O quarto escuro e abandonado foi cenário para a tragédia que abalou Brusque no fim da década de 1940. O industrial Ivo José Renaux, 32 anos, foi encontrado morto com um tiro na cabeça na manhã do dia 30 de julho de 1949, deitado em sua cama, com uma das mãos sobre o peito e outra sobre o abdômen. A arma, um revólver S.W. 32, estava caída no chão ao lado do leito.

A morte de Ivo, que ocupava um cargo na diretoria da Fábrica de Tecidos Carlos Renaux – fundada pelo seu avô, Cônsul Carlos Renaux, em 1892 – causou grande comoção na cidade. Era difícil entender os motivos que levaram o membro da família mais importante da cidade à morte. Começava aí todo o mistério sobre o caso, que ganhou destaque nacional, e ainda intriga e fascina os brusquenses.

O casarão onde Ivo foi encontrado morto – chamado de Villa Ida – é um dos mais emblemáticos da cidade. Está localizado dentro do terreno da indústria da família e pode ser admirado da avenida Primeiro de Maio. Hoje, porém, está longe de ser o que era na época de ouro da fábrica Renaux.

Quarto onde Ivo Renaux foi encontrado morto está vazio

A construção histórica sofre com a ação do tempo e com a falta de manutenção. Tanto que com as chuvas do mês de junho, uma área do teto na parte externa da casa desabou. O desgaste da pintura e as janelas venezianas quebradas também transmitem o ar de abandono que paira no local.

No interior do casarão, parece que o tempo parou. Já da porta de entrada é possível avistar o quadro do patriarca da família, amarelado, pendurado na parede em cima da lareira. É como se o Cônsul Carlos Renaux estivesse ali, guardando o grande império que construiu.

DE MANSÃO À ENFERMARIA
Ainda no térreo, as marcas da última função da casa continuam presentes. Em todos os cômodos há vestígios da enfermaria da fábrica, que funcionou no local do início da década de 1960 até o fim das atividades da indústria.

A sala de curativos da Fábrica Renaux ocupou o jardim de inverno do casarão

Em um espaço bem iluminado pela luz do sol, onde originalmente era o jardim de inverno da casa, está a sala de curativos. O leito ainda está com lençol branco e travesseiro. Um armário de vidro guarda remédios. A impressão é de que a qualquer momento médicos e enfermeiras chegarão ao local para continuar nas funções em que pararam.

Em outro cômodo da casa, avista-se o que parece ser o consultório do médico. No centro da sala, está uma mesa com duas cadeiras. Pendurado na parede, o desenho de um órgão do corpo humano e, logo abaixo, um leito para exames. Ali também há uma pia com torneira e a saboneteira ainda cheia de um líquido azul.

O escritório que funcionava na casa também está intacto. Na mesa, ainda há o telefone, as canetas, o grampeador e um calendário que marca julho de 2013 – mês e ano do fim das atividades da centenária fábrica.

Subindo as empoeiradas escadas de madeira, chega-se ao segundo andar, onde ficam os quartos. Como a enfermaria ocupava apenas o térreo, uma grade foi instalada no fim das escadas para bloquear o acesso ao andar superior.

Ao contrário do térreo, os quartos são pouco iluminados e transmitem um ar sombrio. Todos os cômodos estão muito danificados pela ação do tempo, e os raios de sol se esforçam para iluminar através das venezianas fechadas. Um dos cômodos é utilizado como depósito e guarda inúmeras caixas com documentos da fábrica.

Logo na entrada da casa está a lareira e, acima, o quadro do patriarca da família: Cônsul Carlos Renaux

O quarto do casal – onde Ivo Renaux foi encontrado morto – está completamente vazio. O chão de madeira tem algumas tábuas soltas e afundadas e as paredes estão com a pintura totalmente descascada. A porta que sai para a varanda está aberta e, por ali, os raios de sol iluminam com mais facilidade. As outras duas janelas permanecem fechadas. No local, nenhum vestígio da tragédia que abalou Brusque.

Os únicos objetos que remontam à época estão na suíte do casal: uma grande banheiram, pias e espelhos individuais indicam que ali era um ambiente de luxo.

Ao subir mais um lance de escadas, chega-se ao sótão. Lá, a estrutura está toda danificada e a impressão que se tem é que a qualquer momento tudo pode vir ao chão. A luz do sol entra pelas frestas, mas não é o suficiente para iluminar o espaço, que abriga morcegos que não se intimidam com a presença dos visitantes e tratam de demarcar território com os seus inconfundíveis sons.

DE OTTO PARA IVO
Antes de abrigar a família de Ivo Renaux e virar cenário de uma tragédia, a Villa Ida foi a casa de Otto Renaux, filho mais velho do cônsul e o responsável por gerenciar a fábrica em sua ausência.

Neta de Otto, a historiadora Maria Luíza Renaux, 69 anos, diz que não se sabe a data precisa de construção da casa. “Acredita-se que seja entre 1910 e 1915. Não temos muita informação sobre a casa e nem o arquiteto que a projetou”.

