Por volta das três da tarde de quarta-feira, 9 de agosto, Luciano Hang, aos 54 anos, percorre os corredores do centro administrativo da Havan, enquanto cumprimenta os funcionários que por ele passam, uns com apertos de mão, os mais distantes com acenos.

Caminha empolgado por causa da recente inauguração do centésimo estabelecimento da rede de lojas de departamentos, que ocorrera quatro dias antes, em Rio Branco, no Acre, a qual era o assunto da semana entre os colaboradores. Um jovem funcionário cruza por ele, quando é questionado a respeito dos efeitos que o evento teve sobre a equipe.

– Tá todo mundo assim, ó – diz o rapaz, fazendo um gesto com os braços abertos balançando para cima e para baixo, com os dois punhos cerrados, típico das comemorações de jogadores de futebol.

“Aqui é sempre assim”, conta Hang, sem diminuir o passo. Ele se refere ao fato dos colaboradores tomarem para si as conquistas da empresa, e demonstrarem a mesma vibração dele com um trabalho bem feito ou uma meta alcançada.

O que se percebe é que a Havan e seus 12 mil funcionários, divididos em 100 lojas por todo o país, carregam em cada canto a empolgação de seu líder, o que é visto como primordial para alcançar a próxima meta, já estipulada.

“Está todo mundo a mil por hora, não só eu. Temos milhares de colaboradores energizados para fazer as próximas 100 lojas, nos próximos cinco anos”.

O crescimento da sua empresa, avalia, irá alavancar toda a cadeia produtiva de Brusque, num futuro bem próximo. Como a rede vai duplicar em tamanho e triplicar em faturamento nos próximos cinco anos, os fornecedores, em sua maioria da região, terão que acompanhar este crescimento.

Quem produz para a Havan hoje terá que dobrar a produção em um período curto. Na prática, o que o empresário vê é a iminência da multiplicação de empregos diretos e indiretos gerados pela rede.

“Acreditamos que cabem 500 lojas da Havan no Brasil”, arrisca Hang, que pretende continuar a expansão da maior rede de loja de departamentos brasileira por Santa Catarina, com mais 20 unidades nos próximos dois anos, e outras 20 no Paraná, no mesmo período.

Só no estado, o investimento será de R$ 600 milhões até 2019, com a geração de mais 4 mil empregos.

Hang começou com uma pequena loja, de 40 metros quadrados; hoje, chegou a uma centena, e pretende dobrar esse número em cinco anos | Foto: Marcelo Reis

História iniciada há quase cinco décadas

A história do empresário que fundou a Havan começa quase quatro décadas atrás, no seu primeiro emprego, na centenária Fábrica de Tecidos Carlos Renaux, pioneira do setor em Santa Catarina, hoje desativada. Desde aquela época, a empolgação pelo trabalho que move a empresa já estava na mente de Hang, cuja primeira função foi no setor de expedição, aos 17 anos.

Àquela época, a fábrica ia de vento em popa, tinha milhares de funcionários, incluindo os seus pais, o que levantou na cabeça do jovem uma dúvida.

“Quando eu entrei na Renaux tinha 5 mil funcionários. De que forma que vou crescer se tem 5 mil na minha frente?”, questionou-se, no que já emendou a resposta. “Correndo em vez de andando, trabalhando muito, conversando pouco, fazendo o diferencial”.

Nos corredores do centro administrativo, Luciano Hang mostra o quadro de valores da empresa, no qual o cliente está no topo | Foto: Marcelo Reis

Três anos depois, ele foi chamado pelo seu chefe e promovido ao setor de vendas, visto como mais adequado para seu crescimento profissional, devido ao perfil que já o destacava.

“Eu não parava, não subo escada andando, eu corro. Eu sou vendedor, e ali me realizei. Ali tive o sonho de montar a Havan, que começou com 40 metros quadrados e um colaborador”.

Poucos anos depois, essa pequena loja já havia crescido, e estava com mais de 2 mil metros quadrados. Ascensão meteórica cujo ritmo tem se mantido até hoje.
São muitas as razões elencadas por Hang para a expansão da rede. Uma delas é o pioneirismo do empresário para certos temas econômicos, como a importação, por exemplo. No início da década de 1990, quando o governo Fernando Collor editou leis que abriram as fronteiras para compra de produtos estrangeiros, ele foi um dos primeiros a viajar até a Ásia. Naquele tempo, ele lembra, era um dos poucos empresários ocidentais presentes no mercado chinês.

