Em dezembro de 2019 a OMS é informada sobre casos de infecção respiratória atípica acontecendo na cidade de Wuhan na China. Em janeiro de 2020 a China identifica que são causados por um novo coronavirus chamado de Sars-Cov2. A doença chamada de Covid-19 se propaga para outros países, no dia 26 de fevereiro de 2019 foi identificado o primeiro caso e duas semanas após a OMS declara que o surto se transformou numa pandemia.

No momento já foram reportados mais de 263 milhões de casos e 5.241.748 mortes por Covid-19 no mundo. No Brasil mais de 22 milhões de casos e 615.020 mortes. Os números reais devem ser maiores considerando a subnotificação e a falta de testes.
Até o dia 20 de novembro a mortalidade por Covid-19 no mundo era de 650 mortes por milhão de habitantes (se retirar os números do Brasil seria de 600 mortes por milhão). A mortalidade por Covid-19 no Brasil é de 2860 mortes por milhão de habitantes. Não precisamos fazer muitos cálculos para saber que nossos resultados são péssimos. Brasil é o terceiro país do mundo em número de casos e número de mortes por Covid.

Considerando as características regionais e locais cada país adotou suas medidas de contenção da pandemia, lembremos também que não todos respeitam regras e leis. “Cada cabeça uma sentença” reza o ditado popular, é dessa forma que percebemos as maneiras em que as pessoas estão lidando com o estado atual da pandemia.

Além das políticas públicas a nível federal, estadual e municipal para o controle da pandemia não podemos ignorar que existe também a “gestão individual” dos cuidados com a pandemia, é aqui onde percebemos uma gama ampla de comportamentos, desde os valentões que decidiram enfrentar o vírus de “peito aberto”, algum deles inclusive renunciando à vacina, atitude que embora individual acaba tendo repercussões negativas para a coletividade.

Há também aqueles que até hoje tomam cuidados extremos, um casal de septuagenários me contava que estão isolados no seu pequeno sítio do interior desde o começo da pandemia, eles tem várias comorbidades, atualmente já tomaram a dose de reforço (terceira dose), com certeza estão com um excelente nível de imunidade contra Covid-19, mesmo assim continuam com os cuidados. Tenho a impressão que essa é a atitude correta.

Sabemos que uma grande parte da população não teve as condições de cuidar dessa forma seus idosos, porém muitas famílias conseguiram adotar cuidados de isolamento que, com certeza, salvaram muitas vidas.

Infelizmente muita gente desprezou os cuidados necessários, até hoje há pessoas que usam a máscara embaixo do queixo, conheci pessoas que foram trabalhar sabendo que estavam em fase de transmissão de Covid-19, que tiveram Covid-19 em quatro oportunidades e não eram da linha de frente ao atendimento da pandemia, podemos concluir que voluntariamente assumiam comportamentos de risco.

Quando falamos da gestão pública as evidências levantadas pela CPI da Covid-19 foram estarrecedoras, enquanto se engavetavam as ofertas desesperadas de um fabricante de uma das melhores vacinas disponíveis o governo fechava contratos com uma vacina indiana que até hoje não tem aprovação pela Anvisa e tem reputação duvidosa no seu próprio pais.

O Brasil é um dos países onde menos se testa para Covid-19, a testagem em grande escala é necessária para o diagnóstico precoce e para tomar as devidas de contenção da disseminação da doença. A população tem dificuldades até hoje para conseguir fazer um teste de antígeno que em muitos países se consegue gratuitamente ou por um valor inferior a 25 reais. Na atualidade a taxa de positividade dos testes no Brasil é de 27,4%, para a OMS uma taxa de positividade de 5% indica que a pandemia está sob controle, sendo o ideal taxas abaixo de 2%.

Fomos um dos poucos países onde se ofereceu para a população tratamentos com drogas totalmente ineficazes contra a Covid-19, isso ajudou a disseminar a doença porque grande parte da população se sentia segura com a crença (falsa) de existir um remédio curativo. Pacientes com Covid-19 foram feitos de cobaias ao receberem a medicação Proxalutamida, totalmente ineficaz contra o Sars-Cov2 além de ser medicação sem registro na Anvisa, esses casos atualmente sob investigação pelo Ministério Público jamais deveriam ter acontecido.

A postura adotada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) a este respeito também foi deplorável ao determinar que prescrever medicamentos sem eficácia fazem parte da autonomia do médico. Na minha condição de paciente faria tudo o possível por evitar ser tratado por um profissional que acredite ser correto prescrever medicamentos sem eficácia.
Diz o Dr. Draúzio Varela, “sem o SUS a barbárie”, é uma grande verdade, no mínimo 70% da população depende do SUS para cuidar da sua saúde. Podemos acrescentar no que se refere à pandemia atual: “sem as vacinas a barbárie”.

