Comunidade que será afetada por barragem de Botuverá aceita obra a contragosto e considera que não é ouvida

Substituição de estrada de acesso à comunidade é principal preocupação dos moradores da Areia

Comunidade que será afetada por barragem de Botuverá aceita obra a contragosto e considera que não é ouvida

Substituição de estrada de acesso à comunidade é principal preocupação dos moradores da Areia

O jornal O Município apresenta a série especial “Barragem de Botuverá: o Dossiê”. Reportagens exclusivas são publicadas em omunicipio.com.br e na edição impressa, cada uma dedicada a explorar, em profundidade, um aspecto específico da obra e seus impactos na sociedade. O objetivo é oferecer ao leitor uma visão ampla e detalhada de uma das construções mais aguardadas da região.

A comunidade do bairro Barra da Areia, em Botuverá, que vive no entorno do ponto de construção da futura barragem, teme ficar sem acesso digno às suas terras. A contragosto, os moradores até aceitam a obra, mas acreditam que não são ouvidos nas discussões e cobram a construção de uma nova estrada acima da atual.

Os setores público e privado sempre trataram a barragem de forma favorável. No entanto, os críticos à construção da estrutura passaram a ter voz após a vitória do prefeito de Botuverá, Victor Wietcowsky (PP), nas eleições de 2024.

A obra será do governo do estado, e a prefeitura não pode fazer nada para impedir a construção. Porém, Victor frequentemente se queixa da falta de atendimento aos anseios da comunidade do Barra da Areia.

A contrariedade da comunidade e do governo municipal não deve mudar os planos do governo estadual. O governador Jorginho Mello (PL) garante que a estrutura que promete combater cheias será construída. Agora, a comunidade concentra esforços em receber compensações pelo impacto da futura obra de grande porte no bairro.

“Não estou mais [me posicionando] contra a barragem. Não adianta dar socos em ponta de faca”, diz Norma Busquirolli, cujo pai idoso vive na área do reservatório da barragem. “Precisamos focar na estrada. Podem fazer a barragem, mas não podemos esquecer da estrada”, cobra.

Para Norma, as pessoas favoráveis à construção da barragem não se importam com a comunidade da Areia, como a região é chamada. Ela reforça que a infraestrutura para as cerca de 100 pessoas que vivem no bairro precisa vir antes da barragem.

“Estão pensando apenas no povo que vive abaixo da barragem. O pessoal, aqui, que será atingido [pelo impacto da obra], não está sendo falado. Primeiro, precisamos de estrutura para a comunidade”, entende.

Neste mês, o prefeito Victor entregou um ofício à Secretaria de Proteção e Defesa Civil do estado, destinado ao governador, em que solicita mais de R$ 60 milhões em compensações pelo impacto que será causado pela estrutura. Nem todos os pedidos estão necessariamente relacionados à obra.

A reportagem de O Município compilou as queixas dos moradores e as encaminhou à Defesa Civil catarinense, secretaria estadual responsável pela obra e administração da futura barragem. As respostas da pasta aos questionamentos foram incluídas no texto, em itálico, em cada tópico criticado pelos moradores ou que eles têm dúvidas.

Nova estrada, novo problema

A atual estrada-geral do Barra da Areia será afetada pela barragem, pois o acesso à comunidade se tornará inviável dentro da área de reservatório. A estrutura será uma barragem seca, ou seja, permanecerá com pouca água armazenada na maior parte do tempo, mas a estrada pode ser atingida em períodos de cheias.

Sabendo disso, a Secretaria de Proteção e Defesa Civil do estado planeja atender ao pedido da comunidade por uma nova via. Entretanto, a pasta responsável pela gestão da futura barragem prevê viabilizar um acesso no topo do morro do bairro.

Assim, a demanda da comunidade não é suprida. Morador da região, Pedro Santo Dognini afirma que o trecho que a Defesa Civil planeja tornar a estrada principal do bairro é inviável.

Hoje, a aclividade do terreno é tão acentuada que carros que não são tracionados possuem dificuldade para resistir ao morro.

