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Minhas leituras ultimamente se voltam para as questões que permeiam este estado atual, onde o isolamento e a necessidade de expor ilusões de felicidade, aparentemente ditam os comportamentos. Procurando algumas conexões para minha urgência em desmantelar essa conduta social repetitiva e condicionada, acabei por me deparar com dois autores. O primeiro, Paul Watzlawick, teórico e psicólogo austríaco em seu livro “Sempre pode piorar ou A arte de ser infeliz”, e outro, Julio Cortázar, escritor nascido em Bruxelas, mas participante ativo da literatura argentina, principalmente por seu livro “História de Cronópios e de Famas”.

O primeiro me fez ver que essa relação de isolamento-aparência se complementam. Ou seja, nos isolamos porque acreditamos que só devemos aparecer quando aparentamos aquele ideal de felicidade. O segundo por observar que em nosso processo de automatismo, esquecemos as questões mais simples do sentido humano: onde viver é algo consciente.

Desta forma, tendo esses dois autores como minhas primeiras referências, seguirei com algumas crônicas com instruções às avessas, no intuito de atiçar nossa atenção para o que estamos deixando de fazer por nós mesmos.

INSTRUÇÃO 1: INSTRUÇÃO DE COMO SER INFELIZ

Podemos pensar que ser infeliz pode ser um trunfo para a acomodação. Rejeitamos a ideia de felicidade porque esta requer responsabilidade. O estado de depressão é muito mais fácil, nos põe em inércia. Podemos usufruir de um tempo único para acumular auto piedade, desgostos, dores-de-cotovelo, raivas, enfim…uma série infindável de comiserações. Então, para chegarmos a este estado de infelicidade é preciso seguir alguns passos:

1. Distancie-se ao máximo de tudo que lhe produz alegria ou bem estar: conforto físico, sensações de bem estar mental, emocional ou espiritual.

2. Procure torturar-se com memórias infrutíferas que lhe causem náuseas e arrependimentos, ou raiva (raiva então é muito eficaz para a infelicidade).

3. Entre em contato com pessoas que estão infelizes e loucas para lhe contar as motivações de sua infelicidade. Tem que ser aquelas pessoas que possuem muitos argumentos, justificativas, exemplos que confirmem suas razões para a tristeza. Tão intensas que convencem que o mundo é realmente desastroso.

4. Se por acaso, tiver a tentação por algo positivo, livre-se disso recorrendo a estímulos de reforço, como por exemplo: calmantes faixa preta para manter a inércia, álcool (tem que beber solitário, de pijama, em sua cama desarrumada); olhar fotos antigas (de quando você era jovem e feliz)…etc

5. Abuse de seu corpo. Não lhe dê comida. Não lhe dê banho. Não lhe dê carinho. Não lhe respeite de modo algum. Faça o máximo que puder para ignorá-lo!

6. Centre-se apenas em você mesmo. De forma alguma pense nos outros, ou no que está fora de você. Tudo que existe no mundo é você e seu mal estar.

7. Ponha sua atenção em todas as possíveis dores que você sente ou já sentiu, e traga-as de volta. Use a imaginação, você pode fazer isso: crie dores, daquelas que consomem totalmente.

8. Caso nada disso lhe traga a infelicidade desejada, entre nos sites de relacionamento e veja as publicações de felicidade dos outros, procurando aquela inveja tácita e aceite que você é a criatura mais infeliz, coitadinha e feia do mundo.

Silvia Teske – artista e professora (entre outras coisas!)