João José Leal

Promotor de Justiça, professor aposentado e membro da Academia Catarinense de Letras - [email protected]

Conversas praianas 5 – O trovão

João José Leal

Promotor de Justiça, professor aposentado e membro da Academia Catarinense de Letras - [email protected]

Conversas praianas 5 – O trovão

João José Leal

Na mesa de uma confeitaria de Balneário Camboriú, entre bolos, tortas e café, a conversa está animada. São mulheres de cidades diferente que só se encontram no verão e alguns feriadões, sustentando uma amizade ocasional, alimentada pelo feitiço do clima marinho com seu irresistível canto de sereia.

Uma delas, cabelos acastanhados pela ação da tinta aplicada em salão de venda de beleza e ilusão, óculos de sol daqueles de cobrir meio rosto, contava que seu apartamento estava virado numa balbúrdia. Seu filho mais velho tinha chegado com a mulher e três filhos para passar uns dias na praia. Trouxera um casal amigo com mais três moleques, daqueles de jogar bola no congestionado apartamento. E o pior, sem avisar nem pedir licença, a visita tinha trazido o cão de estimação, um poodle dos grandes, de pelagem preta encaracolada, fitinhas plantadas na cabeça e no arrebitado rabo.

Um cão elétrico, temperamental, cheio de energia, latindo e correndo o tempo todo. Chamado de Trovão, o nome já dizia tudo. Disse a já idosa veranista para suas amigas: “Imaginem, vocês, o bicho tomou conta do apartamento. Estamos vivendo em meio a uma verdadeira tempestade, por conta do cão de estimação de uma visita que não conhecíamos antes. Meu marido é fazendeiro em Alegrete e ficou uma fera com a indesejada visita canina, engolida em nome da paz familiar”.

Com certa mágoa, a fazendeira explicava que, na fazenda, os cães de pastoreio correm por toda a extensa coxilha. Ajudam barbaridade no trabalho de reunir e conduzir o rebanho ovino até os currais. Mas, nenhum deles entra em casa. Quando muito, metem as patas no chão dos galpões para dormir sobre velhos pelegos, sovados pelo tempo de montaria. “É assim que tratamos os nossos cuscos ovelheiros, como verdadeiros cachorros.”

Não era o caso do Trovão, um cão granfino, cheio de si, penteado em salão de beleza, vestido com roupa de boneca, que só vai à rua acompanhado para fazer suas necessidades fisiológicas. Folgado, resolveu deitar no sofá da sala, bem no lugar em que o marido costuma sentar para ver o noticiário da TV. E ninguém pode dizer nada, para não contrariar a visita.

Com atenção, as amigas ouviam o relato da aflita fazendeira: “Meu marido, criado nas estâncias de fronteira, acostumado a botar touro selvagem de joelho no pialo e a enfrentar entreveros de bolicho, acha que o cão é gay. Ficou três dias emburrado com o desaforo da visita canina. Só não voltou para a fazenda porque quase não vê os netos. Mas já disse que, no próximo veraneio, não entra mais cachorro no apartamento”.

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