No final do ano sempre rola uma viagem para algum lugar diferente. Às vezes é para visitar parentes, outras é para conhecer novos lugares. O que essas viagens têm em comum para mim? A enorme felicidade de voltar para casa. Não importa quão belo seja o lugar visitado ou quão agradável seja a estadia. Depois de três dias sempre começo a imaginar a volta. E no retorno, sempre a mesma certeza: o melhor lugar do mundo é a minha casa! Há algo de muito positivo nessa sensação, pois a nossa alma parece que não descansa fora desse lugar que reservamos para que seja o nosso canto. Eu nunca gostei de estar por muito tempo fora do que pudesse chamar de “minha casa”. Mesmo que fosse a humílima casa da minha infância ou a quitinete despojada em que morei em boa parte da juventude. Tem alguma coisa mágica no momento em que pisamos o nosso espaço, esse lugar que chamamos de “lar”.
Aliás, a palavra “lar” são significa exatamente a moradia física, mas o espaço espiritual onde nos sentimos de fato inteiros e “em casa”. No seu fabuloso livro “A Cidade Antiga”, o historiador francês Numa Denis Fustel de Coulanges mostra que, nos primórdios do mundo antigo, “lar” era o nome dado ao santuário que deveria haver em cada casa, no qual se cultuavam os espíritos dos antepassados. Aí deveria haver um fogo, que jamais poderia ser extinto. Esse caráter sagrado da casa e da família permaneceu no sentido que ainda damos à palavra lar. Na ausência desse espírito de sacralidade, a casa é apenas uma habitação que, por mais espaçosa e confortável que seja, pode tornar-se um local de acampamento para pessoas espiritualmente desconhecidas, mesmo que tenham os mesmos laços sanguíneos.
É por isso que nem todos sentem o mesmo desejo de retornar para casa, e o fazem com sofrimento, ao invés de alegria. Vivemos num tempo em que o que ainda resta desse sentido sagrado do lar está se esfacelando em alta velocidade. Aos poucos, a cultura vai minando a autoridade dos pais, dificultando a educação sadia que essa autoridade deveria fornecer, escondendo as pessoas umas das outras atrás das tecnologias, dos objetos de consumo e do individualismo.
Recuperar nossos “lares” é um dos desafios mais difíceis, mas também mais urgentes do nosso tempo.  Quem não tem um lar para o qual o seu coração insiste em querer voltar está privado de uma parte fundamental de sua identidade humana.
Que 2014 seja um tempo propício para essa reconstrução e que sejamos todos bem-vindos de volta pra casa!