De Roraima a Brusque: conheça perfil de refugiados venezuelanos no município

Família de refugiados que vive em Brusque relembra quando cruzou fronteira entre Venezuela e Brasil

De Roraima a Brusque: conheça perfil de refugiados venezuelanos no município

Família de refugiados que vive em Brusque relembra quando cruzou fronteira entre Venezuela e Brasil

Bladmir Rodriguez Diaz, de 58 anos, é pastor e atua na Primeira Igreja Batista de Brusque. Ele, a esposa, os filhos e netos deixaram a Venezuela em 2017 na tentativa de fugir da criminalidade e da crise, em busca de uma vida melhor em terras brasileiras.

O pastor e a esposa, Gisela Rodriguez, 59, eram professores integrais no país natal. Na bagagem, o casal trouxe as saudades de parte da família que ficou na Venezuela e o sonho de que a situação do país um dia possa voltar à normalidade.

A família passou por momentos de dificuldade nos primeiros dias no Brasil, quando chegaram em Pacaraima (RR), primeiro município brasileiro após a travessia da fronteira. Durante o trajeto, eles dormiram na rua, mesmo com medo da criminalidade que por ali rondava. A arriscada decisão tinha um único objetivo: fugir da repressão e da crise.

“Saímos da Venezuela em setembro de 2017 com o propósito de assegurar nossa família. Pela situação da revolução comunista, todas as condições de vida sumiram”, relembra Bladmir, que hoje em dia mora com a família no bairro Santa Terezinha, em Brusque.

Família de Bladmir e Gisela deixou a Venezuela em 2017; três netos do casal nasceram no Brasil. Foto: Thiago Facchini/O Município

Após os primeiros dias de adaptação em solo brasileiro, foram para Boa Vista, capital de Roraima. Entretanto, tanto Bladmir quanto Gisela, sem condições de seguir com o emprego na área da educação no Brasil, passaram a atuar em uma comunidade evangélica na cidade. Lá, auxiliaram famílias venezuelanas que passaram pelas mesmas dificuldades após deixarem a Venezuela para se refugiar no Brasil.

De acordo com Bladmir, o casal atuou na comunidade por cerca de um ano e atenderam aproximadamente 300 venezuelanos. Posteriormente, retornaram para Pacaraima para, desta vez, prestar atendimento aos refugiados junto à igreja no município fronteiriço. Na cidade, permaneceram também por cerca de um ano.

“Depois de um ano em Pacaraima, procuramos nos aproximar a Brusque. Meu genro estava com meu filho mais novo e com meu filho mais velho espalhados pelo Brasil. Então, o encontro de todos ocorreu em 2020”, conta Bladmir.

Desde 2019, eles realizam o trabalho na cidade semelhante ao projeto realizado em Boa Vista e em Pacaraima. Em Brusque, a atuação é em parceria com a Primeira Igreja Batista de Brusque e com a Convenção Batista Catarinense. Cerca de 30 famílias hispânicas que vivem no Brasil são atendidas, sendo que 15 têm maior proximidade com o casal Bladmir e Gisela.

Bladmir Rodriguez Diaz, 58, é pastor e atuava como professor na Venezuela. Foto: Thiago Facchini/O Município

Vida na Venezuela e a vinda para Brusque

O pastor comenta que a taxa de homicídios na Venezuela era alta, de aproximadamente 70 assassinatos a cada 100 mil habitantes, em decorrência de guerrilhas urbanas, além da perseguição política.

No país ficaram irmãos do pastor e de Gisela, parentes que não veem pessoalmente desde 2017, quando cruzaram a fronteira. “Vendemos apartamento, vendemos tudo para chegar na rua com a família, com netinhas”, detalha.

Quando chegaram em Brusque para atuar com o projeto na comunidade evangélica, a família alugou inicialmente uma casa no bairro Nova Brasília. Bladmir conta que, no começo, houve dificuldade para se adaptar na cidade, principalmente com o clima.

“Na Venezuela não tínhamos quatro estações. Éramos acostumados com uma estação chuvosa, mas nunca um frio ou calor que machuca. Foi uma adaptação com a temperatura abaixo de cinco graus e com o calor de 40 graus”, conta.

O projeto em que Bladmir e Gisela atuam em Brusque atende hispânicos. Ou seja, refugiados e imigrantes que vêm de outros países da América do Sul também são atendidos pelo projeto, apesar de, atualmente, terem apenas venezuelanos acolhidos pela iniciativa na comunidade.

Gisela Rodriguez, 59, era professora na Venezuela. Foto: Thiago Facchini/O Município

Acolhimento no Brasil

Questionado sobre o desejo de retornar à Venezuela algum dia, o pastor conta que trata-se de um sonho. Entretanto, acredita que irá demorar para aquilo que um dia foi um “adeus” se transformar em um “até logo”. Independentemente de uma possível mudança no governo do país, a criminalidade deve persistir por alguns anos, conforme avalia Bladmir.

