Editorial: o Judiciário na pauta
Com o advento da Lava Jato, o Brasil conheceu o maior esquema de corrupção visto no mundo até hoje. Foram bilhões desviados de educação, saúde, segurança, infraestrutura e que ceifaram muitas oportunidades aos brasileiros.
E como os holofotes estavam voltados para o caso, também não passou despercebido o poder Judiciário, que está sendo o protagonista deste processo. A primeira impressão que tivemos foi a de heroísmo do juiz Sérgio Moro, que junto aos promotores e delegados, teve a coragem de mergulhar a fundo neste flagelo que é a corrupção.
Porém, também se começou a perceber a vulnerabilidade do Judiciário e Ministério Público, que até hoje tem o poder de investigar e julgar qualquer um, mas se fecham num ambiente opaco para não serem vistos, nem investigados e nem julgados.
Acompanhamos perplexos a interpretação da lei ao sabor do magistrado e do poder, dando decisões opostas para o mesmo réu da mesma ação, como vimos no caso do ex-ministro José Dirceu.
Vimos bate bocas entre ministros do STF (Gilmar Mendes, Luiz Fux e Luis Roberto Barroso). Vimos relações promíscuas entre ministro da mais alta Corte do Brasil com políticos e empresários como o caso envolvendo Gilmar Mendes e Aécio neves em escutas telefônicas e Gilmar Mendes e a empresa JBS, no caso de patrocínio que a empresa deu de milhões de reais ao Instituto Brasiliense de Direito Público, do qual Mendes é sócio.
Estes são só alguns exemplos que todos acompanhamos e que racharam a imagem de um Judiciário ilibado. A cada capítulo desta novela vimos que estamos num país sem regras claras. A insegurança jurídica impera e junto a ela a morosidade e impunidade.
E quando achamos que já vimos de tudo surgem discussões bizarras, como o anúncio de uma greve dos juízes federais marcada para o dia 15. A intenção é pressionar o Supremo Tribunal Federal a votar, no próximo dia 22, a favor da legalidade do auxílio-moradia.
Assim se esvai a esperança de que o Judiciário utilizasse sua prerrogativa de poder para fazer justiça e não para atuar corporativamente em causa própria, ampliando seus benefícios e privilégios.
Que referência vamos ter, se esta greve é ilegal, para conceder um benefício imoral a quem recebe os maiores salários do país?
Só para se ter uma ideia, desde que o ministro Luiz Fux concedeu uma liminar em 2014 autorizando e expandindo o auxílio-moradia a outras instâncias do poder Judiciário e Ministério Público, já foram gastos 5 bilhões de reais. O valor é muito superior a 1,5 bilhão recuperado pela Lava Jato, por exemplo. Em Brusque, estima-se que são gastos mais de 600 mil por ano com este penduricalho.
Outra disparidade é que este valor de R$ 4.377,73 vem como verba indenizatória, sem necessidade de comprovação e isenta de impostos. Situação impensável para o cidadão comum que, a partir de R$ 1903,98 de rendimentos totais já está nas garras do Imposto de Renda, com o agravante de que temos um déficit de mais 88% na tabela do Leão.
Depois de quatro décadas o assunto deste auxílio entrou na pauta e só é a ponta de um iceberg gigante de privilégio e benefícios que começa a ser discutido pela sociedade.
Muitos membros do Judiciário e Ministério Público ainda não sabem lidar direito com esta situação de questionamento.
Assim se esvai a esperança de que o Judiciário utilizasse sua prerrogativa de poder para fazer justiça e não para atuar corporativamente em causa própria, ampliando seus benefícios e privilégios
Aqui em Brusque noticiamos no mês passado o caso do promotor da moralidade pública que pediu uma investigação, inclusive com a participação do Gaeco, para recolher o celular e os dados do computador de uma advogada. A suspeita era de que foi ela quem divulgou um vídeo questionando o fato do promotor e sua esposa ganharem juntos dois auxílios-moradia. O assunto foi parar no Tribunal de Justiça, que impediu a continuidade desta investigação.
O caso ainda se arrasta, com uma nova solicitação do Ministério Público ao Tribunal de Justiça para continuar a investigação e descobrir quem está criticando o auxílio-moradia do promotor.
Estes movimentos sempre foram e estão sendo tratados no âmbito da própria Justiça, o que dá uma vantagem imensa ao sucesso das ações. Mas se fossem ampliadas as discussões para a sociedade, dificilmente teriam guarida.
Como fazer a população ser simpática a conceder um auxílio moradia de mais de R$ 4 mil se 90% do povo brasileiro nunca recebeu um valor tão polpudo de rendimentos como este?
Seria um sonho utópico que esta classe que pode mudar o Brasil se sensibilizasse com a situação de nosso país e fosse maior que este auxílio-moradia, permitindo que ele vá para outras necessidades gritantes, como saúde, segurança, infraestrutura, tornando o país e o poder mais justos.
Muitos juízes e promotores abriram mão desta regalia, dando um verdadeiro exemplo de moralidade e serviço à pátria, mas a grande maioria está gastando tempo e recursos para tirar esta dinheirama deste pobre país. Tudo dentro da legalidade, é claro.