Marcados pela fome, venezuelanos que moram em Brusque buscam empregos para ajudar familiares

Quitinetes no Nova Brasília abrigam 17 refugiados que vivem de doações e formam uma grande família

Marcados pela fome, venezuelanos que moram em Brusque buscam empregos para ajudar familiares

Quitinetes no Nova Brasília abrigam 17 refugiados que vivem de doações e formam uma grande família

O bairro Nova Brasília, em Brusque, acolhe quatro famílias de refugiados da Venezuela há mais de sete meses. Eles saíram do país que sofre com grave crise política e econômica há mais de cinco anos.

Sem esperança de melhorias no cenário, decidiram seguir os passos de cerca de 170 mil conterrâneos e vieram ao Brasil. No mundo, já são 4 milhões de pessoas que deixaram o país governado por Nicolás Maduro.

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As quatro famílias moram em três quitinetes. Ao todo, são 17 pessoas, destas, 10 crianças. No entanto, os venezuelanos nunca se conheceram enquanto moravam na terra natal. Foi no Brasil, após deixarem suas casas, parentes e amigos para traz, que eles se encontraram, trocaram histórias, se tornaram amigos e hoje, ajudam uns aos outros.

Eles confessam que ainda estão se adaptando ao clima de Brusque, que é muito frio para os parâmetros da Venezuela. Apesar de todas as dificuldades que passaram e ainda passam, a grande família tem momentos de brincadeiras que servem para esboçar sorrisos nas crianças e adultos.

Todos os móveis e eletrodomésticos que eles possuem foram doados | Foto: Eliz Haacke

Em busca de um lugar melhor

A família de Charles Soares, 26 anos, e Jose Sallaberia, 34, decidiu deixar o país depois de muito tempo passando fome. Eles moravam na cidade de Puerto la Cruz, no estado de Anzoátegui. Ele trabalhava em uma refinaria e o dinheiro que recebia não era suficiente para pagar as contas e sustentar a esposa e os três filhos, Gladiber Sallaberia Soares, 9, Said Loui Sallaberia Soares, 7, e Isacc Moises Sallaberia Soares, 4.

O salário pagava apenas o ônibus para ir trabalhar. “Eu ficava em casa com os meus três filhos sem comida. Passávamos manhã, tarde e noite sem comer”, lembra.

Quando Sallaberia chegava em casa às 22h, após um dia intenso de trabalho, trazia as sobras das refeições servidas na empresa. Esse era o único alimento da esposa e dos três filhos.

A cunhada de Charles, Lorelai, que está morando e trabalhando no Peru, sugeriu que a família mudasse para o Brasil. Ela deu dinheiro para que eles comprassem a passagem. Os cinco desembarcaram em Roraima no dia 17 de maio de 2018, após um dia viajando de ônibus.

O irmão, a cunhada e a mãe de Jose já moravam no estado e por isso a família foi acolhida pelos parentes. No entanto, a proprietária da casa que era alugada não gostou de ver tantas pessoas morando no mesmo lugar. Ela pediu para que os recém-chegados fossem embora ou despejaria todos.

Sem ter para onde ir, Jose, Charles e as crianças foram morar na rua. Durante o dia eles caminhavam em busca de um lugar melhor e à noite dormiam das 23h30 às 4h, pois eram acordados por pessoas que não os queriam ali. Eles encontraram a Igreja Nossa Senhora Consolata, que servia café e almoço, além de dar um espaço para que tomassem banho. “Eles nos deram chinelos, roupas e uma diária, então pudemos comprar uma barraca para nós cinco dormimos”, lembra.

Eles não podiam ficar no mesmo local, então todo dia precisavam buscar um novo espaço para colocarem a barraca e dormir. Eles encontraram o abrigo Rondon, da Organização das Nações Unidas (ONU). Como não tinha mais vagas, não foram aceitos.

Jessica e o esposo Luis, irmão de Charles e cunhado de Jose dividem a mesma quitinete | Foto: Eliz Haacke

Após pedirem ajuda para um soldado do Exército, eles foram morar em uma praça da cidade. No início, apenas cinco famílias moravam ali, mas depois foram contabilizadas 27. A família morou na rua durante um mês e duas semanas, aguentando chuva e sol forte dentro de uma pequena barraca.

