João José Leal

Promotor de Justiça, professor aposentado e membro da Academia Catarinense de Letras - [email protected]

Conversas praianas: O vendedor de picolé

João José Leal

Promotor de Justiça, professor aposentado e membro da Academia Catarinense de Letras - [email protected]

Conversas praianas: O vendedor de picolé

João José Leal

Em Balneário Camboriú, verão é sombra e água fresca. Isso para os turistas, que sabem muito bem conjugar os verbos comer, beber e se divertir, sem hora marcada para começar nem terminar. Essas aves de arribação vindas dos mais distantes rincões deste imenso país e, também, de outras nações vizinhas, porque turismo não conhece distâncias nem fronteiras neste mundo globalizado e sem porteira, passam o tempo sentadas à sombra dos guarda-sóis ou estiradas na areia, em busca do bronze solar ultravioleta.

Com certeza sabem o que é lazer e os encantos do prazer vividos nos momentos de euforia mágica do tempo de férias. Depois, é outra história. É regresso e a realidade dos problemas cotidianos.

Mas, se o sol nasce pra todos, o lazer e o prazer escolhem seus privilegiados. Em meio à floresta de guarda-sóis plantada na areia branca da extensa orla praiana, caminham, de norte a sul, de sol a sol, os ambulantes, na dura luta pelo ganha-pão de cada dia. Nessa passarela da contradição social, se uns curtem e bebem os prazeres da vida em frente ao mar, outros desfilam suando a camisa, trabalhando duro para manter uma sobrevivência de pobreza e sofrimento.

O vendedor de picolé é um desses conhecidos personagens presente nas praias. Pés descalços caminham com dificuldade sobre a areia movediça no cansativo e penoso vai-e-vem. No labirinto de estreitas passagens, esgueirando-se entre guarda-sóis e cadeiras, empurram o pesado carrinho ou carregam a tiracolo a caixa térmica para levar a delícia gelada e saciar a gula encalorada dos veranistas. As crianças, enfeitiçadas pelo tirolite agudo e estridente do apito, flauta plástica de pan tocada como gaita de boca, não resistem aos acordes que lhes dão água na boca, e o banzé está feito se o pai não lhes compra um palito gelado.

Nas minhas caminhadas na praia de BCamboriú, não tenho visto o vendedor de picolé, gritando, apitando, chamando a criançada. E, também, adultos e velhos, porque a gula não é pecado exclusivo da molecada. Neste novo tempo de praia superlotada, de suprema taxação fiscal, cada um no seu lugar, na sua especialidade, uns vendendo milho e churros, outros, salgadinhos, bebidas alcoólicas, refrigerantes e água de coco, todos devendo pagar o imposto para manter a voraz máquina administrativa.

É possível que a voz do regulamento a serviço da ordem praiana tenha falado mais alto que o som do apito e que o picolé, sumido da praia, seja também monopólio de algum comerciante de alvará na parede.

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