No coração de Brusque, permanece intocada uma das construções mais emblemáticas da cidade. Carregada de mistério, a Villa Quisisana leva os pensamentos de qualquer um ao longe. Poucas são as pessoas autorizadas a entrar no local. Os grandes portões que protegem a mansão se transformam, então, em janelas por onde se tenta observar, pelo menos, algum detalhe que satisfaça a grande curiosidade que o local desperta.

A bela casa foi construída por Edgar Von Buettner – fundador da empresa têxtil Buettner. A construção iniciou em 1932 e terminou em 1934, quando ele, a esposa Idalina e as duas filhas: Íris Renate e Edelgard Gerda se mudaram para o palacete.

“A família Von Buettner tinha um casarão maravilhoso em frente ao Fuzon. Era um casarão de dois andares, enorme, construído no fim do século 19. Meu avô, minha avó, minha mãe, minha tia e uma outra avó moravam nesse casarão. Depois, meu avô e seu irmão compraram o terreno da esquina da rua Rodrigues Alves até a escola Feliciano Pires. Cada um ficou com a metade deste terreno”, conta Herbert Pastor, neto de Edgar Von Buettner e filho de Íris Renate Von Buettner Pastor, atual proprietária do imóvel.

Para construir a mansão adorada pelos brusquenses, Edgar contratou um arquiteto alemão que estava a trabalho em Blumenau. O modelo exótico da casa foi projetado pelo arquiteto, com a aprovação do industrial. “É de uma ideia que o arquiteto teve indo para a Grécia. Ele viu algo muito parecido lá, fez um esboço, fizeram algumas modificações, o meu avô gostou e aprovou a construção”, diz.

Ambientes têm o grande contraste entre sombras e luz

Para Herbert, a casa de sua família não tem um estilo definido. E é justamente isso que a torna única e tão fascinante. “É uma coisa fantasiosa, inclusive complementada por aquelas pedras tipicamente brasileiras, o quartzo cor de rosa”.

O nome da mansão, Villa Quisisana, acredita-se também que tenha inspiração grega. No entanto, os motivos que fizeram o industrial batizá-la assim, nunca foram confirmados. “Não se sabe o porquê do nome. Eu imagino que esse arquiteto trouxe o nome da Grécia também. Quisisana significa felicidade em grego, meu avô deve ter pedido um nome positivo para essa villa e o arquiteto sugeriu. Isso deve ter vindo junto à ideia da casa”, destaca.

Depois de pronta, em 1934, a casa foi habitada por pouco tempo. Idalina, esposa de Edgar, faleceu meses depois da mudança, então o industrial foi para a Europa com as duas filhas. “Na Alemanha minha mãe conheceu meu pai – Gotthard Pastor – e, em 1937 eles casaram em Brusque. Ela foi morar com meu pai na Alemanha e eu e meus irmãos nascemos lá. Quem ficou na casa aqui foi minha tia”, diz.

Uma das salas da casa é toda decorada com souvenirs que dona Renate trazia de suas viagens

Em 1949, a família Pastor retornou ao Brasil e logo depois se estabeleceu na Villa Quisisana. “Quando nós voltamos da Europa, o marido da minha tia resolveu ir morar em Curitiba. Nós compramos a parte deles da casa e, em 1950, passamos a morar ali”.

Íris Renate e Gotthard criaram os três filhos na bela mansão construída pela família Buettner. “Passei toda a infância lá. Tinha um jardim muito bonito. Na Páscoa eu e meus irmãos procurávamos os ovos no jardim. Foi uma infância muito feliz”, lembra Herbert.

Hoje, a grande casa está vazia. Em 1999, dez anos após a morte de seu marido, Íris Renate foi morar em Itapema, já que o clima da cidade litorânea é melhor para sua saúde. A proprietária da casa que faz parte do imaginário de dez em cada dez brusquenses, está com 100 anos de idade e nutre um imenso amor pela construção idealizada por seus pais.

“Ela vem toda semana para Brusque, dá uma olhada na casa. É a vida dela, ela passou metade da vida naquela casa, o pai dela que construiu, é aquele amor que ela tem e nós também”, diz Herbert.

A grande mesa de jantar impressiona pela beleza e pelos detalhes

O GUARDIÃO
O responsável por manter a mansão protegida e organizada é o simpático e alegre Euvaldo Habitzreuter, 80 anos. O senhor de fala mansa está com a família Pastor há 60 anos. Todos os dias ele sai de Guabiruba ainda de manhãzinha para chegar ao palacete. Ali, ele passa o dia todo fazendo a manutenção da casa e atendendo os muitos curiosos que diariamente pedem permissão para entrar no local.