“Nós estamos cientes que a situação não vai mudar, mesmo saindo o Maduro. É necessário resolver a situação do excesso de pessoas que têm arma de fogo igual ao Exército. Se as águas acalmaram, nós voltamos, pois amamos o nosso país”.

Por fim, Bladmir diz, em tom de brincadeira, que já são quase brasileiros. Além disso, três netas do casal nasceram no Brasil desde o período em que chegaram no país. Ele ainda elogia os brasileiros e os classifica como “um povo acolhedor”.

“O brasileiro chorou conosco, sofreu conosco e estendeu a mão. O Brasil é conhecido no mundo pelo futebol e pelo Carnaval, mas eu sempre falo que a qualidade maior é seu carinho. O brasileiro tem uma natureza muito acolhedora que nenhum país do mundo tem. Eu dei testemunho disso”, completa.

Estratégia de interiorização

A operação Acolhida, iniciativa do governo federal com apoio de entidades humanitárias, realiza a estratégia de interiorização. O projeto consiste em realocar refugiados venezuelanos de Roraima para outros municípios do Brasil. O objetivo é trazer oportunidades para os refugiados que, por meio do cadastro, estão legalizados no país, além de diminuir a pressão sobre os serviços públicos de Roraima.

Um dos participantes desta iniciativa é Bladmir, juntamente com a família. “Boa Vista era como um barquinho que não suportava mais tanta gente indo para lá. Então, o governo brasileiro desenvolveu uma política de interiorização de venezuelanos por meio de voos de aviões das Forças Armadas com ajuda de empresários que auxiliaram nos serviços de viagem para os venezuelanos. Muitos foram levados para diferentes estados e São Paulo foi o que mais recebeu [os refugiados]”, explica.

Um painel da Organização Internacional para as Migrações (OIM) mostra o perfil dos venezuelanos por município. Em Brusque, 150 pessoas foram interiorizadas. Entretanto, o número de venezuelanos cadastrados e que constam no painel da OIM não representa necessariamente o número total de pessoas com status de refugiados na cidade atualmente.

Entre eles, conforme aponta o painel, 118 estão registradas no ProGres V4, uma base dados que gerencia casos de venezuelanos que cruzam a fronteira e vivem em território brasileiro. Os dados revelam as necessidades específicas destes refugiados, além das experiências de trabalho mais registradas e níveis educacionais.

Das dez experiências de trabalho mais registradas em Brusque estão os trabalhos como cozinheiro, padeiro e confeiteiro, além de trabalhadores da construção civil e secretários. Os números mostram, também, que 46% dos adultos registrados no ProGres V4 têm Ensino Médio completo, sendo 25 deles. Outros 12 venezuelanos estudaram até o primeiro ou segundo ano do Ensino Médio. Dois têm ensino técnico e apenas um possui ensino superior.

Casos mais frequentes

As “modalidades” de refugiados venezuelanos mais registradas em Brusque são três, conforme explica o bacharel em Direito Fernando Santana de Castro, voluntário que atua no projeto Proteção e Auxílio aos Refugiados no município. De acordo com ele, os casos mais frequentes são:

– Pedido de residência: quando o venezuelano chega no Brasil como um turista, pede residência e busca regularização no país. Então, ele atravessa a fronteira tanto de avião, com passaporte, quanto por via terrestre, apenas com o número do RG.

“Uma vez aqui, tendo residência ou um contrato de trabalho, por exemplo, o venezuelano pode pedir para residir no Brasil e a polícia concede uma identidade, que é o RNE (Registro Nacional de Estrangeiros), para ele residir no país legalmente”, esclarece.

– Pedido de refúgio: quando o refugiado atravessa a fronteira e solicita refúgio ao invés de residência. De acordo com Fernando, quase todos os refugiados chegam no Brasil caminhando.

– Cruzar a fronteira ilegalmente: quando refugiados cruzavam a fronteira ilegalmente no período em que ela estava fechada. Assim, chegavam ao Brasil sem passar pela imigração e pela Polícia Federal.

Auxílio aos refugiados em Brusque

O projeto Proteção e Auxílio aos Refugiados, encabeçado por Fernando, foi criado em 2019 por iniciativa do Laboratório de Cidadania e Educação em Direitos Humanos (Lacedh) do Centro Universitário de Brusque (Unifebe).

De acordo com o voluntário, apesar de ter vagas de emprego disponíveis em Brusque via Sistema Nacional de Empregos (Sine), ele esclarece que problemas com documentação impedem que os venezuelanos sejam empregados. Fernando afirma que os refugiados muitas vezes não têm sequer o principal documento, que é o RNE.

“A grande causa deles estarem pedindo dinheiro nas ruas é a falta de documentação, com documentos vencidos, protocolo vencido, dificuldade para ter acesso a internet para fazer cadastro e para agendar entrevista na Polícia Federal”, completa.


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