Em meados de 1948, durante uma conversa entre amigos em São Paulo, iniciava uma história de sucesso que continua sendo construída até hoje. Uma das festas religiosas mais populares de Brusque, a Festa de São Cristóvão – padroeiro dos motoristas, do bairro Dom Joaquim, começou por meio da iniciativa de quatro figuras importantes, hoje já falecidos. Em julho deste ano são comemorados 69 anos desta tradição.

Na época, Luiz Tabarelli, o seu Lula, João Toscan e Ernesto Merizio eram caminhoneiros e estavam no Centro da capital paulista. Durante um bate-papo, eles viram uma imagem de São Cristóvão e decidiram que trariam para Brusque, já que havia bastante caminhoneiros na região.

No município, com apoio de Alexandre Merico, seminarista e muito conhecido no Dom Joaquim, dava-se início a primeira festa, que aconteceu em uma ferraria, que foi de várias pessoas (de Osvaldo Hort e por último João Knihs), onde hoje é a Pizzaria da Mama.

Registro de uma das primeiras festas. Acredita-se que seja na década de 70/ Arquivo pessoal

Foi neste rancho e entre amigos, com apenas seis caminhões, que a festividade ocorreu. Eles deram uma volta ao redor da igreja – que terminou de ser construída um ano antes -, comeram churrasco e beberam cerveja.

No entanto, antes do bairro Dom Joaquim ficar marcado pela festa em homenagem aos motoristas, já ocorria a Festa de Santa Catarina, padroeira da paróquia. Mas por São Cristóvão ter mais “fama” e logo ter ganhado adeptos, conquistou o espaço de destaque que tem até hoje.

66 anos de dedicação
“Quando contam de como a festa começou, com poucos motoristas, nem dá para acreditar que se tornou tão grande como é”, diz o técnico têxtil Aldo José Tabarelli, 62 anos, filho de Lula.

Ele recorda que na época o pai tinha 25 anos e que os festejos foram um marco na sua vida e de toda a família. Das 69 festas, Lula, que faleceu em 2015 com 91 anos, participou de 66, sendo que a única em que faltou foi em 2007, quando sofreu um infarto e precisou ficar em recuperação.

Além de organizador e de sempre estar à frente dos preparativos, Lula também levou o santo durante diversos anos.

Lula levou o santo em vários anos. Este registro com ele em cima do caminhão é de 1992/ Arquivo pessoal

Para Aldo, a devoção do pai é um exemplo. Ele diz que em quase 50 anos vivendo como caminhoneiro, Lula nunca se acidentou, e que isso se devia à proteção que recebia. Por influência do pai, outros dois irmãos e dois sobrinhos continuam na profissão.

“Graças a iniciativa destas pessoas, a festa do bairro Dom Joaquim cresceu e hoje traz gente de muitos lugares. Nos orgulha muito saber que meu pai estava à frente”, afirma.

Aldo conta que as primeiras missas não eram realizadas na igreja, e sim, em cima do caminhão, que ficava estacionado próximo a um campo de futebol que havia lá. Era uma espécie de missa campal, onde o altar e o santo ficavam no veículo e as pessoas ao redor. Após isso iam para o salão, onde ocorriam os festejos.

Fabriqueiros de mão cheia
Os cunhados e primos-irmãos Pedro Werner, 88, e Romano Quirino Bambinetti, 83, têm boas histórias para contar sobre a festa. Eles foram uns dos primeiros fabriqueiros do evento, ou seja, as pessoas que ajudavam na preparação. Ambos ajudaram desde a primeira edição.

Werner fez parte da diretoria da igreja por 16 anos. Com a voz trêmula e com alguma dificuldade em lembrar momentos da festa, ele conta que apenas não ajudou em três edições. Sua missão era picar e temperar o churrasco no sábado e assá-lo no domingo. “Eu tinha um pouco mais de 20 anos e fazia tudo. Era tipo a cozinha de uma casa de morada. Fazia o que me pediam, era uma correria de um lado, do outro”.

