Quando ele partiu ela ficou sem saída. Não soube nem ficar triste adequadamente, tão incomensurável era sua dor, tão repentina e rude era sua perda. Na verdade ela nem sabia ainda o que estava perdendo. Estava inerte, quase fresca em sua primeira atitude que não era prisioneira. Não saber como agir diante do fato era libertador. Não havia cartilha, ou ao menos as regras que lhe contavam os anos e as atitudes de outros não lhe servia de maneira alguma. Então por algum tempo ela ficou ébria, e no entanto, ela ficou lúcida.

Ainda esperava que a qualquer momento ele tocasse a porta e viesse com aquele sorriso inseguro lhe dizendo que estava tudo bem, e que ele não havia percebido que o tempo passara, e que não estava fazendo nada demais, e que o cheiro do álcool era apenas uns dois copinhos de chopp que bebera. E ela se preparava para a resposta que daria: ela o abraçaria com mais braços do que na verdade tinha. Ela o encheria de beijos molhados em todos os lugares inusitados: atrás da orelha, embaixo do lábio, nos cílios…haveria de beijar e lamber sua barriga e mordiscar suas nádegas…então iria de leve alisar sua nuca e entregar-se a ele com ardor e alegria. Mas o tempo foi passando e a campainha da porta não tocava. O silêncio de seu coração era ensurdecedor. Não havia aquela raiva avermelhando as entranhas, pronta pra explodir na cara dele. Tudo não passava de letargia e espera. Era uma espécie de confiança absurda de que tudo estava bem. De que não havia nenhum erro e de que ele estava presente, com seu corpo magro e seu nariz enorme, feito um falo, que cheirava todas as perfeições em volta.

Ela caminhava entre as pessoas que mantinham-se próximas, sentindo medo de que ela cometesse algum ato impensado, que atacasse a si mesma ou que quebrasse todas as coisas quebráveis daquela casa. Mas, ela não pensava em quebrar nada, porque seu coração já estava quebrado.

Mesmo assim, cotovia desatada, ela esperava por ele….

Quando ele se deu conta de que não estava mais na mesma realidade que ela, levou um susto. Ficou desnorteado e com medo, sentindo ainda as dores dessa viagem entre patamares. Abria os olhos ainda esperando encontrar os dela sobre ele. Aqueles olhos aflitos, gentis e bravos. Espera ouvir a mesma ladainha do se cuidar, de parar de beber tanto, de deixar de ficar triste e ficar mais presente. Esperava até que ela lhe jogasse um copo de água no rosto para que ele se levantasse e fosse tomar café com ela na cozinha, junto com o gato que não parava de miar.

Mas não havia olhos, não havia água e não havia café nem gato.

Então ele tornava a dormir, encantado com aquele estado de estupor que não lhe cobrava reação nenhuma, e fora o pequeno incômodo no peito, que parecia mais ser um vazio, no resto se sentia bem, aliás bem demais… não precisava de café, nem de gato, e nem dela.

 

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Silvia Teske – artista