Ali em meio a dezenas de pessoas, Charles conheceu Marilis Guevara e sua família. Após dias morando na praça, eles foram retirados do local e encaminhados para um abrigo. Lá, as 27 famílias moraram por três meses. Pouco tempo depois, a ONU realizou cadastro dos refugiados para que pudessem ser encaminhados para outros estados do Brasil.

A família descobriu que viria para Santa Catarina, mas que não receberia nenhuma ajuda ou garantia de trabalho. O que eles não sabiam é que tudo fazia parte de um plano de uma igreja que os ajudaria futuramente. Quando desembarcaram em Balneário Camboriú, no dia 11 de outubro, foram surpreendidos com um local de onde vinha muito barulho. A Igreja Embaixada do Reino de Deus tinha organizado a surpresa para eles.

Todos os 247 passageiros puderam trazer apenas a roupa do corpo e uma sacola com algumas peças. Os venezuelanos foram morar nas casas dos fiéis e os esposos das famílias já tinham trabalho garantido.

No dia 23 de outubro, Jose conseguiu um emprego em uma empresa têxtil de Brusque enquanto a família ficou morando em Balneário. Eles puderam morar com a família por um tempo e depois precisaram procurar uma nova casa. Em 5 de dezembro, eles encontraram uma casa no bairro Nova Brasília, onde vivem até hoje.

Quando chegaram no município, a família tinha apenas um colchão. Eles receberam ajuda de uma igreja de Brusque que doou fogão, geladeira, móveis, roupas e alimentos para todos. “Não tínhamos roupa para frio, lençol, nada disso”.

Um novo lar

O irmão de Charles, Luis Marin, 31, também deixou o país com a família. Após quatro meses morando em Roraima, no dia 26 de julho deste ano ele veio para Brusque com a esposa Jessica Bompart, 27, e os filhos Samantha Bompart, 4, e Said Alexander Marin, 11 meses. O filho mais velho de Luis, Fabian Marin, 6, ficou na Venezuela com a mãe.

Marin e a família conseguiram entrar no país devido à documentação que Charles mandou para a Polícia Federal. “Me falaram que se tivesse uma pessoa aqui poderia mandar a documentação”, explica Charles.

Eles não tinham roupa ou colchão para dormir. A família pediu ajuda na igreja e recebeu roupas para crianças, colchão e uma cesta básica. Nesse dia, enquanto voltavam para casa segurando o sacolão, uma moça ofereceu ajuda. A mulher, que prefere não ser identificada, vem ajudando a família até hoje.

Ela conseguiu roupas, alimentos, móveis e eletrodomésticos para todos os moradores da quitinete. “Através dela muitas pessoas estão nos ajudando”, diz Charles.

Kitnets abrigam os 17 venezuelanos que vivem de doações  | Foto: Eliz Haacke

Dois anos com a perna quebrada

Dianairee Flores, 27, a Diana, veio para o Brasil com dois filhos, Anthoni, 5, e Diangelys, 3. Ela ainda tem outros dois meninos que ficaram na Venezuela. Emanoel Chaves, 9, que mora com a avó paterna, e Diland Chaves, 7, que mora com a irmã Desire Flores. Diana decidiu vir para o Brasil após sofrer um acidente que resultou em diversas fraturas, entre elas no fêmur.

Ela morava em Tucupita, no estado Delta Amacuro. Na Venezuela, Diana trabalhava como cabeleireira. Os domingos da venezuelana eram dedicados para Deus, mas naquele dia, cinco mulheres pediram para ela abrir o salão e fazer seus cabelos, pois precisavam trabalhar na segunda-feira e queriam estar bonitas.

No sábado que antecedeu o acidente, ela estava em uma festa de 15 anos de uma parente. De lá, ela foi direto para o salão, por volta das 5h30. No entanto o irmão ficou chateado com ela pois Diana quebraria a tradição da família e trabalharia no domingo. Por esse motivo ele não a levou ao trabalho.

