Estudo indica existência da prática de autolesão por alunos da rede municipal de Brusque

Para a pesquisa, 155 crianças foram entrevistadas em duas escolas do município

Estudo indica existência da prática de autolesão por alunos da rede municipal de Brusque

Para a pesquisa, 155 crianças foram entrevistadas em duas escolas do município

Um estudo prévio realizado em duas escolas da rede municipal de Brusque identificou que um em cada três alunos praticam autolesão – forma utilizada para machucar o próprio corpo. Ao todo, 155 crianças de 11 a 16 anos responderam um questionário com perguntas sobre a prática. O estudo está sendo elaborado pelo psicanalista clínico e psicólogo Mário Augusto Eccher.

Dos que responderam, 21 alunos disseram praticar autolesão e 36 responderam que já praticaram. A idade predominante dos que praticaram é de 14 anos. Outros 127 estudantes disseram conhecer alguém que pratica e 21 pediram ajuda.

Oito escolas já foram visitadas, no entanto, os dados ainda não foram computados. O objetivo é visitar todas as instituições da rede municipal porque, no Brasil, não há dados estatísticos nacionais sobre o assunto.

Na Europa e nos Estados Unidos a média é de que uma a cada sete crianças e adolescentes pratiquem autolesão. “A escola é fundamental para identificarmos eles”, diz Eccher.

O projeto

A pesquisa faz parte do projeto “Autolesão não suicida em adolescentes no contexto escolar”, criado há seis meses. São três etapas: treinamento de professores, visitas em salas de aula e entrega do questionário para o levantamento das médias.

“A gente precisa romper o silêncio porque todo mundo sabe que tem. Tem uma sala que tem sete crianças, só em uma sala. Eles sabem que tem, mas não sabem o que fazer”, enfatiza Eccher.

O psicólogo morou na Bahia durante 20 anos. Lá, se formou em psicanálise e fez mestrado na área. Ele pesquisou a autolesão nas escolas e viu que a prática era muito comum.

“Quando eu cheguei em Brusque, há dois anos, o pessoal dizia que não tem isso aqui. Eu disse que tem, adolescente é igual em qualquer canto. Na Bahia ou aqui é igual, mas aqui em Brusque a nossa cultura não permite mostrar as nossas falhas”, diz.

Depois que passar em todas as escolas, o psicólogo quer expandir o projeto para outras cidades e também fazer um trabalho com os pais, para começar um trabalho de prevenção.

No entanto, o foco é o trabalho nas escolas. “Temos que apagar o fogo aqui que está muito grande”.

Inicialmente, a ideia era um projeto de extensão do Centro Universitário de Brusque (Unifebe). Na apresentação, que contou com a participação de representantes de 19 escolas da rede municipal, cerca de 64 casos de autolesão foram relatados.

“Foi ali que nós nos alarmamos porque fizemos uma prévia de quantos alunos nas escolas estão praticando autolesão e nós tivemos um susto”, conta o psicólogo.

Atualmente o projeto não tem mais vínculo com a Unifebe. Para dar continuidade às atividades, Eccher aguarda a autorização do prefeito Jonas Paegle para que atue no Centro de Atenção Psicossocial de Brusque (Caps 2). 

Trabalhando no Caps 2, o psicólogo consegue ter uma equipe de profissionais para auxiliar no tratamento das crianças e adolescentes que precisam de ajuda.

Resultados

“Nas escolas que nós já fomos, eles conseguem ajudar a criança antes que ela faça”, conta Eccher.

O diretor da escola Ayres Gevaerd, no bairro Volta Grande, Celerino Rauber, afirma que a passagem do projeto pelo colégio fez uma grande diferença, pois eles aprenderam a se posicionar diante dos acontecimentos.

“Tivemos alguns casos nessa linha. Como se tratava de uma coisa relativamente nova, a gente se via um pouco sem conhecimento. Esse pessoal veio aqui, participou de uma reunião com os professores e passou informações importantes que a gente foi colocando em prática”.

Além disso, a partir das instruções recebidas, fizeram oficinas com os alunos a fim de promover o acolhimento e o respeito, tirando qualquer tipo de preconceito.  “Conseguimos resolver o problema, aparentemente está bem encaminhado”, conclui.

