“Esta era a casa de Alois Moritz, na antiga rua das Carreiras, uma das primeiras de Brusque. Inclusive, foi uma pena terem mudado o nome”, pondera Rogério Moritz, neto de Alois e que hoje é dono do sobrado azul, datado de meados de 1910, localizado na atual rua Hercílio Luz, no Centro de Brusque.

“Era uma casa que, naquela época, era longe do Centro, quase uma área rural, de chácaras. Não tinha valor comercial e os imóveis não tinham o valor que têm hoje”.

Em 1982, o imóvel da família Moritz estava em ruínas, prestes a ser demolido. Rogério, recém-formado em Arquitetura, o salvou do destino planejado: pediu autorização aos irmãos e ao pai, Carlos Moritz, para restaurá-lo.

A casa passou, em pouco mais de 100 anos, por três gerações da família: do avô, Alois, ao pai, Carlos, e ao neto, Rogério. “Uma geração vai, e outra vem, mas a terra sempre permanece”, como escreveu Erico Veríssimo em “O Tempo e o Vento”.

Rogério Moritz, dono do sobrado, posa ao lado do retrato de seu avô, Alois, construtor da edificação

O sobrado está, hoje, em perfeitas condições. A parte externa se mantém praticamente intacta, com exceção da frente. Onde há uma porta, havia uma segunda sacada, à época de sua edificação. A abertura da parte frontal se deve ao objetivo de tornar o imóvel sustentável.

“A partir de 1984, quando foi terminada a restauração, passei a morar aqui, fiz meu escritório. O uso que foi idealizado para ela se manteve, mas passei a dar outros usos para torná-la sustentável. Esse é o caminho para justificar a manutenção do patrimônio em pé”, discursa Rogério Moritz.

Os outros usos a que ele se refere são os espaços ocupados na edificação. No primeiro piso, uma loja conceitual à frente e um espaço de eventos, atrás. No segundo piso, a residência do proprietário.

“Hoje ela tem um valor além do comercial para mim. Além de ter resgatado a história da família, tem a história dela ser utilizada em uma nova fase”.

ARQUITETURA E DNA
O sobrado é uma mistura de conceitos arquitetônicos, segundo o próprio dono, que atua na área. Com maior parte de elementos portugueses, é feito de linhas simples, mas não chega a ser classificado como colonial.

Antiga rua das Carreiras, hoje Hercílio Luz, onde a casa foi edificada

Quando a reforma foi realizada, mais de 30 anos atrás, o madeiramento da casa estava inutilizável. Foi necessário reforço estrutural. O piso de madeira também já não tinha nenhuma condição de uso.

Rogério lembra que, à época em que foi construído o sobrado, as características das casas tinham ligação direta com as famílias que as edificaram, sua origem étnica e seu potencial econômico.

“As famílias tinham seu DNA transferido para as residências. A origem das famílias, sua condição social e econômica faziam com que cada uma fizesse a sua casa ao seu jeito. Isso ia aumentando a riqueza do patrimônio e da história da cidade”, afirma o dono da residência, que manifesta preocupação com o que classifica como “suicídio do patrimônio histórico”, que vê ocorrer em Brusque.

O SUICÍDIO DO PATRIMÔNIO
“O que está acontecendo hoje é que as pessoas não estão tendo noção sobre a importância da história, não só do prédio, mas principalmente das pessoas, de quem construiu e constrói a cidade”, avalia Rogério Moritz.

A escada é original da época em que a casa foi construída

Sua preocupação está ligada ao fato de que as memórias familiares representadas nas edificações estão sendo “apagadas”. “Chega um ponto em que não vai ter mais referência do pai, da mãe, da casa, da história, e vai ficar um enorme vazio”.

Sentado a uma das mesas do espaço de eventos que integra o sobrado, o dono reflete sobre as histórias das famílias tradicionais, que não têm sido contadas para os jovens. Isto, avalia, fruto “da nossa incapacidade de passar isso a eles, ou da ganância de demolir rapidamente para que não se preserve”.

“Pessoas que viveram outras épocas veem fotos antigas de coisas que hoje ainda estão em pé e os olhos brilham. Eles lembram de como era, quem era o proprietário, o que acontecia ali, como a cidade era naquela época”.

Passados 31 anos da data em que tomou a decisão de manter em pé a residência fundada por Alois Moritz, o neto conclui que, desde então, a perda de patrimônio histórico aumentou.

Única foto antiga localizada desta residência

“Independe de ter havido progresso, a história de cada época é fundamental. Não é pela arquitetura, é mais pela história das famílias. Essa é a casa dos Renaux, dos Moritz. Quem foram essas pessoas?”.

Ele compara uma casa a uma árvore: se derrubadas, é impossível serem trazidas de volta em suas características originais. “Se derrubou, acabou. As pessoas estão suicidando o patrimônio. O suicídio é isso, a pessoa tem problema, acha que a solução é tirar a vida”.

O DIÁLOGO PARA PRESERVAR
Na rua onde está a casa, muitas outras vieram abaixo, no último século. A então rua das Carreiras era uma das mais tradicionais de Brusque, mas perdeu boa parte de seu encanto ao longo dos anos.

“Muitas casas vieram abaixo simplesmente pelo fato de se ouvir falar que ia ter uma lei de tombamento”, ressalta Rogério Moritz, referindo-se à lei municipal regulamentando o tema, editada em 1994 pela Prefeitura de Brusque. Ele conta que houve uma espécie de pânico dos moradores em perder direitos sobre suas casas quando o poder público passou a legislar mais efetivamente sobre o patrimônio histórico.

Em uma das portas internas, retratos antigos de Brusque

“Alguns imóveis ficaram com terrenos baldios, outros construíram rapidamente, para impedir que houvesse o diálogo, uma composição favorável para manter a casa, para viabilizar o uso. Isso sempre está sendo colocado da forma econômica, e a economia cega o coração, cega a visão mais humana das coisas”, lamenta o dono do sobrado. Por outro lado, diz, faltou diálogo com os moradores.

“É muito simples para quem está de fora dizer que tem que preservar e deixar em pé. Mas qual é o apoio, se todo mundo que podia, derrubou?”, questiona.

“É fundamental que se discuta de uma maneira muito equilibrada para que o que restou, permaneça. Não por uma lei autoritária e radical, mas por um consenso que valorize o bem estar de todos. Defendo isso há 33 anos”, conclui Moritz, acenando a cabeça afirmativamente, como se a orar para que seu discurso, um dia, se torne realidade e mais casarões históricos, como o seu, possam continuar a embelezar a cidade e a preservar a memória da gente de Brusque.