O acidente ocorreu em 8 de outubro de 2017. Ela estava no ponto de ônibus quando um amigo passou e ofereceu carona. No caminho, um caminhão colidiu no lado direito, onde estava Diana. A última coisa que recorda é do carro voando quatro metros de altura. Quando retomou a consciência, ouviu as pessoas que estavam perto dizendo que ela tinha morrido e que o culpado era o motorista do caminhão.

Como consequência da batida, ela teve 20 fraturas pelo corpo, sendo 16 no lado direito da cabeça, além de uma no fêmur, que a deixou manca. “Estou viva por um milagre de Deus”. Ela ficou internada no hospital por três meses, e foi necessário realizar 12 cirurgias no pé de Diana para reconstruí lo.

No entanto, não foi realizada a cirurgia na perna pois faltavam materiais no hospital. “Ninguém tinha, e era muito caro para trazer de outro país para a Venezuela. Ninguém pode fazer nada”.

Diana conseguiu trazer para o Brasil apenas os dois filhos mais novos | Foto: Arquivo pessoal

Aos 14 anos, Diana perdeu a mãe e teve que começar a trabalhar para sustentar ela e os irmãos. Ela agradece a Deus por sair viva do acidente pois seus filhos não precisam passar pelo mesmo que passou na adolescência.

Ela veio para o Brasil em 22 de junho do ano passado para conseguir operar o fêmur. Quando chegou no país, estava apoiada em duas muletas com seus filhos. “Todos olhavam para mim e falavam que eu estava doida, mas eu não estava doida. Eu sou uma mulher guerreira e quero o bem para mim e meus filhos”, conta.

Em Boa Vista, capital de Roraima, ela morou na rua com seus filhos por três meses até que a ONU fez o cadastro deles e os trouxe para Santa Catarina.

Ela conta que o filho mais velho, Emanoel, não passa fome pois mora com a avó que cultiva vegetais na sua horta. Na época, Diland morava com os tios nas minas de ouro e por isso estava bem. Depois, a situação ficou complicada nas minas e o menino foi morar com a irmã Desire. Para comprar a passagem dela e dos dois filhos, Diana pegou dinheiro com o pastor de uma igreja.

Diana sabe que precisa fazer a cirurgia da perna, mas diz que por enquanto prefere trabalhar para conseguir dinheiro e ajudar os que ficaram. “Preciso do meu trabalho, pois é isso que garante que vou mandar comida ao meu filho, não posso operar ainda. Se eu vou operar, meu filho tem que ficar aqui comigo”. Agora ela está juntando dinheiro para trazer sua irmã Desire e Diland.

Encontrando forças

Em 25 de julho do ano passado, Marilis Guevara, 21, veio com o esposo Francisco Ernandes, 37, e os três filhos, Angel, 6, Yoander, 4, e Franharis, 2, para o Brasil. Eles moravam na Ciudad Guayana, no estado Bolívar. Ela e o esposo trabalhavam, mas o que recebiam não era suficiente para o sustento da família. “É muito difícil quando o seu filho fala para você ‘mãe, eu quero leite’ e você não tem o que dar para ele”, conta com lágrimas nos olhos.

Ela conseguiu chegar ao Brasil graças ao irmão que morava em Roraima. No entanto, ele foi morto em janeiro deste ano. Por falta de dinheiro, ela não pode fazer um velório para ele.

Marilis morou por dois meses no estado do Norte. Ficou 15 dias na rua, um mês em um refúgio e 15 dias com o irmão, mas precisou sair porque a quitinete não comportava todos os familiares.

Marilis seus três filhos; o esposo estava dormindo pois precisava acordar cedo para trabalhar | Foto: Eliz Haacke

Depois sua história é semelhante aos demais. Ela foi cadastrada na ONU e veio para Santa Catarina. “Quando cheguei em Brusque eu só tinha uma geladeira e duas camas. Pouco a pouco, meu marido foi falando na empresa e foram ajudando ele. A igreja nos ajudou muito”, diz.

Hoje, ela e o esposo trabalham e pretendem trazer para o Brasil a irmã e a tia de Marilis. Para isso, Ernandes pegou um empréstimo no banco para conseguir trazer os familiares.