Como identificar

Os principais motivos para a prática da autolesão, segundo o psicanalista, são o alívio emocional, a vontade de morrer, culpa e autopunição.

“Quando a gente se machuca, o nosso cérebro produz a endorfina para anestesiar e traz uma sensação de bem estar. Eles se cortam, alivia. Só que isso vai se tornando um vício”, explica o psicólogo.

Eccher deixa claro que as crianças e adolescentes que praticam a autolesão não têm interesse em cometer suicídio. “Pode acontecer por um descaso, mas o objetivo de quem comete autolesão não é o suicídio, é aliviar a dor psíquica”.

Os motivos para a prática podem incluir histórico de abuso sexual, negligência por parte dos pais ou outros familiares, perda de alguém importante, violência, bullying e inabilidade em lidar com emoções.

O desinteresse por atividades que antes a criança gostava e o uso de roupas de manga longa em dias quentes podem indicar a prática da autolesão. No entanto, existem outros sintomas:

  • Queda do rendimento escolar
  • Isolamento social
  • Agressividade e irritabilidade
  • Agitação psicomotora
  • Alteração no apetite
  • Sonolência e desatenção

As crianças e adolescentes também podem manifestar sintomas por meio de desenhos.

Uma paciente do psicólogo em Ilhéus  (BA), desenhava rostos tristes, caveiras e bocas costuradas quando praticava a autolesão. Depois que iniciou o tratamento, começou a fazer desenhos mais alegres. “Os desenhos deles falam muito”, afirma Eccher.

A adolescente começou a fazer desenhos mais alegres depois que iniciou a terapia | Foto: Brenda Pereira

Como agir

Um dos trabalhos do projeto é orientar professores em como agir ao identificar um aluno com sintomas da prática da autolesão. No entanto, os conselhos valem para os pais, amigos e familiares.

“O mais importante é não reforçar o estigma de que o paciente faz aquilo para chamar atenção”, enfatiza o psicólogo. Quando perceber os sintomas, é preciso observar o adolescente de longe e procurar entender o contexto para então se aproximar.

Ao fazer a abordagem não se deve julgar o ato e não expor o adolescente. “Não pode jamais falar que é besteira, que é para aparecer. Tem que valorizar. É uma forma de ele falar, de pedir socorro. Vai perguntar o que ele está sentindo, abraça, cuida, ele precisa ser acolhido”, aconselha.

Depois de confirmada a prática, o próximo passo é encaminhar o adolescente para o tratamento psicológico.

O papel da família

A atenção e cuidado dos pais é fundamental. “Um menino disse que falou para a mãe que está com depressão e ela disse que um adolescente não pode ter depressão. Os pais não querem entender. O que acontece aqui em Brusque é isso. Nós não queremos ver problemas”, diz o psicólogo.

Na Bahia, a situação era o oposto. “Na Bahia era alarmante, mas era mais tranquilo de trabalhar. Os pais não tem problema de dizer ‘o meu filho está se cortando’, eles não escondem. Na Bahia eles diziam ‘vai pro médico moleque'”.

De acordo com Eccher, essa diferença acontece por uma questão cultural. “A nossa cultura alemã e italiana é esconder as coisas”, afirma.

Uma pesquisa feita nos Estados Unidos constatou que as mães reservam 11 minutos para conversar com os filhos e os pais apenas 8 minutos.

Por outro lado, um estudo britânico identificou que as famílias passam em média 49 minutos tendo discussões e entram em desavenças cerca de seis vezes ao dia.

“Eles não sabem lidar com frustrações, nós não ensinamos nossos filhos a se frustrarem. E a maioria deles se autolesiona por isso, se frustra com alguma coisa e não sabe o que fazer”.

Eccher diz que é importante que os pais conversem com os filhos e deem atenção ao que eles fazem, perguntem como foi o dia.

Contato

Quem precisar ou conhecer alguém que precisa de ajuda profissional, pode entrar em contato com Mário pelo telefone (47) 9 9687-6416.

Além disso, o psicólogo diz que precisa de patrocínio para a impressão de materiais de divulgação. Interessados em colaborar podem entrar em contato pelo telefone acima.

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