Por mais inusitado que possa parecer, a maioria das informações que chegam até o nosso cérebro, são fruto, de investida exploração iniciada por ele mesmo para testar seu próprio ponto de vista, continuamente.

 

O que chamamos de “dor”, é fruto de uma simulação interna do cérebro. E isso pode auxiliar na explicação do “porque soldados motivados pela crença numa causa justa (como liberar o mundo das tropas nazistas) continuaram a lutar, a despeito de sofrerem ferimentos terríveis e extremamente dolorosos”.

Miguel Nicolelis, um médico e cientista brasileiro, considerado um dos 20 maiores cientistas do mundo, afirma em seu livro que o cérebro é um criador que conhece muito bem a realidade de esculpir, a ponto de ser capaz de produzir a sensação de habitarmos um corpo concreto e real, quando isso seja apenas uma interessantíssima ilusão neural.

O cérebro opera como “dono e senhor” do corpo e do que o rodeia. Se apropria das pessoas, ferramentas e informações do “entorno”, para criar e ou simular a melhor realidade possível para o instante. Eis, que surge a nossa visão do mundo e o nosso senso de eu, de corpo.

E mesmo antes de vermos, ele nos havia feito enxergar através das “expectativas” geradas. É assustador pensar a respeito do potencial assimilador do cérebro humano. Ao invés de desenvolvimento, da evolução: a expansão sobre o território, através das experiências extracorpóreas.

 

Se Nicolelis está correto em sua linha de pensamento, quando nos apaixonamos, não é o coração e sim o cérebro que nos faz amar. Estaria certo também, Balzac, quando afirma que “a arte nasce no cérebro, não no coração”. Se torna possível a explicação, da dor de perder o ente amado, ou da separação, que para o cérebro primata é justaposto a uma amputação de uma parte sua. Quando o cérebro ama, ele incorpora o algo amado, ele se apropria como seu.

E quem não sofreria ao perder irrevogavelmente uma parte do seu próprio eu¿

 

No caso das pessoas severamente paralisadas ou afetadas por doenças neurológicas, esta ótica de apropriação do corpo pelo cérebro, pode representar a esperança de que ele se aproprie de um corpo (neuroprótese) que possa, novamente os realizar enquanto ser vivo.

Em um cenário onde as ferramentas e as penas dos chapéus femininos são extensão do corpo.  Como diria Nicolelis “dado o esforço incansável e incomparável de fantasiar ferramentas artificiais como extensões de nós, o cérebro humano possui o único algoritmo capaz de sequestrar de nossos genes uma fração significativa da responsabilidade de definir o caminho futuro de nossa própria evolução”.

 

Nesta etapa, confrontamos a nós mesmos, na mais profunda solidão. E onde já parecem não haver mais fronteiras, ainda operamos dentro dos limites biológicos, corporais, ambientais, do eterno registro individual histórico. Tentando aproveitar o máximo de prazer, entre o espaço temporal em que nos ocupamos em sobreviver e reproduzir.

Quiçá, um dia, parte de uma rede neural com consciência coletiva.


Méroli Habitzreuter
– escritora, pintora e ativista cultural