Desinformação e negacionismo: porque simpatizantes do nazismo estão “dando as caras” em Santa Catarina

Especialistas buscam explicar aumento de grupos supremacistas no estado

Desinformação e negacionismo: porque simpatizantes do nazismo estão “dando as caras” em Santa Catarina

Especialistas buscam explicar aumento de grupos supremacistas no estado

Atitudes de simpatizantes ao nazismo voltaram a ser notícia em Santa Catarina nesta semana. Após um homem fazer uma saudação nazista em um show em Blumenau, no Vale do Itajaí, o aumento de casos do tipo dos últimos anos foi relembrado na internet.

O vídeo tomou conta das redes sociais e muitos questionaram a liberdade com a qual o homem, que assumiu o gesto, foi para casa. A banda e a casa já afirmaram que levarão o caso ao Ministério Público, mas a polícia não foi acionada.

Apesar de grupos neonazistas e supremacistas nunca terem deixado de existir, é evidente uma maior manifestação dessas ideologias comparado a períodos anteriores. Isso não apenas no Médio Vale do Itajaí ou no Brasil, visto a influência da ideologia na guerra entre a Rússia e a Ucrânia.

Os professores da Universidade Regional de Blumenau (Furb) Jorge Gustavo Barbosa de Oliveira, especialista em política internacional, e Cristina Ferreira, especialista em história política, concordam que os grupos e células neonazistas têm aumentado e no que influenciou tal retrocesso.

Para eles, a ascensão de partidos de extrema direita e ultranacionalistas em diversos países reforçou ideologias supremacistas que sempre existiram. A globalização e organização destes grupos nas redes sociais também facilitou com que os simpatizantes se encontrassem.

“Essas pessoas querem se sentir parte de uma raça superior. Eles não se sentem desconfortáveis em praticar isso e cometer tais crimes porque precisam anular o outro para se sentirem bem. Essa é uma situação que nunca conseguimos combater no mundo”, explica Cristina.

O professor Jorge ressalta que o momento histórico que vivemos também é crucial. Além da polarização da sociedade, a insatisfação geral com o atual momento remete à da Alemanha que levou à ascensão de Adolf Hitler.

“Vivemos hoje uma situação de profunda desigualdade, com muita gente frustrada com a situação difícil que vivem. Isso limita os horizontes. No meio disso surge espaço para ideologias que trazem soluções simplistas que apontam certos grupos como culpados, o que infelizmente atrai algumas pessoas”, detalha.

“Tudo começa no ódio”

Pesquisador da área de Ciências Sociais, o professor Jorge Gustavo alerta para os riscos de buscar um grupo para responsabilizar pela “desgraça de todos”. Especialmente em ideologias como a nazista, que tem como solução final aniquilar todos que não se enquadram.

“A democracia envolve o debate entre o diferente, mas eles veem o diferente como um problema. E a solução é a exclusão. Em alguns casos, até a eliminação. E no caso do nazismo é uma expressão histórica. Não é só discurso, já aconteceu”, esclarece.

O professor também ressalta a estratégia de retirar dos grupos combatidos a condição de humano. Os judeus, por exemplo, eram chamados de porcos. “Um animal que você pode matar”, explica. Colocando-os como sub-humanos.

“Toda essa visão de superioridade abre espaço para violência, exclusão e até a morte. As coisas começam com o ódio. Tudo isso pode evoluir para um extermínio industrial planejado, como ocorreu na Alemanha. Essa ideologia já mostrou seu resultado na prática, não é apenas algo teórico“, adverte.

Impacto geracional

Apesar de estarmos historicamente distantes da Segunda Guerra Mundial, muito da ideologia é repassado de geração em geração. Por ter uma cultura germânica muito presente, o professor Jorge acredita que a região do Médio Vale do Itajaí acaba sendo influenciada pela colonização.

“Evidente que a maior parte das pessoas que vivem aqui não compactuam dessas ideias, mas muitos são descendentes de pessoas que tiveram envolvimento. Isso deixa um legado. Além disso, nos anos 1930 Blumenau foi um núcleo muito forte do integralismo, o fascismo brasileiro”, pontua.

Entretanto, a professora Cristina defende que não é possível responsabilizar a imigração pelos grupos neonazistas atuais. Para ela, aderir ao nazismo é uma escolha – que não é tomada apenas pelos descendentes de alemães.

“As pessoas escolhem isso independente de sua ascendência familiar. Eles escolhem querer participar de uma supremacia. Isso tem a ver com jogos de poder e vemos essa proliferação de ataques racistas em todos os estados do Brasil”, ressalta.

Ainda assim, ela concorda que os resquícios do ultranacionalismo do século XIX estão encrustados no mundo atual. Especialmente em um país como o Brasil, que vende uma imagem de não ser um país preconceituoso, enquanto segue vivendo ataques racistas em todos os lugares.