Outra razão em especial é o local onde tudo começou. Ser de Brusque, na sua concepção, foi fundamental para a expansão. “O brusquense é um empreendedor nato. Se estivéssemos numa cidade que não desse tanta importância para o trabalho, não teríamos o sucesso que temos hoje”, opina o empresário.

“Ter nascido em Brusque e em Santa Catarina faz parte do nosso DNA. Isso nasce com a gente, os valores”. Para ele, a cidade se destaca porque, aqui, “um quer fazer melhor do que o outro”.

Ele cita o fato de que as cidades da região foram colonizadas por imigrantes alemães. “E o alemão é um povo invejoso”, diz, “mas invejoso para o bem. Um quer fazer melhor do que o outro. Eu vejo o meu vizinho fazendo, quero fazer melhor que ele, e é por isso que as cidades crescem, é por isso que o mundo vai para frente”.

Neste ano, a Havan, em média, tem crescido 40% ao mês. O motivo? “Não existe um motivo, é ganhar o colaborador, o fornecedor, o cliente”, resume.

Recentemente, a Havan fechou contrato para patrocinar o quadro “Comprar é bom, levar é melhor”, do programa Domingo Legal, do SBT | Foto: Marcelo Reis

Na Havan, nada pode ficar para depois

Uma das mais perceptíveis características de Hang, que está no DNA de sua rede de lojas, é a de não deixar nada para depois.

Estamos em uma sala onde cerca de 30 funcionários dividem-se em bancadas com cadeiras e computadores, local que é uma espécie de call center para cobranças. Na parede ao lado da porta, um quadro branco ostenta a expressão, escrita com caneta: “cobrar e encantar o cliente”. Na mesma hora, Hang explica que ali, além de negociar com inadimplentes, os funcionários devem fazer o máximo para deixar uma boa impressão da empresa.

Ele dá uma boa olhada na sala, a arquitetar uma mudança, que explica logo na sequência. O mantra do call center, “cobrar e encantar o cliente”, deve ser fixado como cartaz ou adesivo, de forma mais vistosa, com letras brancas e fundo azul, ou vice-versa, o que imediatamente pediu que fosse providenciado.

Entre a entrada na sala e a ordem para confecção do cartaz não se passaram nem cinco minutos.

Mais cedo, em sua sala no centro administrativo, Hang recebe de uma funcionária a versão do teaser do quadro “Comprar é bom, levar é melhor”, do programa Domingo Legal, do apresentador Celso Portiolli, no SBT, exibido ontem após cerca de duas semanas de gravações na Havan de Brusque.

Ele não gostou de uma das imagens que compunham o vídeo, e sugeriu uma outra, na sua avaliação, mais bonita. Alguns minutos depois, a funcionária volta com uma nova versão, com a modificação sugerida.

Hang aprova, vira-se na cadeira, ergue o celular, como se fosse fazer um selfie, e mostra o resultado aos presentes na sala. Estava bastante satisfeito, e abriu um largo sorriso ao terminar a exibição dos menos de 30 segundos do material.

Faz parte da rotina do empresário andar pela loja, para verificar se está tudo em ordem; não é raro vê-lo organizando prateleiras e mostruários | Foto: Marcelo Reis

O conserto dos erros e delegação de funções 

Reformar decisões e consertar os erros é visto pelo empresário como uma das fórmulas para a Havan se manter firme. Da mesma maneira, delegar atribuições aos colaboradores.

“As pessoas acham que eu passo muito trabalho para tocar isso aqui. Eu toco isso aqui com um pé nas costas, isso aqui é muito simples porque todo mundo toca junto”, afirma.

Relembrando o início na loja de 40 metros quadrados, quando ele próprio era o vendedor, o comprador, o recepcionista e o caixa, Hang é enfático ao dizer que é mais fácil administrar as 100 megalojas hoje do que cuidar da pequena estrutura de décadas atrás.

Formar uma boa equipe e acreditar na capacidade das pessoas de fazer um bom trabalho é o que torna “fácil” gerir a empresa.

“É preciso acreditar nas pessoas. Há infinitas pessoas na Havan que têm capacidade muito maior do que a minha, e a gente escolhe cada uma delas para o setor em que melhor se destaque”, explica.