“[O trecho que querem abrir] nem é uma estrada. É uma trilha de madeireiro. É uma morraria”, afirma Pedro. “Como um caminhão de carga vai subir? É uma estrada para trilha”, complementa Norma.

A Defesa Civil de Santa Catarina diz que realizou uma visita técnica ao local a pedido da comunidade, justamente para verificar a viabilidade de utilizar o acesso pelo topo do morro. A pasta ressalta que tornar o trecho como estrada principal do bairro está em análise e leva em consideração as condições do terreno e segurança do tráfego.

“Não aceitamos dar a volta pela Areia Alta”

Outro argumento da Defesa Civil é que a comunidade não ficaria sem acesso ao bairro, pois os moradores poderiam utilizar a estrada existente que liga a localidade de Areia Alta à rodovia SC-486. Os moradores rechaçam essa possibilidade.

A rotina da comunidade passaria por transtornos significativos. Via Areia Alta, os moradores teriam que percorrer cerca de 40 quilômetros para chegar até o Centro. Hoje, o trajeto é de 24 quilômetros.

Nilza Maria Brogni reluta sobre a possível necessidade de ir todos os dias para a escola em que é professora no bairro Ribeirão do Ouro por meio da Areia Alta. Ela entende que utilizar o acesso como rota principal caminha no sentido contrário ao desenvolvimento.

“Não aceitamos dar a volta pela Areia Alta. Daria meia hora para chegar até o Ribeirão do Ouro. Queremos uma boa estrada para passar caminhão. Precisamos de estrada [nova], e antes de fazer a barragem”, frisa.

A Defesa Civil afirma que avalia alternativas para evitar que a comunidade precise percorrer longos trajetos após o fechamento da estrada-geral do Barra da Areia. “O objetivo é identificar uma solução técnica viável, segura e que mantenha a mobilidade da comunidade”, detalha.

Além de a barragem afetar a estrada-geral do Barra da Areia, Nilza teme que a estrutura prejudique também a distribuição de energia elétrica. Hoje, a fiação fica à margem da estrada. Ela acredita que a comunidade da Areia não é ouvida nas discussões da obra.

“Acreditamos que deveria ter sido feita uma reunião para esclarecer ao povo como será a barragem, como ficará a situação da estrada e até onde a água vai chegar. Não sabemos nada disso”, lamenta.

Quanto à distribuição de energia elétrica, a Defesa Civil responde que o processo de realocação da rede que fica às margens da estrada-geral do Barra da Areia está em andamento junto à Centrais Elétricas de Santa Catarina (Celesc), “garantindo o atendimento seguro à comunidade e a compatibilidade com o novo traçado da área do reservatório”.

Além disso, frisa que a área de alagamento da barragem está delimitada dentro dos projetos da estrutura. A pasta diz que o estudo identifica os locais que poderão ser atingidos na capacidade máxima de armazenamento da barragem.

“Essas informações serão apresentadas à comunidade nas próximas etapas de divulgação. O secretário [de Defesa Civil de SC, Mário Hildebrandt] já esteve no município em cinco oportunidades para tratar do tema, mas o processo não evoluiu ainda mais em razão da resistência do Executivo municipal”, responde a Defesa Civil.

“Está prevista uma apresentação pública sobre o projeto da barragem, em que serão detalhados o cronograma de obras, os sistemas de segurança e as medidas voltadas à população. A data ainda está sendo definida, e a comunidade será comunicada com antecedência”, complementa.

O ideal

A construção de uma estrada paralela à atual estrada-geral seria uma alternativa positiva, conforme os moradores. Para eles, um novo acesso um pouco acima do atual, que não seja afetado pela barragem, atenderia à demanda que tanto cobram.

Em 2017, a empresa Iguatemi venceu uma licitação do governo de Santa Catarina para elaborar estudos do acesso secundário, neste formato que os moradores gostariam. Porém, nos últimos meses, não havia informação sobre possível interesse da Defesa Civil em colocar este projeto em prática.

