Editorial: a frustrante expectativa de Justiça
Todo país que tem um sistema Judiciário oferece, a seus cidadãos, uma expectativa óbvia de Justiça. Sabemos todos que, no momento em que tivermos alguma divergência, pendência, conflito, temos o direito de recorrer ao Judiciário. E fazemos isso esperando que o processo tramite num tempo razoável e que a Justiça se faça.
No mundo real, no Brasil, não é bem isso que acontece. Um estudo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), divulgado em setembro do ano passado, afirma que existem 79,7 milhões de processos, no poder Judiciário brasileiro, aguardando uma decisão.
Lembram daquela música famosa, da época da Copa do Mundo de 1970, no México? Dizia o refrão: “90 milhões em ação, pra frente Brasil, viva a Seleção”. Era o número total de habitantes do país.
Pois em 2017 temos quase isso só em processos judiciais (80 milhões, se arredondarmos), a maioria com muito pouca ação, se arrastando ou até dormindo nos escaninhos da Justiça.
Existem grandes chances de alguns desses processos nunca chegarem a uma solução enquanto os litigantes estiverem vivos.
E, o que é mais grave, fazer Justiça depende muito e cada vez mais do poder aquisitivo das partes. E nem é preciso suspeitar de juízes, promotores e advogados venais. Mesmo que todos sejam honestíssimos, a possibilidade de recorrer, quase ad infinitum (é preciso sempre usar uma locução latina, para dar ares de erudição) faz surgir um tipo de impunidade exclusiva para ricos.
Fazer Justiça depende muito do poder aquisitivo das partes
Se tiver dinheiro para pagar advogados e aproveitar todas as brechas da lei, a tal história do “trânsito em julgado” nunca chega. Fica parada, engarrafada, esperando esgotarem-se os recursos.
As iniciativas para abreviar o número de recursos possíveis antes da prisão do condenado são importantes para reduzir o sentimento de impunidade. Deveriam ser debatidas desapaixonadamente e sem, como dizem Vossas Excelências, “fulanizar” o debate, porque se trata de um passo importante.
E nem dá pra colocar toda a culpa pela lentidão nos ombros dos juízes. Em média, segundo o CNJ, cada juiz brasileiro sentencia cerca de 1.749 casos por ano. No Supremo Tribunal Federal, em um ano, foram proferidas 118.860 decisões, sendo 105.624 monocráticas e 13.236 colegiadas. O “estoque” de processos no STF aguardando decisão é de cerca de 46 mil (era 60 mil em 2016).
Nessa montanha imensa de processos, tanto para conseguir que um juiz dê um pouco mais de atenção aos autos e acelere a decisão, quanto para conseguir que ele “esqueça” a pressa e receba mais um recurso, é preciso mais do que apenas confiança na Justiça. É preciso saber tirar proveito da situação e dos textos legais, nem sempre claros.