Vários pontos de Brusque sofreram com a força da água do rio Itajaí-Mirim na enchente de 2011. Um dos pontos mais atingidos foi a rua Victor Meirelles, no bairro Santa Rita. A depiladora, Riane Curcio, de 53 anos, recorda de outras cheias que vivenciou, mas relata que a de dez anos atrás está marcada na memória. “Essa parou o meu espírito, parou a minha vida”, conta.

Riane mora na área mais baixa da rua e lembra com detalhes o decorrer de sexta-feira, 9 de setembro. Ela, o marido Sérgio Luís Soares dos Santos, 58, o filho Vitor Curcio dos Santos, 16, e a mãe Nair Maria Regis Curcio, 86, estavam em casa, no térreo. Uma sobrinha estava no segundo andar.

Luiz Antonello/O Município

Na lembrança, estão as constantes atualizações da Defesa Civil, que apontavam normalidade. “Eles diziam que não precisávamos nos preocupar. Até então, não tínhamos levantado nenhum móvel”, continua.

Quando a rua começou a encher, Riane acreditava que logo iria esvaziar. Entretanto, a água começou a vir e a família começou a correr para tentar salvar tudo o que estava no alcance. Mas não deu tempo.

“Levantei algumas coisas na altura de uma cômoda, de uma mesa, uma pia. Daqui a pouco, em um instante estávamos com água nos joelhos e fomos pra cima”, relata. “A casa começou a estourar. Se estivéssemos dentro teríamos levado choques, poderíamos ter morrido”, completa.

Riane conta que o momento foi tão desesperador que ela não conseguia pensar direito. “Tiramos até a porta do guarda roupa para não perder o móvel. Tão tola que eu estava, tirei até isso, pensando que não ia marcar”, diz.

O que se seguiu foi um momento de tensão. Ilhada, a família ficou nos pavimentos superiores. Durante a noite, o silêncio marcou a memória de Riane, que olhou do segundo andar a enchente que assolou a comunidade. A imagem a impactou. “Comecei a gritar e chorar, percebi que tinha perdido tudo”, conta.

Arquivo pessoal

Recuperação

Após a cheia, a única coisa que Riane conseguiu arrumar foi uma secadora de roupas e a geladeira que consertaram. A irmã dela, Resilde Curcio, conhecida como Doca, perdeu todo o depósito de decorações de festas, que ficava no térreo.

Os próximos dias foram difíceis. Riane morou no apartamento de uma cliente por alguns meses até reconstruir tudo. Ela agradece a Cristiane Eccher e Ivo Eccher, já falecido. Já a mãe ficou com a irmã no segundo andar da casa.

Arquivo pessoal

“A prefeitura limpou a frente da casa com a patrola, colocou um caminhão de brita e na semana seguinte recomecei o trabalho de depilação. As clientes voltaram todas, não sei se foi para me ajudar, ou não. Mas todas voltaram. São clientes há 25 anos”, detalha

Riane também conta que vendia Tupperware e conseguiu apoio com a empresa, que deu crédito para comprar material de construção. A reconstrução demorou meses e ela ressalta problemas como os pisos, que soltaram.

“Foi péssimo, eu tinha que trabalhar na depilação, trabalhava com o que tinha. Foi bem sacrificado. Tive que comprar todos os móveis e eletrodomésticos. Tudo aos poucos”, continua.

Luiz Antonello

Ajuda na solidariedade

A família recebeu ajuda da Prefeitura de Brusque no pavilhão Maria Celina Vidotto Imhof, como doação de colchão e produtos de limpeza.

O apoio de conhecidos também deram força para continuar. Os familiares ajudaram na limpeza da casa. De uma outra cliente, Vera Visconti, ganhou duas camas de solteiro e um guarda-roupa. Um álbum de fotos da gravidez e de bebê do filho foram recuperadas pela cunhada, Marise dos Santos.