“Serão 7 quilômetros de uma nova estrada paralela à existente para quando a barragem estiver cheia ninguém da comunidade fique sem acesso”, explicou o então prefeito de Botuverá, Nene Colombi (MDB), quando os estudos iniciaram.

A Defesa Civil do estado não descarta colocar em prática o traçado elaborado pela Iguatemi. Segundo a secretaria, o tema deve voltar à pauta durante a fase de reanálise dos projetos da obra, que está previsto no edital de construção da barragem, publicado em setembro.

“O estudo realizado pela empresa Iguatemi está entre as possibilidades de acesso que estão sendo analisadas. Todos os levantamentos técnicos anteriores estão sendo revisados para subsidiar a definição da melhor alternativa de ligação viária”.

Por um bem maior

Pedro Santo Dognini vive com a família em uma casa dentro da área de reservatório da barragem. Ele afirma que a Defesa Civil chegou a especular, informalmente, quanto custaria o imóvel dele, a título de indenização.

O morador acredita que o valor especulado foi justo, e faz planos para onde iria caso precise deixar o terreno em que vive há muito tempo. Ele possui outra área de terra no Barra da Areia, mas não descarta se mudar para o bairro abaixo, o Ribeirão do Ouro.

“Eu gostaria de ficar por aqui. Eu nasci aqui, me criei aqui. Talvez, podemos ir para o Ribeirão do Ouro. Meu filho fez uma casa lá. Ele faria [a residência] no nosso bairro, mas decidiu ir para o Ouro justamente por causa da barragem”.

Filha de Pedro, Gisele Aparecida Dognini considera que é momento de a comunidade se unir em busca de compensações justas. Ela avalia que lutar contra a barragem não terá resultados práticos.

“Sabemos que não há como evitar. Sabemos que vai trazer muitos benefícios para Santa Catarina, mas pouco se fala nas nossas terras, que serão atingidas. Prezamos muito pela estrada. Se tivermos que sair por cima, estamos falando de muitos quilômetros a mais, em uma estrada estreita e com barrancos”.

A família Dognini não gostaria de deixar o bairro Barra da Areia. As raízes no ponto escolhido para construção da barragem de Botuverá são fortes. Porém, a família sabe da importância da obra e diz que deixaria o local pelo bem maior.

“Não queríamos sair daqui. É triste, mas entendemos o lado das pessoas. Não podemos pensar só em nós. Não gostaríamos de sair daqui. Mas, se for necessário para o bem de todos, aceitamos”, comenta Janete Dognini, mãe de Gisele.

O prefeito crítico à barragem

Um dos motes da campanha do prefeito Victor Wietcowsky enquanto candidato ao Executivo em 2024 foi ser crítico à barragem. Nas urnas, o então vereador de oposição desbancou Nene Colombi, ex-prefeito do município por dois mandatos.

Victor diz que as preocupações relacionadas à barragem não partem da cabeça dele, mas que são da comunidade do Barra da Areia. O prefeito comenta que busca atuar como intermediador entre os moradores que serão impactados e o governo do estado.

“Estamos representando os anseios da comunidade. Sempre falamos que políticos precisam ouvir a população. Estou ouvindo minha população. Às vezes, isso acaba incomodando. Eu tenho uma opinião pessoal, mas nunca expus, pois preciso pensar como administrador público”.

Victor crê que a posição crítica do governo municipal e dos moradores fez com que a Defesa Civil olhasse para a obra da barragem de outra forma. Para ele, a secretaria estadual entende a importância da viabilização de um novo acesso para a comunidade.

O prefeito, porém, considera que os trâmites para execução da obra ao longo dos anos não deram importância para as demandas dos moradores. Espera que, agora, seja dada a devida atenção.

“Para os moradores, nunca foi um processo transparente. Nunca tiveram acesso. Nunca souberam até onde chegaria o nível de água. Esperamos que, a partir de agora, seja mais transparente”, comenta.

O prefeito defende a formação de uma associação de moradores dos bairros Barra da Areia e Ribeirão do Ouro. O objetivo é organizar a atuação em cobrança às demandas da comunidade.

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