X
X

Buscar

Ex-funcionários da Sulfabril organizam reecontro de turma que dividia o transporte para o trabalho

Guabirubenses iam de ônibus todos os dias para a fábrica, que ficava em Blumenau

Tudo começou na década de 1970, quando mais de 100 guabirubenses lotavam dois ônibus de transporte da empresa Sulfabril, de Blumenau. Todos os dias, o grupo pegava a lotação na cidade e fazia uma viagem que podia durar horas, num trajeto sem asfalto, para ir trabalhar na confecção.

Para relembrar as histórias e reencontrar as amizades que se firmaram nessa época, uma das ex-funcionárias, Vera Dalpiaz, decidiu organizar um encontro da turma que ia junto de ônibus naquela época. O almoço para reunir todo o pessoal foi realizado neste sábado, 22, na Sociedade Beneficente, Cultural e Esportiva Olaria, em Guabiruba. Estiveram presentes mais de 30 pessoas neste que foi o segundo evento de reunião da turma de guabirubenses que trabalhou na fábrica.

“Tem muita gente que nós não conseguimos encontrar. Eram dois ônibus com 45 lugares sentados, mas ia mais o dobro em pé, são mais de 100 pessoas”, conta. Mas, como muitos dos que trabalharam na empresa naquele período ainda moram em Guabiruba ou na região, não demorou muito para reunir uma boa parte da pessoas. Para isso, Vera criou um grupo no WhatsApp e contatou os antigos colegas através das redes sociais, e todos colaboraram, trazendo mais ex-funcionários que compartilharam o ônibus e as histórias da época.

O primeiro reencontro foi realizado no ano passado e, para Ana Maria Butsch, é sempre uma alegria poder sentar para conversar com as antigas colegas de trabalho, relembrar as aventuras que passavam no trajeto diário até o serviço. “Uma pena que não conseguimos reunir todo mundo, seria muito bom”, comenta.

Na turma que se reuniu no clube Olaria estavam presentes mulheres e homens, muitos ainda moradores de Guabiruba, que se esbarram pela cidade, no supermercado, na igreja: “Mas nem sempre dá tempo pra conversar, falar daquele tempo”, lamentam algumas das ex-funcionárias. E é por isso que esse encontro já está quase virando uma tradição anual.

Amizades duradouras
A própria Vera, que tomou a iniciativa de criar o grupo e reunir o pessoal, trabalhou na Sulfabril por 11 anos. Ela, assim como muitas outras, começou na fábrica ainda novinha, com 15 anos.

Outra ex-funcionária da fábrica, Asta Maria Schumacher, trabalhou lá entre os anos de 1976 e 1982. “A maioria de nós começou como manual, outras, que tinham mais experiência, já entraram como costureiras. A gente era tão novinha que, para começar a trabalhar, quem teve que ir assinar os papeis foram nossos pais.”

Asta conta que as meninas foram se conhecendo e fazendo amizade no ônibus, durante o percurso diário de Guabiruba até Blumenau. “Pra gente era uma aventura, éramos todas meninas novas, solteiras. Teve até casais que se criaram no ônibus, se conheceram ali, namoraram e estão casados até hoje.”

Um exemplo disso é Teresinha Suavi, casada há mais de 30 anos com o esposo Alceu. Os dois se conheceram nessas idas e vindas para o trabalho: ela era manual, ele trabalhava na estamparia. Todos os dias, Teresinha subia no transporte no bairro Aymoré, ele na Pomerânia. O namoro, que começou na adolescência dos dois, se transformou em casamento.

Além dela, a blumenauense Lucia Pozzi, também funcionária da fábrica, fez amizade com as moças de Guabiruba, e às vezes ia visitá-las. Foi assim que conheceu o marido, amigo das colegas de trabalho. Hoje, ela mora em Guabiruba com a família.

Colegas organizaram também um amigo secreto entre os presentes | Natália Huf

Relembrar é viver
Não foi apenas amizades que esse convívio diário forjou: são muitas as memórias que, entre risadas, os ex-funcionários da empresa relembraram durante o encontro. “Tinha o motorista do ônibus, que não deixava ninguém fazer bola de chiclete”, ri Vera. “Se alguém fazia, ele parava o ônibus e não andava até que o pessoal parasse. Uma vez, ele estava tão brabo que desceu do ônibus, se recusou a continuar dirigindo.”

Ana Koller Schmitt conta que ela era a mais velha das moças que pegavam o ônibus, e relembra a vez em que foi organizada uma greve pelas funcionárias guabirubenses: “Foi pedido que a gente fizesse turno em dois sábados, mas acabou que fizemos no fim de semana por quase dois meses e meio.” Quando decidiram se manifestar, um superior falou que “fazer greve era pecado e que dava cadeia” – e foi aí que Ana bateu boca pelos direitos das trabalhadoras, que já estavam fazendo turnos no final de semana há mais tempo do que o combinado e chegavam muito tarde em Guabiruba, por conta do transporte.

Esses horários, inclusive, eram pesados: saíam da cidade ainda de manhã, por volta das 11h, e só chegavam em Blumenau depois das duas da tarde. Como o trecho não era asfaltado, a viagem demorava muito mais, e não eram poucos os buracos na estrada que faziam o ônibus balançar. Em tempos chuvosos, atolavam, e sobrava pro pessoal ajudar a desatolar. Como resultado, chegavam atrasados, sujos, cheios de lama.

“Aconteceu de o ônibus atropelar um cavalo, a gente ter que desatolar o ônibus, fazer desvios de muitos quilômetros quando não dava pra passar pela Ivo Silveira. Teve vezes que a gente ia até Ilhota, Itajaí, pra daí voltar pra Brusque e Guabiruba”, conta Vera.

Mas, para Teresinha Heil, esse tempo na Sulfabril foi uma escola: “Aprendemos muita coisa, conhecemos muita gente, nossa turma era muito trabalhadora. A gente fazia horas extras, nosso salário era bom, tínhamos benefícios… Trabalhei dez anos lá, quando fiquei mamãe tive que sair, mas queria voltar e fazer tudo de novo”, afirma.

Sulfabril
A empresa, uma indústria de malhas com sede em Blumenau, foi fundada nos anos 1940. Decretou falência em 1999, quando a Justiça determinou abertura de massa falida. Para que a empresa quitasse suas dívidas, as atividades continuaram até 2014, quando, após diversos leilões, foi determinado o fechamento. Os últimos funcionários foram demitidos.