“Hoje tudo é muito sincronizado, conversando, fazendo reuniões, resolvendo os problemas, batendo o sino para energizar as pessoas, a Havan flui de uma maneira muito simples, muito fácil”.

Atrás de Hang está o sino, característico da rede. Ele é tocado para “energizar os colaboradores”, segundo o dono da Havan | Foto: Marcelo Reis

O sino, presente em todas as lojas, é uma característica da rede. Como o próprio dono diz, serve para energizar as pessoas. É tocado em inaugurações de novas lojas, na recepção a visitas ou quando há o cumprimento de alguma meta ou de uma tarefa difícil. Quando se houve o badalar do sino na Havan, todos sabem que algo de bom aconteceu.

O empresário compara o funcionamento da loja a uma orquestra, na qual ele é o maestro. Cada um tem a sua tarefa específica. Se os músicos forem bons, avalia, a orquestra continua tocando, e a música executada flui com perfeição.

Hang tem uma bronca em particular com a falta de dinamismo na política brasileira. Favorável às reformas estruturais, como a trabalhista e a tributária, não entende como os governos são inertes na manutenção de “leis burras”.

“A Havan vai bem porque eu faço reforma toda hora. Se está errado, tem que mudar. No poder público, se está errado continua”, discursa, dando leves socos na mesa, gesto que deixa transparecer sua indignação quanto à lentidão da classe política.

E, para ele, os eventuais erros que acontecem devem ser corrigidos na hora, ainda que demandem desfazer um grande trabalho.

Recorda-se de bastante tempo atrás, quando a loja tinha quatro andares, e no primeiro piso estava o atendimento ao público, com crediário e caixas. À época, Hang queria mais espaço para a área de vendas, e decidiu levar esse atendimento para o terceiro andar.
No primeiro dia após a mudança, encontrou uma senhora idosa nas escadas, com dificuldade para subir até o setor que, um dia antes, funcionava no térreo.

“Eu parei e disse pra ela: ‘a senhora me desculpa, a gente tomou a decisão e não vimos que teria esse problema. Amanhã a gente volta para baixo’”.

No mesmo dia, apesar de todo o trabalho anterior, Hang determinou que a estrutura retornasse para o primeiro andar. “Tem que ser assim: deu errado, faz de novo. O Brasil é campeão em leis burras. Mudança é o segredo do sucesso”.

Hang afirma que hoje, delegando funções, é mais fácil administrar as 100 lojas do que quando precisava fazer tudo sozinho, na primeira | Foto: Marcelo Reis

Planos de aposentadoria e o futuro da empresa

Hang pretende trabalhar até os últimos dias de vida. Ao ser questionado sobre até quando pretende estar no dia a dia da Havan, diz que irá trabalhar até quando Jesus o chamar. “Esse é o meu parque de diversões”.

Ele confia que a rede poderá se manter com força total mesmo quando partir, e ainda que os filhos não se interessem, eventualmente, por administrar a empresa.

“A Havan hoje é uma empresa com gerência própria, eu sou um dos 12 mil, temos uma equipe que toca a empresa no dia a dia”, explica.

Ele faz as contas de cabeça, rapidamente, no meio da entrevista, e chega à conclusão de que estará trabalhando, aos 75 anos, quando a Havan chegar à loja de número 500.

“Eu chego todo dia super animado, saio daqui às oito, nove, dez horas, a mil por hora, querendo que volte o outro dia para acordar e estar fazendo as coisas de novo”.

Hang tem três filhos jovens, entre 17 e 20 anos, e diz que não necessariamente seus rostos são o futuro da Havan.

“A Havan é um sonho meu, os meus filhos são convidados a participar, mas não são obrigados a fazer parte de um sonho meu”.

“Se eles acharem que é isso que eles querem, vão seguir. Se disserem: ‘não é o que eu quero’, vou ter que montar equipes para continuar tocando. Cada pessoa tem que fazer aquilo que gosta”.

Apesar de já planejar o futuro, não há indicativo, por ora, de que Hang irá diminuir o ritmo. Todos os dias, ele acorda cedo, faz exercícios na academia e vai para a loja. Segundo ele próprio, passa 24 horas por dia pensando na empresa, “mas com muita alegria”.

Devota especialmente essa alegria em empreender ao lugar onde nasceu, o qual, avalia, conserva na terra uma vocação para o trabalho.

“Brusque vai bem porque não acreditamos no populismo, em ganhar a coisa de graça, acreditamos no trabalho”.