Ele recorda que naquela época não tinha fogão e os primeiros churrascos eram colocados na grelha, sobre a brasa no chão. “Sinto muita saudade, a gente passava trabalho, mas se precisava voltar a gente voltava e fazia de novo”.

Pedro Werner (à esq.), Romano Quirino Bambinetti e Zeca Heil são grandes líderes da Festa dos Motoristas /Daiane Benso

Bambinetti, que somente não ajudou na festa em 1953, quando foi servir ao Exército, conta que a preparação dos alimentos – churrasco, galinha assada, cuca, bolo – era feita na casa do seu Lula. No domingo, com uma carrocinha, os pratos e as loucas eram levados até a igreja.

Ele, assim como Werner, eram tão dedicados ao trabalho, que chegavam a dormir no local dos festejos para ajudar. Nas primeiras duas décadas, pelo menos, a quantidade de churrasco vendido era muito maior do que é hoje. Eram cerca de 2 mil quilos de carne, uma média de 2,3 mil churrascos. Atualmente são comercializados aproximadamente 800.

A polenta também sempre teve muita adesão nas festas e era Bambinetti o responsável por marcar o horário do seu desligamento, para que não queimasse. Eram cerca de 80 pratos do alimento por evento. Além disso, ele acumulava outras funções, como a de cantar no coral e também auxiliar na roda da fortuna.

“Era bonito de ver. Todo mundo ajudava, se mexia. Muitas festas tinham geada e o pessoal não arredava o pé”, destaca.

Procissão
Mesmo pequena, a procissão de São Cristóvão, seguida da bênção dos veículos, sempre aconteceu, com chuva ou seu chuva, como afirma o organizador há mais de 30 anos, José Heil, o Zeca, 58 anos – sobrinho de Bambinetti e Werner.

Nos primeiros anos o cortejo iniciava em frente à Banca Jardim, na praça Barão de Schneeburg. Como não tinham muitos caminhões, bicicletas e cavaleiros vinham na frente do veículo que trazia o santo. “Era muita alegria”, recorda Bambinetti.

Zeca Heil comprou um caminhão novo em 1996 especialmente para levar o santo/ Arquivo pessoal

Atualmente a procissão inicia na rodovia Antônio Heil, em frente à Havan. O caminhão que traz o santo começa a ser preparado ainda no sábado. A família que traz a imagem é responsável pelos custos de enfeitar o veículo com flores. Geralmente o caminhão já fica estacionado próximo ao local da partida.

Conforme Heil, para 2018 e 2019 já têm dois candidatos a levar a imagem. Ele, bem como Lula, foram moradores que levaram a imagem mais vezes – três, pelo menos.

Uma das histórias mais curiosas da procissão ocorreu há cerca de 30 anos. Aldo conta que Vicente Fachini levaria o santo. No sábado, ao manobrar o caminhão para colocar do lado debaixo do salão paroquial, a imagem quebrou. Sem ter outra alternativa e com pouco tempo, eles improvisaram e colocaram São José no lugar de São Cristóvão. Como a imagem dos santos são relativamente parecidas – São Cristóvão tem Jesus Cristo no ombro e o cajado, e São José o menino Jesus no colo -, as pessoas não perceberam.

Recorde de público
Um dos anos em que a procissão mais atraiu veículos e visitantes foi em 1986. Foram cerca de 4 mil pessoas e centenas de carros, motos e caminhões. Heil diz que a Transportadora Bissoni solicitou à concessionária Mevepi, de Itajaí, auxilio para a festa.

Porém, não imaginou-se que a empresa seria tão solícita. Eles doaram um caminhão Scania que foi leiloado em 20 de julho de 1986, durante o evento. O veículo foi arrematado por mais de 1,23 bilhão de cruzeiros (moeda da época). O lucro – cerca de 662 milhões -, foi destinado às obras sociais da paróquia.

“Veio muita gente de fora e o comprador do caminhão era de Joinville”, diz Zeca, que completa: “Uma procissão que iniciou com seis caminhões e que hoje tem mais de mil carros, uns 300 caminhões. Pra mim é uma grande alegria fazer parte desta história e estar à frente da procissão”.