Foi a ciência que se mobilizou para conter a terrível pandemia e de forma inacreditável hoje em dia ainda há que batalhar contra os negacionistas, os charlatães, os grupos antivacinas e aqueles que colocam suas preferências ideológicas sobre o direito de todos ao bem mais precioso: a vida.
Hoje sabemos que os vacinados têm 8 vezes menos risco de morte por Covid-19 que os não vacinados e na faixa etária acima dos 60 anos o risco de morte para os vacinados é 20 vezes menor que para os não vacinados. Mesmo assim ainda encontro idosos que se negam a receber a vacina, foram contaminados pelos boatos dos grupos antivacinas, com tristeza vemos como assumem riscos desnecessários para sua saúde e sua vida por causa de boatos negacionistas.

Esta semana o Ministério da Saúde divulgou um estudo que mostra que o risco de um não vacinado precisar ser hospitalizado por Covid-19 é 257 vezes maior do que o risco de ter algum evento adverso grave pela vacina, eventos adversos graves pela vacina acontecem em 51 pessoas a cada milhão de vacinados.

Quanto mais demoramos em atingir o grau necessário de imunidade coletiva, novas mutações do Sars-Cov2 vão aparecer, consequência disso, o mundo enfrenta a mais nova mutação, identificada inicialmente na Africa do Sul, a variante Ômicron.
Não sabemos se essa variante originou-se no continente africano, se assim for tem muita lógica: o mundo ignorou a África na distribuição de vacinas.

Ainda não se conhece se as vacinas atuais são eficazes contra essa variante, não parece haver razões imunológicas para que não funcionem, em poucas semanas teremos respostas sobre isso.

A variante Ômicron já tem sido reportada em muitos países europeus e já existem três casos identificados em São Paulo más não sabemos se já existe transmissão comunitária no Brasil. Com certeza nos próximos meses novas cepas vão aparecer, daí a importância da análise genômica das amostras positivas para Sars-Cov2, se faz pouquíssima análise genômica no Brasil, em parte produto da diminuição dos recursos públicos para a investigação científica.

Na África apenas um de cada quatro médicos da linha de frente ao Covid-19 está vacinado, isso mais do que triste é revoltante. O continente africano tem ao redor de 7% da sua população vacinada com duas doses, África do Sul ao redor de 25%.
Quando se trata de uma pandemia todas as nações estão no mesmo barco, o descaso com a população de um continente pode se voltar contra outro num efeito boomerang.

É o grande perigo que o mundo corre atualmente com essa nova variante, que parece ser a mais transmissível de todas. Mesmo assim até o momento atual o Brasil se nega a exigir passaporte de vacinação para os passageiros provenientes de países onde já circula essa nova cepa, não há nenhuma razão lógica para essa negativa, praticamente todos os países estão exigindo o passaporte vacinal para os brasileiros que ingressam nos seus territórios.

Nos resta continuar fazendo nossa parte, a pandemia não acabou, temos a esperança de que os números diários de contaminados e mortes continuem diminuindo, o número de vacinados continue aumentando e que nossas autoridades se guiem por critérios técnicos-científicos na hora de adotar as estratégias públicas para o controle da pandemia.
Poderemos estar um pouco mais confiantes do controle da pandemia no dia que atingirmos 80% da população alvo completamente vacinada (incluindo a população infantil de 5 a 12 anos) e concomitantemente estivermos com número semanal de internados e mortes por covid-19 perto de zero. Antes disso não podemos cantar vitória. Ao dizer dos especialistas é provável que nos próximos anos teremos que conviver com surtos de Covid-19 que somente poderão ser controlados pela vacinação periódica como acontece com a vacina sazonal contra a gripe.

Conta o historiador Richard Carter que no dia 12 de abril de 1955 um grupo de cientistas anunciou que a vacina de Jonas Salk contra a poliomielite era comprovadamente segura, nesse dia as pessoas tocaram sinos, buzinaram, acionaram sirenes de fábricas, dispararam salvas de tiros, observaram momentos de silêncio e de preces, fecharam as escolas, fizeram brindes, festejaram em reuniões escolares, foram às igrejas e perdoaram inimigos.
Causa estupefacção saber que na presente pandemia, onde a ciência juntou esforços e em tempo recorde apresentou vacinas altamente eficazes, ainda tenha uma parcela da população adepta de teorias conspiratórias e pasmem, contrárias ao conhecimento científico, impedindo que muitos países consigam atingir a imunidade coletiva, único caminho para o controle da pandemia.

O conhecido cientista Steven Pinker afirma no seu livro “O novo Iluminismo” que a humanidade nunca teve melhores condições de vida do que atualmente e que nunca a ciência foi tão prestigiada. Após 20 meses de pandemia é possível que ele esteja reconsiderando seu grande otimismo.

Todos temos sonhos, meu sonho sempre foi ver um grupo de alto nível científico no comando das diretrizes públicas da pandemia, temos grandes professores de epidemiologia, saúde pública, microbiologistas, virologistas, infectologistas, imunologistas em todas nossas universidades públicas. O Brasil desprezou a colaboração das suas melhores mentes para poder enfrentar da melhor maneira a pandemia que já levou mais de 615 mil vidas.

Nas próximas décadas a humanidade estará exposta a novas pandemias, se não aprendemos com os erros cometidos na gestão da atual pandemia corremos o risco de ser novamente um dos países com os piores resultados, mesmo tendo um dos melhores programas de vacinação do mundo (PNI) e um dos mais abrangentes sistemas públicos de saúde do mundo (SUS).