Ao lembrar das dificuldades que a Venezuela vem enfrentando, Marilis espera que isso não se repita em outro país. “O que aconteça na Venezuela não quero que aconteça com mais ninguém, pois é muito feio”, declara.

Auxílios aos que ficaram

Durante a entrevista, Charles recebeu uma mensagem no celular, que foi doado a ele pela mulher que os ajuda. Na mensagem, a mãe de Charles informava que o pai dela estava muito doente e que havia sido encaminhado ao hospital. Ela pediu para que a filha pudesse fazer alguma coisa para trazê-lo ao Brasil, caso contrário ele pode morrer na Venezuela.

Charles não controlou a emoção e ficou em prantos. Ela explica que o pai tem problemas no coração e que a situação complicou no último mês. Para ajudá-lo, Charles mandou R$ 200 no início de julho, mas como a família está passando fome e o valor não era suficiente para comprar a medicação, eles compraram comida.

Devido aos problemas, o pai de Charles precisou parar de trabalhar. “Se ele compra medicamento, não come”, conta com lágrimas nos olhos. O custo para trazer o pai é muito alto para a família. Apenas a passagem de Roraima para Santa Catarina custa R$ 900. Como nem todos têm um trabalho na casa, o dinheiro que entra serve para pagar o aluguel mensal da residência, que custa R$ 970.

Venezuelanos se reúnem para tomar café | Foto: Eliz Haacke

Quando recebe ligação dos parentes, todos falam que Charles está bem, mas ela nega. “Não estou bem. Saí da Venezuela para procurar trabalho para ajudar minha família e meu pai. Não é porque estou no Brasil que estou bem. Viemos para cá com um motivo que é ajudar nossa família que está lá”, explica.

Charles diz que seus familiares já pediram para ela mandar um pouco de comida para eles, pois comem apenas uma vez ao dia. “Uma vez meu sobrinho me disse que estava tomando água com açúcar pois não tinha o que comer”.

Os irmãos de Diana, que estão com Diland, vez ou outra mandam mensagem falando que não tem comida para dar ao menino. “Eles me falam que o que eu mando não é suficiente para comprar comida. Eles dizem que tudo está mais caro e que precisam escolher se comem ao meio-dia ou à noite”, revela.

A venezuelana explica que as mensagens fazem ela perder a fome. “Eu estava pesando 52 quilos e hoje estou pesando 46 kg”, diz.

Dificuldades diárias

Diana diz que a saudade dos que ficaram no país a deixa triste e que por vezes já pensou em tirar a própria vida. Só não o fez pois precisa trabalhar para sustentar os filhos. “Eu ligo para os meus irmãos chorando. Eu quero voltar para Venezuela, não importa se vou morrer de fome, mas que eu morra com eles”, revela.

A venezuelana afirma que cada um dos refugiados tem a sua história. “Todos os venezuelanos têm uma história ruim”. Ela afirma que percebe que alguns moradores de Brusque falam mal dela, mas diz que não pode chorar pois precisa seguir em frente.

Crianças sofrem bullying na escola e perderam a vontade de estudar | Foto: Eliz Haacke

Além disso, as filhas de Charles e o menino de Marilis, que estão estudando em escolas públicas de Brusque, vêm sofrendo com preconceito constantemente. O fato de serem venezuelanos, falarem espanhol e terem olhos maiores virou motivo de chacota entre os colegas de classe. Com isso, os pequenos perderam a vontade de estudar e quando chegam em frente ao educandário, choram e pedem para ir para casa.

As mães conversam com as professoras para que a situação se resolva o quanto antes, mas ficam tristes por verem os filhos passando por isso.

Como ajudar?

Os venezuelanos que ainda não trabalham procuram um emprego para conseguir sustentar a família e trazer os que ficaram. Além disso, eles têm poucas roupas de frio e precisam de doações de casacos, calças e cobertores.

Eles afirmam que receberam muitos sacolões com arroz e feijão, mas as crianças precisam de proteína como carnes e ovos. Além disso, eles também pedem fraldas para a filha de 11 meses de Marin e fraldas geriátricas. Os interessados em fazer doações podem entrar em contato com Charles pelo (47) 9 9957-8415 ou com Diana pelo (95) 9 9127-3811.

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