“Eu fico mais aqui do que na minha própria casa, com a minha família. A dona Renate disse: você vai ficar comigo até que eu estiver viva. Então eu disse: dona Renate, a senhora vai ter 120 anos e eu vou ter que ficar aqui ainda”, brinca.

Entre o silêncio dos cômodos e os móveis cobertos por lençóis, seu Euvaldo passa os dias zelando pelo patrimônio da família Pastor. Enquanto mostra a casa para os visitantes, ele lembra com saudade de muitas histórias vividas no local.

Os relógios eram uma das paixões de Gotthard Pastor e ainda estão espalhados por todos os cômodos da casa

“Eles faziam muita festa aqui em cima (no terraço). Veio muita gente importante jantar, almoçar aqui. A casa sempre foi muito alegre e movimentada. Dona Renate sempre cuidou de tudo com muito carinho, até vinha pra baixo limpar o canteiro comigo”, lembra.

A história de cada objeto ainda presente na casa tem uma explicação de seu Euvaldo. Os vários relógios, as revistas em alemão, os souvenirs. O guardião da Villa Quisisana sabe o motivo pelo qual cada objeto está ali.

“O seu Pastor tinha mania de comprar esses relógios bem antigos, velhos. Em cada lugar da casa tem um, fora os que já tiraram daqui. Esses enfeites a dona Renate trazia das viagens internacionais dela, são todos importados. Ela gosta muito disso”.

O ROUBO
Em janeiro de 2013, o casarão foi invadido. As portas foram arrombadas e a casa foi toda vasculhada. Alguns objetos de valor que estavam no local foram levados.

Grandes vitrais coloridos dão ainda mais beleza e imponência ao casarão

Euvaldo foi quem percebeu o estrago quando chegou para trabalhar de manhã. “Entraram e tiraram muita coisa aqui de dentro. Tinha um cofre de cobre, que ficava atrás de um quadro, que eles quebraram tudo, acharam que tinha dólar, mas só tinha os documentos do seu Pastor. Deixaram tudo espalhado no chão, quebraram várias portas. Foi muito triste”, diz o caseiro.

Depois da invasão, os objetos de valor que não foram levados pelos assaltantes foram retirados da casa. Hoje, alguns móveis da época em que a família morava no local, objetos de decoração, quadros e muitas fotos ainda estão guardadas na casa.

Os cuidados com o casarão são os básicos. A família não investe mais na estrutura da construção. “A gente mantém a casa. Cuidamos dos cupins porque todo o teto é de madeira, das calhas, da parte elétrica, mas também não investimos mais em pintura. Tiramos mobílias e peças valiosas depois do roubo. Apenas tentamos mantê-la”, diz Herbert.

Escada que dá acesso ao segundo andar da residência

PROMESSA DE PRESERVAÇÃO
Herbert é enfático quando diz que a Villa Quisisana será protegida e não terá o mesmo destino de outros tantos casarões que já não existem mais no Centro da cidade.

“Tentamos manter a casa porque, eventualmente, até estaríamos dispostos a vender, só que para isso, precisamos ter garantias absolutas que ela não será derrubada. Vender a casa para alguém botar no chão, de maneira nenhuma, e eu acho que Brusque nem deixaria. A gente já sentiu nesses últimos casarões que foram demolidos o desgosto das pessoas com o acontecido”, diz.

O desejo de preservação é o que move os herdeiros do casarão. “Ela faz parte da fantasia das pessoas. Nós queremos preservar isso para Brusque. É uma coisa legal para a cidade, enfeita, ajuda na identidade cultural. Talvez a gente faça um museu no futuro, para abrir a casa para a população”, afirma.

Todos os cômodos do casarão permanecem como a proprietária deixou

Para ele, Brusque está perdendo a sua identidade cultural. “A cidade falhou tremendamente nos últimos 20 anos em deixar acontecer o que aconteceu. Em Blumenau, Joinville, Pomerode, as coisas são diferentes, são cidades que ainda mantém boa parte de seus antigos prédios. Aqui em Brusque isso praticamente não existe mais”.

Assim como Herbert e sua família, toda Brusque torce para que essa enigmática construção permaneça embelezando a cidade por muitos e muitos anos.