As análises feitas pelo Laboratório de Química da Unifebe revelam que o rio Itajaí-Mirim está doente. O caso não é terminal, mas requer atenção por parte da população e do poder público, para que os impactos ambientais sejam sentidos em menor intensidade na região.

Todas as amostras do rio tiveram um fator em comum: a hidrazina. É uma substância altamente tóxica que pode ser prejudicial ao ser humano e ao meio ambiente.

“É preciso usar EPIs [Equipamentos de Proteção Individual] para manusear essa substância. Não pode ter contato direto, então ela é de alta toxicidade. Ela tem várias aplicações, mas principalmente a indústria química a usa em alguns processos”, explica a professora e coordenadora do curso de Engenharia Química da Unifebe, Daniele Vasconcellos de Oliveira.

De acordo com o relatório dos exames laboratoriais, no caso da região, a hidrazina “pode ter ligação com indústria têxtil, já que é utilizada como sequestrante de oxigênio de caldeiras e também como componente intermediário na composição de tecidos com elastano. Outra aplicação do componente é em agrotóxicos”.

A presença dessa substância é um indicativo forte de que há irregularidades cometidas no rio Itajaí-Mirim, com consequências relevantes não só para os animais que nele vivem, mas para o ser humano. As análises coletadas apontaram presença de elementos encontrados em tintas têxteis e produtos agrícolas até mesmo em ribeirões afastados da região central.

Fiscalização
O órgão responsável por fiscalizar crimes ambientais em Brusque é a Fundação Municipal do Meio Ambiente (Fundema). Porém, é uma tarefa difícil e quase sempre ingrata, pois é preciso flagrar a ação para ter certeza da origem do despejo e, consequentemente, poder multar.

A Fundema recebe vídeos e fotos de moradores que veem a mudança de cor no rio de vez em quando. A frequência varia, mas não é regular, segundo o superintendente do órgão, Cristiano Olinger.

“É um problema sério, até porque os descartes maiores, que são os que levam à troca de coloração no rio Itajaí-Mirim, geralmente, são de empresas de maior porte”, diz Olinger. A Fundema responde aos chamados, mas nem tudo vira multa devido à dificuldade de rastreamento.

“Um problema sério que temos é descobrir qual é a empresa que fez o descarte, porque a gente sabe que boa parte dos ribeirões está tubulada ou sob galerias. Na hora que o resíduo chegou ao rio, dentro da empresa já parou o descarte. Muitas vezes não é uma só empresa naquele ribeirão, são três ou quatro”, afirma o superintendente.

O diretor da Estação de Tratamento de Água (ETA) do Serviço Autônomo Municipal de Água e Esgoto (Samae) de Brusque, Márcio Cardoso, conta que os resíduos de tinturaria são especialmente prejudiciais ao abastecimento da cidade, inclusive para consumo humano.

O corante contido nesses elementos não pode passar pelo tratamento de água, por isso, quando existe esse tipo de substância na água, a operação é interrompida. Porém, Cardoso afirma que isso aconteceu pela última vez há mais de três anos.

Na avaliação do diretor do Samae, o que pode ocorrer é o despejo fora dos locais de captação da autarquia. O órgão faz vários testes de controle de qualidade de água ao longo do dia, que garantem a segurança sanitária do abastecimento.


Falta de tratamento do esgoto sanitário preocupa

Em quase todos os pontos foram detectadas substâncias relacionadas ao esgoto doméstico – como o surfactante, que é encontrado em detergentes. Embora rica e com alto Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), Brusque não tem tratamento coletivo de esgoto, por isso é comum encontrar essas substâncias na água.

O tratamento de esgoto é um fator de saúde pública, e o Ministério Público de Santa Catarina (MP-SC) tem cobrado das prefeituras e sua implantação. Brusque teve projetos apresentados, mas nenhum prosperou.

A situação da cidade não é pior porque a maioria da população tem fossas e filtros anaeróbicos, afirma o diretor de ETA do Samae. “Com essas instalações simples, conseguimos despoluir de 76% a 80%, dependendo do tipo de operação”.

Cardoso ressalta que a existência de fossas não dá aval para que tudo seja despejado no Itajaí-Mirim ou nos ribeirões. A situação do esgoto na água acentua-se quando o nível está baixo, como neste mês, devido à falta de chuvas.

O superintendente da Fundema admite que a falta do tratamento do esgoto é algo que preocupa do ponto de vista ambiental. Mas as fossas domésticas amenizam a situação, na falta de uma solução coletiva.

“As pessoas precisam manter a fossa limpa. Quando há um acúmulo de sólidos lá, o tratamento não é tão eficiente. Os sólidos são carregados ao filtro e chegam ao ribeirão”, diz Olinger.


Conscientização da população e de empresas é fundamental

Em 2014, o estado de São Paulo passou por uma situação outrora inimaginável: desabastecimento dos rios. País tropical e de natureza farta e abundante, o Brasil era visto como uma fonte inesgotável. Esse pensamento foi por água abaixo, se já não havia ido com a crise hídrica.

Para a professora Daniele Vasconcellos de Oliveira, foi uma amostra do que acontece quando não se cuida da água. “Como o rio Tietê ficou como é hoje? A gente sabe que tinha muita tinturaria que largava efluente direto lá”.

Daniele afirma que o rio Itajaí-Mirim ainda não chegou a tal ponto, mas a existência de substâncias estranhas àquele ambiente é um sinal de que algo está errado e é preciso repensar o processo. Ela conta que, na Carta da Terra, estimava-se que em 2020 poderia haver disputa por água.

“Em um município do interior de São Paulo, um caminhão pipa teve que ser escoltado pelo Exército. E não foi em 2020, mas em 2014”, diz a professora e coordenadora.

O superintendente da Fundema afirma que nem sempre a coloração da água significa contaminação, mas há casos de metais pesados no rio Itajaí-Mirim. “No meio ambiente, esses elementos podem acarretar perda de fauna e flora, porque acabam com o bioma do rio. Sabemos que esses metais pesados e tóxicos são usados para que a tinta tenha maior fixação”, comenta.

O Samae monitora o rio desde a década de 1960. Desde lá ele tem permanecido como um rio classe 2, ou seja, com água própria para o consumo humano após o tratamento convencional, segundo o diretor de ETA.

Punição
Há duas maneiras de evitar que a condição do rio Itajaí-Mirim e dos ribeirões piore: punição e fiscalização. A Fundema conta com pouco pessoal para flagrar crimes ambientais, mas faz o trabalho na medida do possível, segundo o superintendente.

Quando um despejo irregular é flagrado e a empresa originária, identificada, é feita a autuação. O valor da multa varia conforme o dano ambiental e o capital da companhia autora do crime.

A Fundema atua apenas quando é chamada, ou seja, atualmente não existem operações para flagrar infrações. O superintendente diz que aposta na conscientização para mudar a realidade.

“Temos essa ideia de fazer um trabalho de conscientização com a empresas que são potenciais poluidoras”.