A ressaca da votação do impeachment na Câmara dos Deputados trouxe as mais diferentes manifestações, tanto quanto ao mérito da questão quanto ao espetáculo circense proporcionado por nossos excelentíssimos representantes. Em primeiro lugar, um fato básico precisa ser reafirmado: o fim do governo Dilma é fundamental para que o país não sangre até o colapso, por conta da irresponsabilidade fiscal, da péssima condução da economia, da arrogância que a fez perder apoio político. Sem condições políticas nem vontade efetiva para consertar os estragos, seu governo não tem mais como continuar. As pedaladas fiscais são o pretexto jurídico para essa cirurgia necessária. Ademais, nesse momento, há um julgamento político, uma vez que é o Congresso Nacional quem decide – politicamente, é claro – se houve ou não crime de responsabilidade. E se a presidente não tem um terço do parlamento, então seu governo não existe mais. E isso independe do fato de Eduardo Cunha ter presidido a sessão ou das lamentáveis dedicatórias dos deputados , que usaram seu voto para a típica sessão “mamãe, estou na TV”. O espetáculo grotesco serve de alerta para pensarmos melhor em quem vamos votar da próxima vez, mas eles têm o mandato, e o voto deles é que vale, não o meu.
Merece maior atenção o posicionamento ideológico no quesito democracia/ditadura. Esse é um tema que muita gente trata apenas com metade do cérebro. Jair Bolsonaro se expôs ao ridículo com sua menção a Brilhante Ustra. Na verdade, ele faz o seu comercial, e radicaliza para manter o voto dos radicais.
Mas é interessante que os que lembraram a ditadura para votar contra o “golpe” parecem se esquecer de que os militares lutavam contra guerrilhas organizadas, inspiradas em clássicos ditadores. E muitos que bradam contra a ditadura brasileira, que, aliás, já acabou há mais de 30 anos, apoiam a ditadura cubana, que está em pleno vigor.
Se há alguma coisa contada pela metade na história do Brasil é o golpe de 1964. A história contada e recontada durante todas essas décadas “esqueceu” que havia um outro golpe sendo orquestrado, que foi abortado pelos militares. Derrotados, os comunistas de então cuidaram de espalhar sua versão, em que figuram como vítimas inocentes. O discurso ainda é retomado hoje, depois de tanto tempo, como marketing político. Quase todos os deputados que votaram contra o “golpe” citaram 1964, especialmente o catarinense Pedro Uczai, que fez uma carranca de ódio para bradar contra a ditadura.
Mas ninguém deles reclama de que os Castro estejam no poder em Cuba há quase 60 anos. Aliás, o governo petista encontrou muitos subterfúgios para financiar a ditadura cubana, que sequer dá aos seus cidadãos o direito de ir e vir. No entanto, o único acusado de afrontar os direitos humanos é Bolsonaro, inclusive com ameaça da OAB de pedir sua cassação. Mas não me lembro de que a entidade tenha se manifestado a acerca do absurdo dos médicos cubanos, de quem grande parte do salário vai para financiar a ditadura naquele país.
Isso mostra o quanto fomos condicionados a ver apenas um lado da história. Precisamos defender a democracia, mas, de preferência, sendo um pouco mais coerentes.