Jubileu de Ouro: os 50 anos de Glória Zen no jornal O Município

Funcionária mais antiga em atividade começou como recepcionista e hoje atua no setor de vendas

Jubileu de Ouro: os 50 anos de Glória Zen no jornal O Município

Funcionária mais antiga em atividade começou como recepcionista e hoje atua no setor de vendas

“Até então eu fazia de tudo, até que um dia ele me chamou e disse: Glória, agora a gente vai mudar, e tu vais ficar numa área que tu mais sabes fazer, que é vender. Eu cheguei em casa muito triste e disse pra família: se preparem, eu vou ganhar a conta, estão tirando tudo o que eu faço. Eles não querem que eu faça mais nada”.

É uma tarde abafada de outubro. Lá, fora, o céu é cinza e ameaça chover. Estamos na sala de reuniões do jornal O Município, no segundo piso. O espaço está fechado e o ar-condicionado ajustado em 22 graus. Do lado mais próximo à saída, está sentada Glória Zen, 68 anos, que nesta segunda-feira, 3, completa 50 anos de atividades ininterruptas na empresa.

À frente, de costas para o ar-condicionado e com o vento gelado no pescoço, está o entrevistador, que acabara de perguntar a ela: qual foi o momento mais díficil na sua história na empresa? A resposta, que abriu esse texto, revela que Glória ainda não tinha a real noção de sua importância para o jornal.

Ela se referia à penúltima troca de gestão, quando Cláudio José Schlindwein assumiu a direção geral, em meados de 1999 a 2000. Ele decidiu que a empresa deveria ser setorizada, e viu o potencial de Glória no setor de vendas, no qual permanece até hoje.

Após se emocionar levemente com a lembrança, Glória ri, ao perceber que confundiu uma promoção com uma demissão. Na mesa está um saco de pirulitos trazido pelo entrevistador. Além disso, um pacote de amendoim doce e um brownie, presentes de Glória a ele. O celular para gravação, um Poco Phone X5, alvo constante de críticas na redação do jornal, está posto mais ao canto, enquanto a conversa flui.

Glória em atividade no setor administrativo

Coincidentemente, Cláudio, que recentemente deixou a gestão do jornal, passa no corredor, do lado de fora: ele tinha uma reunião de transição marcada com um dos novos proprietários, Everton Caetano, que se dá no estúdio ao lado da sala onde ocorre a entrevista.

O interrogatório durou ao todo 33 minutos, mas poderia ser mais. Não foram incluídas as perguntas que já são de conhecimento público, como as atividades que ela desenvolveu no jornal e seus momentos mais marcantes. Glória foi entrevistada pelo editor-chefe, que também escreve esse texto. Normalmente, a missão seria repassada a um repórter, mas a grande importância da tarefa o fez chamar para si a responsabilidade.

Glória iniciou suas atividades no periódico em 3 de novembro de 1975, uma época muito diferente de agora.

Glória, à direita, exerceu diversas funções no jornal

Adaptação no começo 

O primeiro expediente de Glória foi em um dia quente de primavera. O jornal funcionava no bairro Santa Rita, onde ela também mora. Embora 50 anos no passado, algumas coisas nunca mudam.

“Era depois do Dia de Finados, era um dia de tempo bom, mas no fim de semana choveu, porque nos finados sempre chove né?”, relembra Glória. O horário de trabalho também segue o mesmo: das 8h ao meio-dia e das 13h30 às 18h. Apesar de lembrar do dia como de sol, o calor não era escaldante. No seu primeiro expediente, recorda, vestiu “uma blusinha de manguinha”.

Sua função, oficialmente, era auxiliar de escritório. Naquela época, isso não significava muita coisa. Tanto que a primeira tarefa a fazer ao chegar era dar uma geral no escritório: varrer, limpar, organizar.

Glória em meados de 1980

Glória havia sido convidada pelo então proprietário do jornal, Jaime Mendes, para fazer parte da equipe após ele ter apadrinhado sua candidatura à rainha da Buettner, empresa na qual era costureira. À época, concursos de realeza das fábricas eram populares em Brusque.

Quando chegou para trabalhar, encontrou uma mesa “bem normal”, com um telefone. Aos 18 anos, completados em 16 de agosto de 1975, esse foi seu primeiro contato com a tecnologia, e ela ainda não sabia bem como lidar, apesar de ter sido encarregada, pela secretária do jornal, de atendê-lo e anotar os recados sempre que tocasse.