Arquivo pessoal

Experiência em enchentes

No outro lado da rua Victor Meirelles está a residência do aposentado Edgar Rieg, 87. Em 2011, ele morava na casa com a filha Mirtes Ramos Rieg, 60, e o neto Rafael Voitina, 41.

Edgar conta que já passou por sete enchentes durante a vida. A filha Mirtes, por exemplo, nasceu em 1961, ano de cheia. Na residência atual, a família passou por duas: a casa foi construída em 1984. Antes mesmo da mudança, durante a construção, a estrutura pegou a grande enchente.

“Iam pintar a casa naquela semana”, diz. “Não queria mais nem terminar, ficamos tudo naquela tristeza. Mas a vida continua e tem que enfrentar. Começamos aqui a luta”, continua Edgar, ao lembrar da mudança em novembro de 1984.

Enquanto a água subia

Ele recorda de outros momentos de cheia passadas, tanto em outras casas quanto na casa atual. Ali, outras enchentes menores chegaram até o portão, que atinge a cota de 9,20 metros.

Em setembro de 2011, voltava a chover. A família se informava pelo rádio e era repassado que o nível do rio chegaria no máximo 9,50 metros. “Não nos preocupamos, íamos levantar os móveis, já tínhamos experiência”, comenta.

Segundo ele, os carros ficaram todos na garagem, um antigo e três novos, sendo um do neto Rafael e outro da namorada dele na época, que não podia mais ir para casa. Outro vizinho deixou a motocicleta também na garagem.

Rafael Voitina/Arquivo O Município

Silêncio e destruição

Edgar recorda que, antigamente, o sótão era o refúgio nestes momentos. Em 2011, foi o forro da casa. “A água veio e veio, não tínhamos o que fazer. Pegamos a escada e ficamos dois dias lá em cima [forro]” ele diz.

De acordo com ele, é preciso ter estoque de farinha, macarrão e alimentos que não estragam, como carne seca e linguiça. Na casa, o estoque ainda faz parte da vida da família. “Fizemos um mini acampamento, pegamos tudo que dava, subimos para cima”, complementa Mirtes, que tem experiência de escoteira.

Luiz Antonello/O Município

A família aguardou a água baixar. Os carros, os móveis e utensílios ficaram submersos. Viúvo, Edgar se emociona ao lembrar das perdas, pois muito que tinha era lembranças da esposa Célia, já falecida há 19 anos.

“Ela tinha um estoque de linha, rendas, bordados. A água entrou, algumas coisas pegamos, mas não adiantou. Perdemos tudo. A casa ficou resumida a dois montes de entulho na frente”, diz, em lágrimas.

Luiz Antonello/O Município

Outra sensação é relatada por Mirtes: o desespero. No forro, ela lembra do silêncio mortal que se seguiu durante a madrugada. “Não sabíamos de nada, como nossos vizinhos estavam”, conta.

Contudo, Mirtes ressalta que a família teve sorte pois não ficaram sem energia elétrica. Ela aponta que isso ocorreu pois as tomadas da casa são altas, a pedido de Edgar, e não tiveram contato com a água.

Arquivo pessoal

Reconstrução e memória

Após a água baixar, ficaram os entulhos e o lodo. A família passou uma semana na limpeza. “Quatro pessoas para tirar o colchão, pelo peso. Foi uma tristeza”, recorda Edgar. “Mas Deus sempre me deu força e nunca desanimei”, completa.

Mirtes aponta que o filho Rafael deu forças e administrou a limpeza após a baixa das águas, que durou entre dois e três meses. “O que ele mandava fazer a gente fazia”, diz.

A tristeza ainda marca a memória da família. Alguns móveis atingidos foram substituídos e outros ainda estão na casa. “Mas a vida é assim mesmo, cheia de altos e baixos, é assim mesmo”, diz Edgar. “Precisa ter paciência e força de Deus para continuar”, finaliza.

Luiz Antonello/O Município

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