Exatamente naquele momento, quando olhei nos olhos daquela menina, eu soube. Não era somente seu encanto natural de bailarina. Nem seu jeito encantatório de me olhar com seus olhos negros. Era mais que isso! Aquela menina ali, com sua timidez inicial, mas sua entrega em seguida, me mostrou mais quem eu era, do que todos em minha volta. Seu convite para brincar foi como me devolver a mim mesma: Sílviaaaa! – ela me dizia. Finge que a gente era….- bailarina, professora, pintora, olaf…Silviaaa…finge que a gente tá com pressa, que a gente é invisível, que a gente ….Que a gente pode tudo! No mundo do fingir, daquela menina que me seduziu, tudo é possível!

Este estado de poder ensaia o que a arte e seus processos desencadeiam no ser humano. Vendo ela, com sua responsabilidade de menina, de esmerar-se no mundo, vendo-o muito mais do que uma realidade construída e normatizada, foi meu presente de 2017. Com ela, aprendi que o convívio com o mundo pode ser lúdico, e que, como na arte, tudo que nos rodeia merece uma aventura. Como artista, ao me deparar com as palavras e com os pincéis, o que mantem o espírito criativo e o entusiasmo, é justamente esse despojamento, de criar o novo, sem recriminações e preconceitos.

A arte não está aí para catequizar ou criar exclusões, regras ou mandatos. A arte se faz na liberdade, no possível que ultrapassa previsões e medos. Os últimos acontecimentos em nosso país, onde a arte dialoga com questões escatológicas, com identidade de gênero, com problemas que enfrentamos nesse mundo em que tudo está se transformando, demonstra que não cabe a nós julgar, mas a refletir. A olhar a nossa volta desapegados de conceitos prontos podemos ver que o mundo mudou, está mudando, e muita coisa nova ilumina os sujeitos. Quem somos nós para posarmos de juízes? A arte e o artista, não se põem no papel de dono do saber. Como a criança, que fomos e que ainda podemos ser, e isso a menina me mostrou, na arte é o possível que vem à tona. É a crítica, a reflexão, a descontinuidade. Como no finge que a gente era, na arte se finge, se imagina, se inventa, se pensa. Da mesma forma, na arte não há equívoco ou lição a ser passada… É um instante único, onde o olhar se liberta de convenções para alcançar a sensibilidade.

Penso que, justamente o fingir é uma válvula de escape que transforma a turbulência em desafio, em serenidade. Convido  vocês para fingir: finja que 2018 é um ano de amizade, de felicidade, de vitórias. Finja que a liberdade é uma forma de respeito por si e pelo outro. Finja que é e sempre será aquilo que você pode ser, e que não há nenhum problema nisso…ao contrário, ser quem você é, é uma forma de fingimento das mais belas e bonitas da vida, pois só assim, você permite que o outro também seja o que deseja e pode ser…

A inspiração para este texto foi do livro FINGE QUE A GENTE ERA, escrito pelo maravilhoso Ricardo Wenschenfelder, inspirado na encantadora Lorena Mager Weschenfelder e ilustrado por mim. Se quiserem conhecer o trabalho acessem @fingequeagenteera no facebook.


Silvia Teske
– artista