Em três anos, número de casos de violência contra a mulher aumenta mais de 40% em Brusque

Levantamento indica que, em 2017, foram registrados mais de mil boletins de ocorrência correlacionados

Em três anos, número de casos de violência contra a mulher aumenta mais de 40% em Brusque

Levantamento indica que, em 2017, foram registrados mais de mil boletins de ocorrência correlacionados

Números da Secretaria de Estado da Segurança Pública mostram um aumento no número de casos de violência contra a mulher em Brusque nos últimos três anos. Destas, constam denúncias de lesão corporal dolosa, estupro consumado, estupro tentado, homicídio doloso tentado e roubo. Brusque registrou 308 episódios em 2015, 368 em 2016 e 444 em 2017, o que representa um crescimento de 44% no período.

Já dentre as ocorrências de violência doméstica figuram casos de ameaça, calúnia, dano, difamação, estupro consumado, estupro tentado, homicídio doloso tentado, injúria e lesão corporal dolosa. No município, foram 480 ocorrências em 2015, 584 em 2016 e 678 em 2017: um aumento de 41%. Os dados foram compilados pelo Observatório Social de Brusque.

De acordo com a Delegacia de Proteção à Criança, Adolescente, Mulher e Idoso (Dpcami), a violência costuma acontecer dentro de casa: pelo pai, irmão, companheiro ou pessoa próxima à família.

Até o fim de março deste ano, já foram registradas mais de 380 ocorrências e foram instaurados 54 inquéritos, entre crimes contra a mulher e outros casos que envolvem a delegacia (crimes contra o idoso, criança e adolescente). As principais denúncias são de ameaças e lesão corporal.

“É um número grande. Mas, se formos comparar com outras cidades, em Brusque ainda não há muita criminalidade. Mas não é por isso que ela não precisa ser combatida”, afirma Wesley de Sousa Costa, delegado titular da Dpcami.

No Brasil, o machismo é enraizado”, diz o delegado. “Em regra, existe essa atitude que leva o homem a querer se sobrepor a mulher. Também há casos de atritos anteriores, casos de separação que levam à agressão. Essa questão cultural da violência masculina acaba incentivando as agressões.”

Uma moradora de Brusque, que terá seu nome preservado, sofreu violência sexual pela primeira vez aos 18 anos. Na época, trabalhava em Curitiba e estava fazendo uma visita à uma amiga de infância numa cidade do interior do Paraná. “Quando eu era criança, um homem me ‘comprou’ do meu pai, deu um relógio para ele e, em troca, quando eu crescesse, eu teria de me casar com ele. Mas esse homem faleceu quando eu ainda era pequena, e foi enterrado num cemitério que ficava muito perto da casa da minha amiga. Naquela madrugada, eu não entendi o que estava acontecendo. Pra mim, era o morto que estava fazendo aquela maldade comigo.”

Depois, ficou o trauma: ela não sabe quem foi o responsável pela agressão que sofreu aquela noite. O medo fez com que, por um tempo, ela pensasse que tinha sido mesmo vitimizada pelo fantasma do homem com quem deveria casar, mas não encontrou o responsável pela violência.

“A ficha só caiu três meses depois, quando eu senti meu filho se mexendo na minha barriga. Eu falei para a minhã irmã que tinha um bicho dentro de mim, e foi ela quem me disse que eu poderia estar grávida.”

A moça vinha de uma família muito rígida. Sua mãe pouco falava sobre assuntos envolvendo sexualidade e, além disso, era muito preconceituosa com mulheres que eram mães solteiras. Por isso, quando engravidou devido ao estupro sofrido, fugiu de casa.

“Minha vida tomou um rumo muito diferente do que eu sonhava. Demorei mais de um ano para conseguir falar sobre o que aconteceu comigo. Hoje já é mais fácil, mas é uma ferida que ainda dói.”

Por não conseguir falar sobre a violência e pela falta de diálogo em sua casa, ela não procurou a delegacia imediatamente depois do acontecido. Apenas sete anos depois, vivendo no interior de Santa Catarina, que ela foi aconselhada a fazer um boletim de ocorrência. Fez o corpo de delito, mas, devido ao tempo decorrido desde que fora agredida, os policiais e o médico legista informaram que não havia muito o que fazer.