“Falta uma punição clara para essas propostas racistas, misóginas e discriminatórias – não apenas com judeus e negros, mas também homossexuais e pessoas com deficiência. Estamos em um mundo no qual a diversidade precisa prevalecer, o oposto do que esses grupos buscam”, acrescenta.

“Saindo do armário”

O professor Jorge defende que a conexão e divulgação possibilitadas pelas redes sociais dá força para que neonazistas se organizem e se posicionem. Perceber que mais pessoas compartilham da mesma visão, traz coragem.

“Ainda precisamos tratar o problema da desinformação sendo impulsionada para desorientar a população. Sentir que não está só muda a psicologia do indivíduo. Uma pessoa desorientada faz um juízo muito precário da sua vida e da sociedade. Mais ainda quando a pessoa começa a ter visões de mundo autoritárias”, analisa.

Já Cristina acredita que neonazistas nunca sentiram “vergonha” de se pronunciarem sobre, mas aumentaram em número e passaram a ser mais denunciados. O registro, denúncia e divulgação dos casos traz mais visibilidade para tais atitudes.

“Essa é a forma que vamos conseguir combater esse aumento gigantesco dos grupos no Brasil. Especialmente porque agora eles não estão apenas nas redes sociais. Estão se organizando também do ponto de vista militar, se armando. E enquanto o tema deixa de ser tabu e passa a ser divulgado e combatido pela mídia, esses grupos se organizam mais e estão mais fortes. Não há uma única classe social ou nível de instrução entre os membros”, complementa.

Combate envolve educação e punição

Para os dois professores, a falta de conhecimento profundo sobre os horrores do nazismo é um dos grandes responsáveis pelo alto número de simpatizantes. Junto disso está a falta de punições para quem descumpre a legislação, muitas vezes protegidos pelos argumentos de que estavam “brincando” ou apenas “estudando” o tema.

Para Cristina, a educação que a Alemanha promove reconhecendo os erros do período nazista são essenciais para que o genocídio não se repita no país. Enquanto no Brasil a herança racista do período colonial é pouco mencionada.

“A desinformação leva as pessoas a deturparem dados históricos e praticarem o negacionismo. A melhor forma de lidar com a situação é denunciando, combatendo e, principalmente, duvidando de ideologias extremistas, seja elas quais forem. Tudo que diz respeito a não promover a diversidade, em pleno século XXI, é extremismo”, ressalta.

O professor Jorge enfatizou a dificuldade de cobrar as autoridades para políticas e práticas educativas que desencorajem essa ideologia, visto que algumas organizações são poderosas ou estão vinculadas a grupos políticos.

“O indivíduo que está ali praticando a violência está imbuído de muitas mensagens e ideias. Talvez nem tenha noção da profundidade delas. A sociedade precisa se interessar mais por política, história, filosofia e sociologia. Propor debates. Além de entender que dependemos do mundo todo para sobreviver, incluindo o meio ambiente”, alerta.

Relembre casos na região

No fim do mês passado, uma reunião on-line de um sindicato foi interrompida após a aparição de dezenas de usuários com fotos de suásticas e compartilhando áudios e vídeos fazendo apologia ao nazismo.

Na mesma época, a cidade mais alemã do Brasil foi destaque nacional após um produtor de vídeos alemão condenado por negar o holocausto fazer imagens defendendo o nazismo. Além de Pomerode, Nikolai Nerling também publicou imagens de Blumenau em seu canal.

Já no fim de 2021, uma loja de Timbó, cidade berço do primeiro partido nazista no país, foi alvo do Ministério Público de Santa Catarina (MP-SC) por fabricar e revender materiais com a suástica, brasão da bandeira nazista, busto de Adolf Hitler e demais artigos com apologia ao nazismo.

Itens apreendidos pela polícia após cumprirem um mandato na loja. Foto: Polícia Civil/Divulgação

Crimes vêm desde a década passada

O caso mais famoso na região, a piscina de Pomerode que contava com uma suástica, também teve um desfecho após o MP-SC intervir. O desenho foi descaracterizado, após quase uma década de polêmicas envolvendo o imóvel de Wandercy Pugliesi.

Um ano antes, o professor de história que já atuou em Blumenau, tentou se candidatar à vereador. Entretanto, o Partido Liberal anunciou que não permitira que o filiado continuasse na sigla pela aproximação ao nazismo.

Piscina do professor antes da alteração. Foto: Divulgação

Nos anos 90, Wander já teve diversos objetos nazistas apreendidos em sua casa. Na época, ele travou uma batalha na Justiça e alegou que os objetos eram para estudo e não apologia, o que não foi aceito pela Justiça.

No fim de 2017, Blumenau foi alvo de um grupo neonazista que espalhou cartazes pregando a ideologia nas ruas da cidade. Os investigados moravam em Blumenau, Indaial e Itajaí. Um deles, professor de educação física, tinha uma cruz invertida tatuada na perna.

Cartazes espalhados na cidade na época. Foto: Marco Antônio André/Especial

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