A mansão foi construída no terreno da fábrica porque, naquela época, o diretor precisava estar próximo para qualquer eventualidade. “Às vezes, a caldeira precisava de reparos, a eletricidade não era constante, tudo tinha interferência e sem hora para acontecer”.

Fachada do casarão está bastante danificada pelas ações do tempo

A grandeza da casa do diretor da empresa passava segurança aos trabalhadores e aos demais moradores de Brusque. “Era uma casa muito bonita porque tinha que se mostrar para as pessoas que a empresa estava indo bem. Este era o costume da época”, explica.
Maria Luíza estima que Otto foi morar no local entre 1915 e 1920. Permaneceu ali até 1947, quando Ivo e a esposa Dagmar Sylvia Renaux foram morar no local.

“Em 1947, Otto saiu da atividade da empresa, ele ficou doente, uma espécie de derrame, e ficou apenas no conselho da fábrica. Com isso, não tinha mais justificativa para morar naquela casa, então ela ficou para o sobrinho Ivo porque os dois se davam muito bem”, conta.

Os belos jardins da mansão eram uma atração à parte. “Não era só a arquitetura, os jardins faziam parte da estrutura da casa também. Essa casa era cor vermelho terra. Isso foi uma pessoa de Blumenau que vinha visitar com seu pai naquela época que me contou”, destaca.

Maria Luíza não teve muito contato com a casa, mas se recorda da beleza e imponência da construção. “Dentro da casa era muito bonito. Em cima era feito como um navio, ou seja, os quartos de dormir todos abriam para uma sala central e dessa sala descia a escada para o andar de baixo onde tinha o jardim de inverno, a sala de jantar menor e depois tinha o salão central todo de madeira”, descreve.

A TRAGÉDIA
Naquela manhã de sábado, ao encontrarem o corpo de Ivo, a primeira hipótese que surgiu foi a de suicídio. As duas empregadas da mansão ouviram um forte barulho vindo do andar de cima. O estampido, inicialmente, foi atribuído à queda de um quadro, como já ocorrera anteriormente. Mas desta vez, havia algo diferente.

“Lembro vagamente quando foi dada a notícia da morte na casa dos meus pais. Eu tinha três anos de idade. Ivo era uma pessoa muito simpática, querida. Todos ficaram muito abalados”, diz Maria Luíza, que evita dar mais detalhes sobre o fato.

O livro “Tragédia e Mistério na Villa Renaux: O caso criminal que abalou Santa Catarina”, do escritor brusquense João Carlos Mosimann, traz detalhes sobre o caso.

A parte de trás da casa é tão bela quanto a frente

Segundo a publicação, na véspera de sua morte, Ivo comemorou seu aniversário de 32 anos. O industrial era boêmio e, naquela data, virou a noite comemorando com os amigos. A esposa, Dagmar Sylvia Renaux, havia preparado uma festa para Ivo, mas ele não compareceu. Ela, na companhia da sogra, foi buscá-lo, mas ele se recusou a voltar para casa. Ivo continuou a festa com os amigos em Itajaí e voltou para a mansão por volta das seis horas da manhã.

Logo a hipótese de suicídio foi descartada e a viúva Dagmar passou a figurar como a principal suspeita. A maneira com que o corpo foi encontrado fez com que os peritos considerassem impossível o suicídio. Com isto, a relação conturbada de Ivo e Dagmar ficou no centro das atenções.

Dias depois da morte, a imprensa brusquense e de todo o estado já noticiava que Ivo foi assassinado pela esposa. Em dezembro de 1949, foi expedido o mandado de prisão preventiva da viúva, no entanto, ela estava foragida.

A suspeita só foi localizada em março do ano seguinte, em Curitiba, no Paraná, na casa de seu pai. Dagmar veio de lá doente, e foi levada ao Hospital Azambuja, onde ficaria sob custódia até o julgamento.

A sessão do júri foi marcada para o dia 30 de novembro de 1950 e movimentou Brusque. O julgamento durou 16 horas com debates acalorados entre a defesa e a acusação. Pouco depois das 5 horas da manhã, o juiz presidente do júri proferiu a sentença: inocente.

No entanto, o promotor de justiça apelou da decisão. Junto ao documento, foi anexado um abaixo-assinado com dez assinaturas de pessoas presentes no julgamento declarando que os jurados se comunicaram com a defesa.

O procurador do estado junto ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina emitiu um breve parecer, em que não aceita a nulidade levantada pela acusação. Com isto, em 6 de abril de 1951, é publicado o acórdão negando o recurso contra a decisão do júri e confirmando a sentença de absolvição de Dagmar Renaux.

O livro que relata a história da tragédia na Villa Ida foi publicado no ano 2000 e está esgotado. Até hoje, é um dos mais procurados na biblioteca pública municipal Ary Cabral e nas livrarias da cidade tamanho fascínio e curiosidade dos brusquenses sobre o caso.