O atentado terrorista ao semanário francês “Charlie” provocou reações intensas em todo o mundo. Após a tragédia, uma frase deu o tom da repulsa ao terrorismo: “Je suis Charie” – “Eu sou Charlie”. Afinal, os terroristas islâmicos estavam atentando contra a liberdade de expressão, um valor considerado supremo para o ocidente, especialmente para a França, berço de Voltaire.
O terrorismo, além de condenável sobre qualquer ponto de vista, ainda deu uma visibilidade incomensuravelmente maior ao periódico, antes restrito aos seus poucos milhares de leitores.
Quero refletir sobre um tópico mal explicado, porque cada comentarista procura evidenciar os aspectos que lhe interessam e minimizar os demais. Afinal, em nome da liberdade de expressão, pode-se ofender uma pessoa por qualquer motivo, desde que “não se coloque a mão nela”, como acabei de ouvir do jornalista Ricardo Boechat, na BandNews? O problema que é Boechat, e a maioria dos analistas, ao falar dessa liberdade, enfatizam apenas a liberdade de ofender e insultar as religiões. Nesse caso, parece ser consenso que o insulto é livre. Mas ninguém pode postar nas redes sociais um comentário considerado racista ou homofóbico, por exemplo. Há agentes da polícia rastreando as redes para incriminar os autores de tais ofensas. O cartunista Laerte, que costuma se vestir de mulher, estava a caráter num debate na GloboNews após o atentado, declarando a liberdade de ofender religiões. Mas se alguém fizesse um comentário sobre seu traje, mesmo que fosse uma piada, certamente seria atacado pelo bando de vespas dos defensores do “politicamente correto”.
Então reflita, caro leitor: podemos ou não insultar os outros? Por que a liberdade de atacar as religiões deve ser defendida – e o “Charlie” deve ser considerado um herói do “Estado laico” na luta contra os obscurantistas (como em alguns comentários que li) – e qualquer outra ofensa deve ser criminalizada? Não parece evidente que aqui há uma lacuna, uma contradição, que os discursos inflamados dos defensores da liberdade fazem questão de manter? Ora, a reta razão exige que analisemos um assunto sobre os seus vários aspectos, e não apenas do lado que interessa aos nossos gostos. Como eu penso que não temos o direito de insultar ninguém, seja por origem, opção sexual, ou qualquer outra coisa, igualmente considero abjetas as charges contra Maomé, Jesus, a Virgem Maria, o Papa, Buda, Lutero, Iemanjá ou qualquer figura que represente o sagrado para um grupo de pessoas. O “Charlie”, para mim, é uma publicação de péssimo gosto, e o fato de ter sofrido um atentado não o torna nem um pouco melhor.