Pe. Adilson José Colombi

Professor e doutor em Filosofia - [email protected]

Não dê esmolas. Ajude a criar oportunidade

Pe. Adilson José Colombi

Professor e doutor em Filosofia - [email protected]

Não dê esmolas. Ajude a criar oportunidade

Pe. Adilson José Colombi

Todos os que andam pelas ruas da nossa cidade já depararam com essas duas frases, nos semáforos. Mas o que dizer delas? Vamos refletir um pouco. Como entender a palavra “esmola”. Sabemos que a Bíblia, a Palavra de Deus, fala com frequência dela. E a coloca como um dos remédios contra as raízes profundas das tendências perigosas e perniciosas, capazes de destruir a nossa vida, como a ganância, a usura, o espírito de acúmulo de bens materiais. E fez bem a muitas pessoas carentes e famílias e até a comunidades inteiras. 

Todavia, ao longo da história, sua noção e expressão efetiva se modificaram. Hoje, a esmola não pode ser mais vista, apenas, como um gesto de tomar um “trocado”, estender a mão e dar a alguém carente pedinte. A não ser em casos de extrema necessidade. 

Hoje, ao contrário, é bom até não favorecer esses tipos de solução de necessidades. Mas, de auxiliar na criação de outras “alternativas” (por exemplo: centros comunitários) de solucionar os mesmos problemas. 

Então, não se trata, somente, de uma proibição pura e simples – “não dê esmola” – o que seria uma “poda” drástica e inoportuna de uma “tradição” milenar de cunho social e espiritual que já fez muito bem a inúmeras pessoas, famílias e comunidades. 

Por isso, o acento está na segunda frase: “Ajude a criar oportunidade”. Penso que o início desse processo está na própria palavra “esmola”. Por quê? É oportuno começar do que já existe, isto é, a tradição milenar: “dar esmola”, já arraigada na população. Então, vamos educar, teórica e praticamente, para uma nova noção, novo conceito de “esmola”. Acentuando o sentido de solidariedade e responsabilidade social de cada ser humano.

Evidente que só essa medida educacional não é suficiente. Aí, entra a estratégia da segunda frase  – “ajude a criar oportunidade”.  Aqui, sem dúvida, tem que necessariamente existir a parceria entre a administração pública, as entidades privadas, as várias tendências religiosas e a população. De fato, aqui tem lugar o verbo “criar”. 

O poder público tem que colocar como parte do seu plano de governo e direcionar sua ação para a criação de ”centros” devidamente aparelhados para essa finalidade, envolvendo entidades de todos os matizes e à população em geral para buscar a solução almejada: promover a vida e as pessoas necessitadas da comunidade.

Em parte, creio que esteja já acontecendo. Estão em funcionamento iniciativas públicas e convênios com entidades particulares. Estão aí espaços de acolhimento e hospedagem das pessoas em situação de rua, com acompanhamentos por pessoas preparadas para atendê-los; vagas em creches e escolas particulares para carentes; atendimento em hospitais a necessitados; com ações sociais de Igrejas que acolhem e dão assistências às urgentes necessidades. São sinais pálidos, mas que podem ser sementes de uma transformação mais profunda.

A experiência ao longo deste mais de um ano de pandemia, por causa da Covid-19, calou fundo no íntimo de muitas pessoas e famílias, até em comunidades de nossa cidade. Muitos aproveitaram para refletir a respeito do valor da vida e da inutilidade de ter tantos bens à disposição, quando falta o necessário (o ar, o oxigênio, por exemplo). Abriram a visão para o “outro”, que também tem necessidades essenciais que estão aí, até em abundância, as possíveis “satisfações”, mas não as podem alcançar, por causa de sua condição e situação de vida.

 Mas há quem pode favorecer o acesso. Basta abertura das mãos em forma de solidariedade efetiva, concreta em favor dos que quase nada têm. Muitas pessoas, pela experiência da dor e do sofrimento, em si ou na família ou no círculo de amigos, se sensibilizaram e mudaram de visão do “outro” e abriram-se para novas iniciativas de participação efetiva. 

Não deixa de ser um bom efeito da pandemia. A história está repleta de exemplos semelhantes. Quase todas as iniciativas de solidariedade concretas das comunidades nasceram de grandes sofrimentos e dores. Penso que seja um processo longo e permanente numa comunidade humana. 

Há muito ainda por fazer. É necessária a mudança de mentalidade de toda uma tradição de “dar esmola”. Seria uma verdadeira “revolução” (re-volver = mexer), uma mudança, transformação, sem “sem quebrar tradições, hábitos milenares”, redimensionando e dando nova significação e sentido. 

Talvez não iria dar todas as respostas, nem satisfazer todas as pessoas, todavia, seria melhor solução do que o “espetáculo” degradante e humilhante que se vê todos os dias em nossa cidade. 

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