“Eu levei um susto com aquela voz do outro lado. Aí a pessoa falou comigo, me deu o recado, perguntou alguma coisa e eu desliguei o telefone. Eu fiquei tão impactada que eu não sabia mais o que a pessoa tinha perguntado”, relembra.

E o telefone não era a única novidade. Glória precisou se adaptar ao fax, à máquina de escrever e aos outros equipamentos do escritório. Seu emprego anterior, no ramo de confecção e costura, não exigia conhecimentos administrativos.

Embora nunca tenha atuado diretamente no jornalismo, entre as inúmeras tarefas que desenvolveu na empresa, chegou a participar da revisão do jornal.

“Sempre sentava duas pessoas, uma lia e a outra conferia com a matéria original, para achar os erros”, recorda. “Tinha hora que a gente tinha que ir na revisão, tinha horas que tu tinha que tirar um recibo, atender um cliente, tudo fazia parte desse trabalho. Não existiam setores, uma pessoa fazia tudo”.

Durante alguns anos, ela editou a coluna Correio Infantil

Posteriormente, também teve sua própria coluna. A primeira edição do Correio Infantil foi publicada em novembro de 1988 e, no começo do ano seguinte, passou a se chamar Correio Infantil Tia Glória. Tratava-se de uma coluna social voltada para nascimentos, batizados e eventos como primeira comunhão.
                                 

                          O que mudou em 50 anos

As cinco décadas que separam o início da carreira de Glória no jornal e as suas Bodas de Ouro foram acompanhadas de mudanças.

Hoje, por exemplo, a empresa tem uma área de convivência para o cafezinho, onde os funcionários, nos intervalos, podem comer e jogar conversa fora. Quando ela começou, isso não existia. “Tu chegavas, saía para almoçar, voltava e ia embora à noite”, resume.

Glória valoriza muito os intervalos e o espaço de convivência. As folgas de 15 minutos pela manhã e à tarde são consideradas essenciais por ela.

“O mais importante é esse nosso espaço do meio dia, de cada um pegar o seu puff, e lá cada um vai para o seu cantinho tirar aquele ronco. Não falo pela idade, pelo tempo que eu estou aqui, não é só isso. Os jovens também gostam disso, porque a gente vê que os jovens trabalham aqui o dia todo, de noite vão para a faculdade, chegam em casa da faculdade, vão fazer os seus trabalhos, eles também chegam aqui cansados”, opina Glória.

Glória em início de carreira

Apesar do ambiente de trabalho ter ficado mais flexível, ela sente falta de um tempo em que algumas regras não eram tão rígidas. “Se eu tivesse fome ali no meu próprio local de trabalho, se não tivesse ninguém na sala, podia arrumar uma bolachinha, pegar uma coisinha. Eu também gosto disso”.

Na sua rotina, a forma de prospecção de clientes apenas absorveu as novas tecnologias. Como só havia o telefone, não era possível enviar propostas por escrito e PDFs com modelos, algo comum hoje. O apoio dado aos vendedores também evoluiu.

“A gente tem uma equipe aqui que nos dá todo o suporte, eles montam uma proposta detalhada para mandar para o cliente”, explica. “Mas eu tenho um sistema diferente: mesmo eu encaminhando a proposta, eu ainda escrevo e explico pra pessoa em detalhes, com palavras mais simples, do que se trata aquilo”.

Carreira e maternidade

Glória foi mãe cedo, com 18 anos, poucos meses depois de iniciar sua carreira. Seus dois filhos, Elaine e Rafael, foram criados dentro do universo do jornal.

Inclusive Elaine, sua primeira filha, deu sinais de que estava pronta para vir ao mundo dentro da empresa. Glória começou a sentir as dores do parto enquanto trabalhava, e foi direto para o hospital.

Naquela época, era um desafio ainda maior conciliar a maternidade com o emprego. “Eu não tinha empregada doméstica, e essa coisa do marido ajudar é só hoje, na modernidade”, conta. “Consegui o auxílio da minha família, a minha sogra e as minhas cunhadas cuidavam da minha filha para eu poder trabalhar”.