Após denunciarem, vítimas recebem acompanhamento psicológico e orientação jurídica

Assim que uma mulher, um idoso ou criança chega à delegacia especializada, o primeiro procedimento é o registro do boletim de ocorrência. O delegado Costa explica que, após a notificação do crime, a vítima denunciante é encaminhada para o atendimento psicológico, que é realizado pela psicóloga da Dpcami e por estagiárias do curso de Psicologia.

A Dpcami trata dos casos registrados em esfera criminal. Se a vítima manifestar o desejo de representar contra o autor do crime, é instaurado um inquérito policial, realizada uma investigação e, se comprovada a violência, o processo é encaminhado para o poder Judiciário, onde será julgado.

Quando há violência física, ela é provada por meio dos laudos periciais, do corpo de delito realizado pelo Instituto Geral de Perícias (IGP) e também dos depoimentos de testemunhas. “Muitas vezes, o próprio agressor acaba confessando que, num momento de raiva ou de euforia, acabou agredindo ou insultando a mulher”, afirma Costa.

Em relação ao autor do crime, Brusque, segundo o delegado, apresenta uma peculiaridade: “Quase 100% dos crimes notificados aqui já tem autoria definida. Em regra, o autor é o pai, o irmão, companheiro, marido. Só nos casos de estupro é que não costuma ser definido, exceto estupros de vulnerável que acontecem no âmbito familiar”.

Atendimento psicológico
Na delegacia de Brusque, no momento, não há programas de de proteção e auxílio à mulher, excetuando o atendimento psicológico fornecido às denunciantes. Segundo Aline Pozzolo Batista, psicóloga da Dpcami, quando um boletim é registrado, ele passa pela análise do delegado e, quando a denúncia se enquadra em um crime de violência contra a mulher, a denunciante é chamada para receber aconselhamento psicológico.

“A mulher é chamada para pensar nas opções, sendo elas judiciais ou não, e para se informar acerca do processo criminal. No aconselhamento, ela vai repensar as bases do relacionamento e de sua vida pregressa, de relacionamentos anteriores.” É a partir dessas conversas que as mulheres vão decidir se desejam ou não dar continuidade ao processo contra o autor da violência.

A delegacia só trabalha com o que é crime de acordo com o Código Penal. Existem violências que não são tipificadas como crimes pelo Código. Se a mulher sofre violências ou passa por situações que não são crimes, o ambiente de resolução não é a delegacia, mas a área da saúde, da assistência social. O problema da violência não é um problema só da polícia, mas de várias instituições”, ressalta a psicóloga.

Em Brusque, as denúncias e registros de boletim de ocorrência que relatam violência psicológica contra a mulher são mais frequentes do que as de violência física. “Cerca de 60 ou 70%”, estima o delegado. “A relação é bem maior. Muitas vezes, não chega a ocorrer a violência física em si.” Dentre os crimes de natureza psicológica podem ser consideradas as ameaças e crimes contra a honra, como difamação, calúnia e injúria, por exemplo.

Representação jurídica
A decisão de levar o caso ao judiciário é da mulher, que recebe apoio psicológico na própria delegacia. Como já noticiado por O Município, apenas 59% das mulheres optam pela representação jurídica, que só é dispensável nos casos de lesão corporal. Esse dado é resultante da pesquisa realizada por Bruna Adames, no período em que foi estagiária de Psicologia na Dpcami.

De acordo com a pesquisa, em um período de 14 meses, 169 mulheres foram encaminhadas ao atendimento psicológico da delegacia, mas só 75 delas compareceram ao aconselhamento agendado. Destas, mais de 40% optaram por não seguir adiante com o processo judicial.

Porém, segundo a psicóloga Aline Pozzolo Batista, isso nem sempre é um problema, afinal, quando a mulher decide não seguir em frente com o processo judicial, muitas vezes ela encontrou outras maneiras de resolver a questão. “Mas várias delas, quando recebem o atendimento, ou já retornaram para o autor da violência, ou vieram porque de fato queriam ‘dar um susto’, mobilizar alguma mudança, e julgam que a mudança tenha ocorrido.”

Para ela, o que preocupa é a mulher que, antes de passar pelo atendimento, já volta para o autor ou que não deseja mais seguir em frente com o processo, “pois aí pode ser que ela retorne com mais denúncias, por que de fato o problema não se resolveu ainda. O que queremos é que as situações se resolvam, mas o que se vê é que a violência doméstica é contínua e vem de um histórico de várias agressões”, afirma.

