diferença de estrutura entre os dois lados.

“Naquela época já existia metrô em Berlim, quando passava pelo lado comunista as luzes eram apagadas, as estações eram escuras, todas as entradas e saídas da estação eram de concreto. O metrô passava lentamente, não parava, não descia ninguém e, de repente, você chegava em Berlim ocidental, com aquelas luzes todas, você via o contraste”.

Luiz Hörner guarda um álbum com fotos da época do Muro de Berlim | Foto: Bárbara Sales

Ao contrário do que muitos pensam, Luiz diz que o muro não era muito alto, o problema era o que se passava do outro lado.

“Você tinha o muro, em seguida tinha fios, a cada 100, 200 metros tinha uma guarita onde ficava uma pessoa da União Soviética, com atirador. Quando se pulava o muro, tinha que correr um espaço muito grande, com areia muito limpa, parecia areia de praia e diziam que era um campo minado”.

Durante a época que morou na Alemanha, o brusquense chegou a ir para o lado oriental, para matar a curiosidade. “Era uma tensão muito grande, uma sensação muito estranha. Podia passar, mas o controle era muito rigoroso”.

Luiz, assim como milhares de pessoas, participou ativamente da queda do muro. “Eu queria acompanhar tudo aquilo. Fui até lá, o pessoal já estava quebrando o muro, eu peguei uma marretinha e comecei a quebrar também. Tenho até hoje um pedaço do muro. Foi uma euforia, todo mundo festejando. Certamente é algo que eu nunca vou esquecer. Fico feliz que aconteceu sem grandes transtornos, sem guerra, de uma forma natural”, diz.

Depois da queda

Nos primeiros dias após a queda do muro, Haro lembra de cenas muito marcantes, como a invasão do Trabant, ou simplesmente Trabi, veículo que era produzido na Alemanha Oriental, com materiais alternativos.

“A gente percebia centenas de milhares daqueles carrinhos que chegavam nas autopistas andando a 60 km/h e, literalmente, eram atropelados pelos outros carros. Nas primeiras semanas foram registrados muitos acidentes, porque como forma de incentivo, o governo alemão trocou um marco oriental para um ocidental, as pessoas do outro lado ganharam poder aquisitivo. Eles chegavam nas lojas com o porta-malas cheio de dinheiro e saíam com BMW, Mercedes”.

Luiz também lembra dos peculiares carrinhos circulando por Berlim após a cidade voltar a ser uma só. “Eles tinham aqueles carrinhos no lado comunista, bem simples e começaram a vir para Berlim, andavam ao lado de Mercedes, Porsche, eram cenas que chamavam muito a atenção. Ficou bastante marcado”.

O contexto histórico

Carlos Eduardo Michel, professor de História dos colégios Avantis, Cônsul Carlos Renaux e Cultura, explica que a construção do muro foi um projeto mantido em segredo e iniciou durante a madrugada.

“Quando o dia amanheceu, lá estavam centenas de metros de arame, tijolos e barricadas separando os dois lados. Após esta separação inicial, o muro, como ficou conhecido, foi construído com blocos de concreto e torres de vigia”.

Ele destaca que o muro e a política de fronteira da RDA representaram para a Alemanha o fechamento de diversos pontos de contato com o exterior capitalista, e o fim de muitas relações comerciais e de trabalho que se estabeleciam nas regiões fronteiriças. Também iniciou-se um intenso controle de emigração.

“Para um alemão oriental conseguir um visto para o lado ocidental teria que passar por um processo burocrático que envolvia diversas etapas como entrevistas e pagamento de altas taxas ao governo. Na prática, eram poucos os pedidos deferidos pelo governo socialista”, diz.

“Para o mundo, o muro representou a materialização do termo “cortina de ferro”, cunhado em 1946 por Winston Churchill; o símbolo concreto da bipolarização durante a Guerra Fria determinando os espaços onde capitalismo e socialismo seriam praticados”, completa.

A queda

O professor explica que a queda do Muro de Berlim faz parte de um contexto histórico. A RDA fazia parte da União Soviética, e entre a década de 1970 e início da década de 1980, o bloco soviético passava por um período de crise econômica, conhecido como Era da Estagnação. 

Em 1985, Mikhail Gorbatchev se torna o líder da URSS, e com o apoio da elite política e militar inicia uma série de reformas no governo. Entre as principais medidas adotadas por Gorbatchev logo que chega ao poder, o professor cita a reaproximação da URSS e dos EUA; a abertura da discussão sobre a limitação de armamentos nucleares e o início da ‘Doutrina Sinatra’, que dava autonomia para os estados soviéticos decidirem se permaneceriam ou não no bloco socialista, em resposta à oposição ter assumido o governo na Polônia.

“Inclusive, Gorbatchev modifica o posicionamento soviético sobre o Muro de Berlim declarando que ele, bem como a reunificação alemã, se tornavam uma questões internas da RDA”, diz.

Michel destaca que as mudanças mais famosas foram os programas conhecidos como Perestroika (reestruturação), que permitia o multipartidarismo e mais liberdade para o empreendedorismo, e a Glasnost (abertura), que promovia liberdade de imprensa e a anistia para presos políticos. 

Milhares de pessoas ocuparam o muro com a intenção de juntar a cidade novamente | Foto: Divulgação

“Com esta nova política, Gorbatchev agravou a crise econômica do país pois os grupos liberais e socialdemocratas não consideravam as mudanças o suficiente enquanto a linha-dura autoritária soviética considerava as medidas abertas demais. Deste modo, Gorbachev conseguiu minar, progressivamente, sua autoridade política e radicalizar os dois grupos, que buscavam, cada um, o controle da situação”. 

O professor lembra que Polônia e Hungria se tornaram independentes da União Soviética e em diversos outros países do bloco os movimentos pela independência ganharam força, assim como na Alemanha Oriental.

“Em muitas cidades da RDA cresceram protestos pedindo a queda do muro e a reunificação. Erich Honecker, que era desde 1973 o homem mais poderoso do país, foi derrubado em 18 de outubro de 1989. Seu sucessor, Egon Krenz, também não tinha a confiança da população”.

Neste contexto, o professor explica que ocorreu em 4 de novembro de 1989 a maior manifestação autorizada pelo regime da história da Alemanha Oriental. Cinco dias depois em uma coletiva de imprensa, o porta-voz do governo Günter Schabowski anuncia, de forma inesperada, que seria permitida a passagem de um lado para o outro da fronteira. “Imediatamente a população se dirige ao muro e começa a ocupação e derrubada dele”. 

Onze meses depois a Alemanha é reunificada de forma pacífica. “A população que fora dividida agora passa a conviver e reconstruir o sentimento de nação que havia sido cindido pelo muro. A reintegração da RDA à federação alemã até hoje não é um processo completo, diversos indicadores sociais da ex-RDA são inferiores aos da outra metade alemã”.

O professor ressalta que para muitos que moravam nas antigas cidades soviéticas, a reunificação é sinônimo de um tempo difícil, pois surgiram problemas como a evasão populacional, crise econômica, muitos empregados de longas carreiras perderam seus trabalhos, além do fim  dos serviços de assistência social do regime anterior. Já para outros, a possibilidade de viver o capitalismo abriu novas possibilidades e oportunidades. 

“Em 1991, o fim da URSS marca o início de uma nova ordem na geopolítica mundial. Se o Muro de Berlim era o símbolo de um mundo bipolarizado, na nova ordem acontece um rearranjo das forças geopolíticas mundiais que se tornam cada vez mais multipolarizadas e globalizadas”, observa o professor.

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