Glória e a filha Elaine, da qual ela entrou em trabalho de parto durante o expediente

Quando as crianças nasceram, suas tarefas se multiplicaram. Glória trabalhava oito horas por dia no jornal. Ao fim da tarde, ia buscar os filhos na casa dos avós e à noite tinha serviço doméstico: roupa para lavar e cozinhar para o dia seguinte.

“Mas sempre me adaptei bem, porque eu não tinha outra forma, não tinha outra alternativa. Mas sempre dei jeito nas coisas”, comenta.

Um dia na vida de Glória

A rotina atual de Glória começa religiosamente às 8 horas. Depois de bater o ponto, aos fundos da sede da empresa, ela pega uma edição impressa para dar uma “passada de olho”. Lê as manchetes e algumas notícias, enquanto o computador liga.

Em seguida, analisa a pauta do dia no setor de vendas. Verifica as pendências com os clientes, retornos, respostas e atividades de prospecção. Glória mantém uma consistência impressionante em suas metas.

Quando precisa mandar áudios no Whatsapp, ela tem o costume de sair da sala e ir até o pátio. No meio do caminho, ainda no corredor, já coloca o celular na posição clássica, com a parte de baixo apontada para o queixo, na horizontal.

Há uma piada interna que eventualmente é dita quando acontece a cena: “Glória foi mandar áudio, mais R$ 10 mil entrando na conta do jornal”.

Glória em sua mesa no setor comercial do jornal

Mas como ela faz para vender tanto, por tanto tempo e com tanta consistência?

“O papel do vendedor não é só vender, ele tem que dar um suporte para o cliente. Não é difícil vender, o difícil é acompanhar até a entrega do material final”, afirma.

Depois de fechar a venda, é preciso passar a ideia para o setor de criação, que devolve, vai para o cliente, e o cliente retorna com pedido de alterações. Às vezes, são até quatro ou cinco idas e vindas até o produto ser considerado pronto para veiculação.

Homenagem recebida por ela na Assembleia Legislativa, em 2012

No campo pessoal, sempre foi adepta de uma vida mais pacata. “Sou uma pessoa muito caseira, gosto do meu canto, da minha casa, da tranquilidade, da paz”.

Ao mesmo tempo, aos 68 anos, se considera uma pessoa bastante ativa nas atividades que mais gosta: costura, artesanato e decoração, acompanhadas de uns poucos passeios.

“Aos fins de semana gosto de ir num bom restaurante e comer bem, e essa é a minha vida. Não é muito atribulada, não é muito cheia, é uma vida bem tranquila que eu tenho, que eu gosto”.

Épocas desafiadoras

A entrevista caminha para a metade final e, a essa altura, os 22 graus regulados no termostato do ar condicionado já parecem 15. O vento gelado tomou conta da sala, enquanto do lado de fora o ar seguia abafado.

O tema agora é o passado. “És uma pessoa saudosista?”, questiona o entrevistador. “Existe, na tua carreira, uma época da qual tens saudade?”.

No entanto, Glória não embarca na onda de nostalgia. Para ela, os tempos melhores são os atuais, e os que ainda estão por vir. Recorda que, há muitas décadas, as dificuldades eram maiores na empresa, tanto em estrutura quanto em organização.

“Era tudo manual, aquele jornal naquela impressora tipográfica, tinhas que ficar atrás da máquina esperando aquela folha cair pra dobrar, pra intercalar uma folha dentro da outra quando tinha propaganda dos clientes”, relembra.

Glória em homenagem pelos 60 anos do jornal O Município, na Câmara de Brusque

Ela passou por seis direções diferentes, e lembra que, quanto mais a empresa evoluia, mais multitarefa precisava ser. Em dado momento, começou a se questionar se teria fôlego para acompanhar as mudanças.

Porém, nunca sequer cogitou deixar a empresa. “Eu sempre acreditava que aquilo ia dar certo, sempre acreditei no jornal, nas melhorias”, conclui.

Mais de 30 minutos se passaram e a entrevista chega ao fim. Glória e o entrevistador se levantam, e o segundo desliga o ar-condicionado. A porta se abre e o ar refrigerado da sala se encontra com o calor do outro ambiente.

Ambos descem a escada em espiral que dá acesso ao térreo do jornal e voltam aos seus afazeres. E mais uma vez nesses 50 anos, Glória segue sua rotina, dia após dia, ano após ano, década após década, sempre confiando que o dia seguinte será melhor que o anterior.

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