Há mais de 30 anos atende a dona Inés, uma senhora de 65 anos de idade, que estava em estágio avançado de Alzheimer, os primeiros sintomas deste mal tinham começado 6 anos antes. A paciente não reconhecia sequer os parentes próximos, não falava mais nenhuma palavra e começava a ter dificuldades para engolir alimentos.
Dona Inés era cuidada pela sua filha e o genro, apesar dos escassos recursos econômicos da família, era muito bem cuidada. Quis o destino que a paciente vivesse acamada e em estado praticamente vegetativo até os 85 anos de idade.
Sem tempo e disposição para cuidar da própria saúde física e mental, o casal de cuidadores faleceu poucos anos depois.
Em outubro do ano passado a família do compositor Antonio Cícero, membro da Academia Brasileira de Letras informou que o mesmo tinha realizado um procedimento de suicídio assistido na Suiça.
Cícero tinha sido diagnosticado com Alzheimer e enquanto ainda lúcido e consciente tomou a decisão de se submeter a esta prática. A mesma doença e dois desenlaces completamente diferentes, certamente provocados pela grande diferença cultural e financeira entre eles. Vale a pena esclarecer o significado de alguns termos.
Suicidio assistido consiste em ajudar outra pessoa a acabar com a própria vida, mesmo que não esteja em estado terminal porém acometido de grave sofrimento. O paciente ingere o medicamento que provocará sua morte.
Eutanasia consiste na ação deliberada de provocar a morte de um indivíduo para acabar com seu sofrimento. A medicação letal é administrada pelo médico. Estas duas práticas são consideradas crimes no Brasil.
Em 2006 uma resolução do CFM autoriza médicos a suspender o tratamento de um doente terminal, se o paciente assim o desejar, algo conhecido como ortotanásia. Há poucos dias o Uruguai aprovou a prática da Eutanásia, é o primeiro país de America Latina que aprova este procedimento.
Na Colômbia a morte assistida é legal desde 2015 para doentes em estado terminal. Em 2024 Equador descriminalizou a morte assistida para casos de sofrimento intenso provocados por doenças graves ou incuráveis. A Suíça foi o primeiro país do mundo a legalizar a morte assistida em 1942.
Outros cinco países europeus, Bélgica, Países Baixos, Áustria, Espanha e Luxemburgo permitem algumas formas de morte assistida. Nos Estados Unidos a legislação sobre o assunto compete aos estados, em dez estados a morte assistida é permitida, no estado de Oregon a prática acontece desde 1997.
Somos uma sociedade que tem muita dificuldade em falar na morte, isto fica pior quando o processo da morte se torna prolongado e sofrido como acontece com muitas doenças degenerativas e neoplásicas irreversíveis.
Acompanhei dezenas de casos de doenças neurodegenerativas em fase terminal, cuida-se o corpo, trata-se de manter com dignidade um corpo de uma pessoa que não o habita mais.
Ao presenciar o sofrimento de um ser querido, muitas vezes os parentes indagam por algum tipo de solução que permita abreviar esse tormento, esclarecer que a morte assistida e a eutanásia são consideradas crimes no Brasil vira uma frustração.
Ao mesmo tempo, devemos lembrar que mesmo que essas práticas fossem descriminalizadas, o único dono dessa decisão é o próprio paciente quando ainda em pleno uso de suas funções mentais e psicológicas.
Ao falar sobre morte assistida não se trata de ser a favor ou contra, apenas do direito que cada indivíduo tem de decidir sobre sua vida ao saber que é portador de uma doença irreversível, progressiva e que provoca ou provocará um grande sofrimento.
Para os que não concordam em ter esse direito não haverá nenhum ônus, certamente essa pessoa nunca o utilizará. É necessário que a sociedade encare este tema polémico, há uma grande diferença entre prolongar a vida e prolongar o processo de morte.
É paradoxal que na hora de lidar com o sofrimento de um animal de estimação em fase terminal a decisão de adotar a eutanásia acabe sendo tomada de uma forma racional e natural, quando se trata de dar esse direito aos seres humanos a sociedade prefere fazer de conta que esse problema não existe.
É imperioso que a sociedade como um todo entre no debate bioético sobre o direito de morrer com dignidade.