Tenho quase quatro anos de convivência com a doença. E confesso que não li nada tão real quanto o texto escrito pela comediante, que foi divulgado logo depois da sua morte. Não tem como não trazer trechos para nosso espaço beltrano, para levar a alguma reflexão. Ela começa assim:

Eu fiquei gravemente doente. Ao contrário do que muitos fantasiam, não tirei de letra. Não sei o porquê, mas existe uma ideia estapafúrdia de que quem está com câncer tem que, pelo menos, parecer herói. Nãnãninã não! Quem recebe uma notícia dessas não consegue ter pensamentos belos. Bem… eu não conseguia. A cobrança de positividade acabou se tornando um problema. Olhava-me no espelho branca, magrela e de cabelos curtinhos (antes de caírem) e achava que estava pronta para fazer figuração em “A lista de Schindler”. Achava que não tinha chance de sobreviver à cirurgia, só pessoas que não tinham maus pensamentos sobreviviam.

Lembrei da minha mãe. Revoltada com as pessoas que exigiam dela uma atitude positiva frente à doença. VOCÊS ACHAM QUE EU NÃO PREFERIA ESTAR LIVRE DISSO? Quem não, né? As pessoas ao redor não percebem, mas é fácil entrar nessa ficção de que dá para combater o câncer com a força de vontade. Só que as coisas parecem ser muito mais aleatórias do que isso (e olha que eu tenho uma fascinação pelos livros O Segredo e seu conceito de pensamentos positivos e pedidos limpos para o Universo. Me julgue). Claro, tudo o que podemos, doentes, fazer, é seguir obedientemente as ordens médicas. E esperar pelo melhor. Pela melhor reação do corpo. Esperar por estar no lado feliz das estatísticas. Mas… voltamos a Marcia Cabrita.

Sinceramente, não acredito em uma seleção divina. Muitas pessoas bacanas e crianças morrem, e isso não é nem um pouquinho justo. Acho um saco quando dizem “fulano perdeu a batalha contra o câncer”, “fulana tem tanta vontade e alegria de viver que foi salva” ou “o amor por meus filhos me salvou”. Me parece tremendamente injusto.”

Quer dizer que quem morre não amava a vida? O amor pelos filhos não era grande o suficiente? A fé foi pouca? Pensamento bem cruel, não é? E é uma coisa bem esquisita, isso só acontece com o câncer, a única doença tão estigmatizada. Ninguém diz que alguém perdeu a batalha para o enfarte, nem que amava tanto a vida que ficou bom da tuberculose.”

É ou não é algo para se pensar? Antes de colar o rótulo de guerreiras e guerreiros em quem está tendo que conviver com o câncer, talvez fosse bom pensar que papel é esse, “vestido” de repente em quem já está com a vida virada do avesso por uma doença assustadora e que se vê na obrigação de ter uma atitude de luta contra… o que, mesmo? Um “inimigo invisível” contra o qual não adianta trancar a respiração até ficar roxa? E tem tudo o que é “o de menos”… O que as pessoas (de fora) dizem que tem menos importância…

Sofri pelo que é “o de menos”, chorei pelos cabelos, pelas sobrancelhas, pelos cílios e pelo… resto que vocês sabem. Chorei pelas dores, enjoos, injeções e tudo mais. Eu me dei esse direito. Eu me dei o direito de ser humana. A Mulher Maravilha mora na televisão, eu moro na Gávea mesmo.”

Para todas e todos nós, que moramos na realidade, ficam as palavras deixadas pela atriz. Que se juntam a mil outras, formando um cenário variado sobre como se sentem as pessoas que descobrem que o câncer passou a fazer parte das suas vidas. Sem glamour, sem imagem bonitinha de autoajuda… e tendo que se acostumar à ideia brutal de que a vida decididamente não é justa e, mesmo que a gente encare tudo com coragem… não existem garantias.


Claudia Bia
– jornalista e não guerreira