José Francisco dos Santos

Mestre e doutor em Filosofia pela PUC/SP, é professor na Faculdade São Luiz e Unifebe, em Brusque e Faculdade Sinergia, em Navegantes/SC e funcionário do TJSC, lotado no Forum de Itajaí/SC.

O amor e o vaso sanitário

José Francisco dos Santos

Mestre e doutor em Filosofia pela PUC/SP, é professor na Faculdade São Luiz e Unifebe, em Brusque e Faculdade Sinergia, em Navegantes/SC e funcionário do TJSC, lotado no Forum de Itajaí/SC.

O amor e o vaso sanitário

José Francisco dos Santos

Acostumados com os arroubos românticos de músicos e poetas, tendemos a imaginar o amor com uma coisa etérea e indefinível, como “fogo que arde sem se ver, ferida que dói e não se sente”, como diz o conhecido soneto de Luiz de Camões. Para os corações apaixonados, essa vagueza de definição é preenchida por emoções fortes, que parecem dar razão ao poeta lusitano. Mas a vida, por alguma crueldade do destino, não se resume a rompantes de sentimentos indefiníveis. O dia a dia exige os nossos pés bem fincados na realidade. E é no contato com a realidade que o romantismo pode se dissipar como fumaça ao vento. O aprendizado do amor precisa ser complementado pelo esforço prático de tomar atitudes de respeito e consideração para com as pessoas que dizemos amar. É aí que entra o vaso sanitário, normalmente um elemento dificilmente associado à palavra amor, e que tomo como exemplo de como o amor poético pode se tornar concreto. Pois bem, quem usa o banheiro sem nenhuma consideração por quem vai utilizá-lo após ama apenas a própria comodidade e preguiça. É difícil pensar em algo mais desagradável do que ter que ver, cheirar ou limpar os vestígios de excreções de outra pessoa, sabendo que estão lá por absoluto descaso dela. Essa mania de achar que alguém tem a obrigação de limpar nossa sujeira é um dos sintomas mais comuns de uma mentalidade antiga, de quando havia livres e escravos, nobres e comuns, cabendo ao segundo elemento de cada par o serviço sujo que garantia a comodidade do primeiro. Um senhor não ama seu escravo, portanto seu comportamento em relação a ele demonstra essa falta de apreço. Mas entre um casal, numa família, esse tipo de sentimento e atitude depõe contra a essência do que deveria ser a liga dessas relações. Assim, o descuido em geral para com a própria sujeira, que, além do banheiro, se estende para a organização em geral do espaço de convivência, denota que consideramos que alguém inferior (esposa, mãe, empregada) tem a obrigação de limpar os rastros do nosso egocentrismo e má educação.

É por isso que o romantismo ou o amor meramente teórico, sem uma decisão madura de se tornar uma pessoa melhor, não resiste ao cotidiano. E se as crianças não aprendem desde cedo sua quota de responsabilidade para com a organização prática da vida, vai ser muito difícil sustentar uma convivência familiar razoável. O amor só acontece de fato quando exige de nós algum esforço em cuidar, em ser responsável, em fazer algo concreto – e normalmente bastante simples – que, ao mesmo tempo em que beneficia quem recebe o gesto, transforma quem o pratica, tornando-o também uma pessoa melhor.

Esse amor, que começa com as pessoas mais próximas, deve se estender ao conjunto da vida social. Ninguém suporta conviver com egos inflados, nem com quem pensa que o mundo gira ao redor do próprio umbigo. Mesmo que haja, na nossa casa ou no nosso ambiente de trabalho, pessoas destinadas a cuidar da limpeza e da arrumação das coisas, é dever de civilidade e consideração fazer a parte que nos cabe.

Na vida social, essa ausência de responsabilidade e consciência é responsável pelos casos diários de sujeira nas ruas, de poluição sonora, do crasso desrespeito aos espaços públicos, tão típico do jeito brasileiro de ser. Desse modo, a sociedade perde seu caráter comunitário, para se tornar um acampamento de gente egoísta e preocupada apenas com a própria satisfação. No fim das contas, a vida de todos tende a se tornar insuportável.

Se estivéssemos dispostos a fazer a pequena parte de exercício diário em relação ao cuidado para com os nossos espaços de convivência e para com as pessoas que os partilham conosco, certamente teríamos menos divórcios, menos famílias desagregadas, menos boletins de ocorrência e processos judiciais causados pela intransigência e pela incapacidade de enxergar em torno de si. Talvez a definição mais concreta do amor esteja na frase do profeta que recomendou que fizéssemos aos outros o que gostaríamos que eles fizessem a nós.

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