Hoje, me recordo de como ela era um bebê que precisava de ajuda, até mesmo para comer. Na verdade, eu precisava dela e ela de mim. E assim foram, por todos estes anos. Sempre, quando eu a corrigia, ela fazia uma cara específica, que eu chamava sorrindo de “gato de botas”. Ficar abaixada com ela por perto, era complicado, não tinha muito jeito para pedir atenção, lambia tanto que quase nos afogava.

Mas eu a entendia, ela precisava de amor, de atenção! Ninguém costumava a achar bonita, tinha um “pelo ruim”, como diziam. Eu costumava responder, que havia puxado o pai, embora quando sentada ao lado da mãe Holi, era parecida em tudo, menos na cor.

O seu cabelo às vezes de Elvis Presley, me fizeram comprar uma máquina de tosa, a aprender a tosar e tentar controlar um pouco aquele visual excêntrico. Em certo momento, me fez pensar, que aquela ocasião pudesse ser proposital. Parecia ter nascido para ser alisada.

Ver elas, juntas, me fazia não ter mais dúvidas de que os animais têm emoções muito semelhantes às nossas. A Holi sempre foi uma mãe superprotetora, e a poucos anos, havia relegado a segurança da casa à filha. E fazia alguns meses, também, que eu conseguia perceber o quanto ela havia crescido, rosnava quando a mãe queria lamber seu pelo após o banho e comia primeiro, mostrando uma certa autoridade.

Ela adorava lambuzar as crianças, pular, lamber, correr, derrubar e continuar a lamber muito. Enquanto eu escrevia, me visitava rapidamente, ficava de pé sobre as minhas pernas e se contentava com algumas palavras e afagos.

Neste ano, ela passou pela sua primeira cirurgia, para a retirada de um nódulo, e me fez pensar: o que faria se acontecesse alguma coisa com ela?

Também neste ano, fez um amigão, o Black, a quem logo, logo, a sucederia em sapequices e ânimo. Ver os dois juntos, era como ver o irmão mais novo, seguindo a irmã do meio. Quantas vezes, me peguei sorrindo, vendo a brincadeira gostosa dos dois. Acho que a Moli ganhar uma companhia, deixou suas mamães mais tranquilas ou não, risos.

Black era mais um dos cachorros que aparecem perambulando pelas ruas, quando algum dono acredita que não é mais útil. Um dos muitos, abandonados. Assustado, fugia até mesmo da comida oferecida, deveria ter apanhado muito. O tempo e as tentativas persistentes da que seria sua nova dona, a Heloise, aos poucos foram o convencendo, mostrando para ele, que poderia haver um “ser humano” diferente, daqueles que ele provavelmente houvesse conhecido.

Passou a ser o típico cão de rua, quando é adotado. Alegre, espevitado. Não precisou de muito tempo para cativar toda a família. Adorava dar uma mordidinha no popo de fralda dos gêmeos e sem vergonha alguma tirava sonequinha no sofá da sala. Roubou os dinossauros e os escondeu na casinha. Folgado, já dormia até na casinha dos outros. Quando chegávamos em casa, suas orelhas pretas e douradas sempre chegavam primeiro, saltitantes, alegres. O rabo comprido balançava, balançava feliz. Ele tinha alguém a quem esperar.

Nesta quinta, alguém decidiu, que nada disso valia alguma coisa. Mal sabia, que até mesmo eles, tinham uma história, tinham uma família, pessoas que os amavam, que precisavam deles. Crianças que sorriam. Uma mãe peluda que os cuidava.

Ingênua pessoa!

Mostrou mais uma vez que existe sim, aquele “ser humano”, que havíamos contado para eles que não existia mais…

#o problema do mundo é o ser humano


Méroli Habitzreuter
– escritora, pintora e ativista cultural