Violência doméstica costuma ser cíclica e repetitiva

Um dado relevante sobre as razões que causam a desistência das mulheres em dar prosseguimento aos registros e inquéritos policiais é o chamado “ciclo da violência”. O ciclo, como explica a psicóloga da Dpcami, Aline Pozzolo, apresenta três fases: tensão, explosão e lua de mel.

“Na fase de tensão, iniciam-se os incidentes de violência. A violência psicológica se torna mais evidente e as ofensas verbais mais hostis. A fase que se segue é da explosão, que se caracteriza pela violência propriamente dita, com descarga da tensão acumulada, na forma de agressões físicas. Nesta fase é que geralmente a mulher procura a polícia para denunciar o parceiro. Por fim, ocorre a fase de lua de mel, em que o autor se arrepende e pede perdão, e a mulher acredita que ele mudará, havendo o retorno do relacionamento e um breve período de calmaria.”

Segundo Pozzolo, é nessa fase que a mulher procura a polícia para interromper os processos. “O problema é que, como as bases da relação não se alteraram, esse ciclo se repete. Isso ocorre muitas vezes. Às vezes durante muitos anos, até que um dos cônjuges rompa o ciclo. O problema maior é que a cada ciclo a violência tende a se intensificar, gerando agressões cada vez mais graves.”

A vítima de estupro citada no início da reportagem foi também vítima de violência doméstica. Já mais velha, separada e mãe de quatro filhos, casou-se com o pai de sua quinta filha, e sofria abusos diariamente. “Ele me forçou a fazer sexo anal, eu não queria. Saí da cama sangrando.” O marido, segundo ela, tinha um ciúme doentio e bebia muito. Além do abuso, ele também a agredia, física e psicologicamente.

A relação dela com o ex-marido acabou, mas os abusos continuaram. Sob ameaças, ela continuava precisando se submeter a ele, que aparecia em sua casa aos finais de semana e a obrigava a ter relações com ele. Novamente, precisou fugir para escapar desse relacionamento. “Ele me liga às vezes, para falar com a minha filha. Mas ele não pode saber onde eu moro. Até hoje tenho medo de que ele apareça na minha porta.”

Feminicídio é incomum em Brusque
Costa afirma que, em 2018, desde que assumiu a função em Brusque, não foi reportado nenhum caso de feminicídio no município. O crime de feminicídio ocorre quando a morte é decorrente de violência doméstica ou contra a mulher, devido ao fato de a vítima ser mulher – é, portanto, um crime de gênero.

Na prática, o feminicídio é um qualificador do crime de homicídio. Um homicídio simples, não qualificado, tem uma pena que pode variar de seis a 20 anos. Porém, quando enquadrado em feminicídio, a pena é de reclusão de 12 a 30 anos. O crime está previsto no Código Penal Brasileiro desde 2015, quando foi incluído na legislação pela Lei nº 13.104/15.

Divulgação é fundamental
De acordo com o delegado, a Dpcami tem como medida principal de combate aos casos de violência doméstica e contra a mulher a investigação e divulgação dos casos – “sem revelar os nomes”, ressalta Costa. “A Polícia Civil trabalha com repressão, ela age quando o crime acontece”, explica, “apesar de que, quando a pena é aplicada, a divulgação ajuda para inibir o cometimento e prevenir futuros casos de violência”.

Para ele, todas as instituições que puderem trabalhar no acolhimento da mulher são importantes. “A mulher não quer só a incriminação do companheiro, mas tratar esse problema. Muitas vezes, as mulheres sofrem violência em face da questão financeira e, quando são agredidas, elas não tem para onde ir, não tem colocação profissional, não conseguem sair de casa. Todo projeto que for feito para ajudar a mulher a ter essa independência, ter um emprego, um local para sair e se livrar dessa violência é importante.”

Como denunciar
Criado em 2005, o Ligue 180 é um canal de atendimento e orientação sobre direitos e serviços públicos para mulheres. A ligação é gratuita e o atendimento é nacional.

As denúncias podem ser feitas também na Delegacia de Proteção à Criança, Adolescente, Mulher e Idoso (Dpcami), que, em Brusque, fica na rua do Convento, número 49, e atende pelo número 3351-0123.

Em cidades onde não há delegacia especializada, denúncias podem ser feitas pelo 190.

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