Há 15 anos os adolescentes com quem trabalho se recusam a crescer. Dar aulas na educação básica por anos a fio é trocar ideias com Peter Pan. Você envelhece, mas os figuras que vão chegando possuem sempre a mesma idade. Eu aos 20 e eles aos 14, 15, 16… eu aos 36 e eles ainda engrossando a voz, esticando 10 centímetros de um ano para o outro, trocando os abraços embalados de “eu te amo prô” por um “oi” envergonhado, transbordando de hormônios, achando muita coisa um saco e outras “top”.

Este ano se tornou muito interessante pois entrei em contato com estudantes ainda mais jovens e abracei a causa até a universidade. 2016 tem sido uma lição intensa sobre as particularidades da criança de 10 anos em sala de aula, até o adulto no ensino superior. Estou embrulhada de experiências significativas que ainda me renderão alguns textos.

Muitas pessoas que me questionam a respeito, apostam no abismo que imaginam existir entre ensinar a criança, o adolescente e o jovem adulto. Na real, o processo é o mesmo, os interesses é que mudam. A sensibilidade do professor deve estar lustrada, nutrida, edificada para perceber as diferenças. Assim, damos conta do recado e as tantas idades se tornam um laboratório seriamente impulsionador, enriquecedor, desafiador.

Uma vez sensível no espaço escolar, você convive com bem mais questões do que as existentes nas avaliações de papel. Você se torna testemunha do comportamento dos estudantes com seus pares e, prestando atenção, acaba relembrando e identificando-se com sua própria adolescência, ou julgando, ou admirando, ignorando, respeitando. É referente a este currículo fora da sala de aula, que de uns 4 ou 5 anos para cá, algo vem erguendo minhas sobrancelhas, às vezes só uma delas: A SEXUALIDADE PROVOCADA PELO MUNDO VIRTUAL.

Sexualidade. Tam!! Que palavra delicada, não é? Pois é. E é mesmo, ela vem empapuçada de tabus, ao passo que deveria estar alimentada de doçura, meiguice, carinho e muito diálogo aberto. Explicando-me melhor, primeiramente, a sexualidade cobrirá este texto sem uma roupagem específica, psicanalítica, capitalista, religiosa. Meu ponto de partida é a observação empírica, um ouvido afiado nos corredores escolares, no colocar lenha na fogueira quando o assunto toma esse rumo para compreender como pensam hoje, sobre as imagens que postam, os olhares entre eles, o porquê tal ídolo é o mais popular, em como expõem o corpo.

É, a coisa está beeem diferente. Já escrevi refletindo bastante sobre como acho que reagiria caso na minha adolescência eu tivesse nas mãos o poder que um celular dá e, confesso, sei lá quantas idiotices teria cometido. No entanto, o papo hoje é como, por meio das novas mídias, a sexualidade tem se transformado, influenciado o linguajar, o vocabulário, a postura…

Pasmem, essa galerinha já assistiu cenas tórridas que muitos de nós – os para além dos 30 – jamais imaginou quando da mesma idade. O ser humano está oferecido nas suas mais estranhas versões nas prateleiras da internet, desde aquilo que um adolescente consegue digerir, até o que provoca repulsa, enjoo, vômito ou a potencialmente perigosa: ilusão.

Certos discursos que tenho esbarrado, proferidos pelos estudantes, me preocupam, pois carregam um experimentar virtual da sexualidade mentiroso, tosco. A forma que o “sexo” chega para muitos deles altera a maneira como subjetivam o mundo, os fazendo cair na miragem, no desejo de consumir aquele produto e, as chances de compreenderem o próprio corpo com atenção e paciência são atravessadas pela urgência das mídias e a busca por aquela satisfação “over” precoce, que vai causar no mínimo frustração. Alguns deles possuem certezas pesadas amparadas no que assistiram e não no que viveram. Amplia-se a sexualidade ao extremo, amputa-se fases.

O garoto ou garota de 11 – para ser otimista – está assistindo ao conteúdo classificado para os acima de 18 anos, dentro de casa, e sabem esconder isso como nós sabíamos esconder revistas ou códigos nos diários sobre beijinhos dados quando éramos adolescentes. Só que estão acessando um negócio “punk”, anos luz das imagens que a “playboy” vendia.

Bem, esse passo o mundo já deu, será difícil controlar. A sexualidade está em reforma. Uma nova configuração de relacionamentos e compreensão sobre o próprio corpo e suas sensações está acontecendo. Tudo isso pode ser muito positivo, toda a pluralidade que a internet nos oferece, o quanto ela democratiza as informações, contudo, a faca que vai de goela abaixo com violência, sexo ou drogas, machismo, consumismo compromete o amadurecimento, ilude.

Se é a glamourização da crueldade, crimes de ódio, pedofilia, sexo explícito, situações complexas sobre sexualidade, anfetaminas, pó, remédios que nossos filhos e alunos estão sendo expostos, apresentados – e ainda por eles mesmos! – precisamos parar de fingir.

Somos a principal matriz de identificação dos adolescentes, seus exemplos, segurança. Mas podemos afastá-los e perdê-los de vista caso não abrirmos espaço para um papo reto, franco, sem preconceitos, sem mil voltas, sem tabus. O papo da cegonha para essa geração não pega há tempos, nem sei se algum dia pegou. Aos 7 anos, meu filho, por exemplo, após uma cena de filme de super-herói, lança essa:

– O mãe, beijo dá neném?

Tam!! Cadê a cegonha? Tudo bem, desde quando beijo é algo ruim e muito menos bebês vêm de algo ruim? Com cuidado e honestidade dialogamos e protegemos sem amarras. Desse modo eles saberão discernir aquilo que veem daquilo que viverão, como também sabem que o “fato” de Homem Aranha sair pulando de um prédio para o outro não significa que pobres mortais terão o mesmo resultado. Mas, sabe como é, falar de super-herói não é tabu, certo? Sexo ainda é. E olha que uma coisa nem existe e é a outra que nos faz existir.

 

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Karline Beber Branco – professora e mãe