Um ditado antigo em Nova Trento diz que, quando nasce uma criança, se faz uma polenta e a joga contra a parede. Se cair, a criança será padre; se grudar, será pedreiro. No aniversário de 128 anos da cidade, o jornal O Município decidiu homenagear os pedreiros da cidade, famosos pela qualidade de seu serviço em toda a região.

A fama destes trabalhadores não foi espontânea, mas construída ao longo dos anos, assim como Nova Trento, que se emancipou em 1892, e na época, era essencialmente agrícola.

De acordo com o historiador Jonas Cadorin, os imigrantes que chegaram ao Brasil em 1875 vieram de uma região com tradição agrícola, ligados ao campo como fonte básica de sustento. Por isso, não havia uma indústria específica da construção civil, considerada um trabalho paralelo, e não era praticado por todos.

Na época, o murator, pedreiro no dialeto trentino, não era o único responsável pela execução de uma obra. Entre as profissões necessárias estavam os ferreiros, que faziam as ferramentas, oleiros para produzir os tijolos, cortadores de pedra, carpinteiros e marceneiros.

Na região de Trentino a oferta de madeira era menor, principalmente por causa do frio, e o item era utilizado para aquecer as residências no inverno. As pedras, porém, estavam disponíveis em abundância, o que barateava a construção das residências de alvenaria, que consistia em empilhar pedras, um conhecimento geralmente passado de pai para filho.

No início, não havia muitos pedreiros. Em 1890, foi realizado um dos primeiros censos de Nova Trento. Na época, a população chegava a aproximadamente 4 mil habitantes. Das profissões listadas, havia 852 agricultores, dez pedreiros, onze carpinteiros, cinco oleiros e cinco ferreiros.

Ponte Nicolau Bado, construída em 1927, Nova Trento. Foto: Al Fero Fotos Antigas/Especial

Cadorin ressalta que a quantidade de pedreiros era pequena, pois havia um projeto para que se desmatasse as terras e produzisse gêneros alimentícios para a própria colônia, mantendo o foco na agricultura.

O historiador, autor do livro Nova Trento Outra Vez, informa que é difícil mensurar exatamente quando a fama se iniciou, mas considera que a partir da década de 1950 as construções de alvenaria e substituições de igrejas de madeira começaram a ocupar mais espaço no município.

Cadorin considera os padres como os precursores da fama dos pedreiros da cidade, que viram o conhecimento e potencial de construção dos moradores, principalmente nas igrejas de alvenaria que estavam sendo erguidas no período.

Reforma da Igreja Matriz São Virgílio em 1987. Na torre, o pedreiro Ulderico Valle. Foto: Ulderico Valle/Al Fero Fotos Antigas/Especial

“As famílias eram numerosas, as terras divididas entre os filhos muitas vezes não geravam a subsistência necessária, e aos poucos a agricultura começou a entrar em colapso”, comenta Cadorin, que isso também motivou os homens a procurarem novas profissões.

Entre as décadas de 1950 e 1960, os pedreiros já estavam conhecidos na região e começam a ser requisitados para realizar obras fora da cidade.

“Os padres circulavam na cidade e fora da cidade, por isso várias igrejas do Vale do Itajaí foram construídas por pedreiros de Nova Trento, conhecidos como pessoas que davam conta do recado”, explica.

O pai de Jonas, Salvador Cadorin, teve nove filhos, e alguns deles conheceu somente meses depois do nascimento, porque estava construindo o seminário dos padres franciscanos em Luzerna.

“Quando eles vinham pra casa, ficavam de 15 a 20 dias, traziam o dinheiro da venda, e voltavam em equipes de pedreiros, carpinteiros, marceneiros e cozinheiros; profissões que complementaram a atividade da construção civil.”

Cadorin recorda, na sua infância, os grupos de pedreiros saindo da cidade. O frei chegava em Nova Trento com o caminhão de carroceria de madeira, e os trabalhadores iam sentados na carroceria, diversas vezes em mais de 400 quilômetros de viagem, e ficavam diversos meses fora de casa.

Interpretação do ditado popular

O ditado popular “em Nova Trento, quando nasce uma criança, faz-se a polenta e joga-se na parede: se cair, a criança será padre e se grudar será pedreiro”, tem relação direta com a cultura religiosa da cidade.

Cadorin comenta que, desde 1878, quando os jesuítas viram o potencial religioso dos imigrantes da cidade, um trabalho intenso foi sendo realizado ao longo dos anos.

Eles realizavam um acompanhamento regular de todas as comunidades no interior, uma vez por mês em cada local. Em suas visitas, os jesuítas realizavam as missas, batismos, levavam as novidades da cidade e ouviam as confissões, o que era um momento para saber o que se passava na comunidade.

Assim como ser pedreiro foi uma forma de sair da roça e “tentar a vida”, ser padre, irmão ou irmã também se transformou em uma oportunidade. Muitos foram para o seminário, que era uma forma de promoção, e os que voltaram atuaram na cidade como professores ou no serviço público, onde puderam utilizar os conhecimentos obtidos.

Os pedreiros e as igrejas de Nova Trento

Atualmente, Nova Trento possui mais de 30 igrejas e capelas. As capelas de madeira foram sendo substituídas ao longo dos anos por construções de alvenaria. Os padres realizavam as visitas nas comunidades do interior, e sugeriam a construção.

A construção das capelas eram uma junção do conhecimento dos padres com os pedreiros, que tinham que trabalhar com os materiais disponíveis, e era ali que os pedreiros mostravam toda a sua capacidade.

Igreja Matriz de São Virgílio, inaugurada em 2 de agosto de 1942. Foto: Cleder Maffezzoli/Especial

De acordo com o historiador Anderson Sartori, não há fontes seguras sobre a construção de todas as igrejas e capelas, mas grande maioria foi por mão de obra local.

“No caso da matriz, havia os pedreiros que eram responsáveis e o povo que ajudava da forma que podia”, comenta o historiador. A igreja matriz de Nova Trento foi inaugurada em 1942, e no vitral da porta principal há o registro dos nomes dos mestres pedreiros. Nas igrejas do interior, essa informação é mais imprecisa.

Detalhe para os nomes dos pedreiros que participaram da construção da igreja matriz de Nova Trento. Foto: Lorena Polli/O Município

Francisco Cadorin, que aparece no vitral da igreja, é avô do historiador Jonas Cadorin. Ele comenta que além de Francisco, seu bisavô também trabalhava com construção civil e ambos tinham bastante conhecimento em arquitetura.

Assim, a partir de uma necessidade de mão de obra para construção e de conhecimentos técnicos passados de geração em geração, além de muito trabalho, a fama dos pedreiros de Nova Trento correu o estado e se consolidou como um marco da história e da cultura do município.

Detalhes arquitetônicos na porta de entrada da igreja matriz em Nova Trento. Foto: Lorena Polli

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