Foi no fim da tarde do dia 27 de março de 2020, uma sexta-feira, que a Prefeitura de Brusque anunciou o primeiro caso de Covid-19 na cidade. O paciente era o médico Eduardo Ballester, 41 anos. Ele teve a confirmação do diagnóstico pouco mais de uma semana após apresentar os primeiros sintomas da doença.

Em entrevista a O Município, Ballester conta que esteve em uma reunião em Joaçaba no fim de semana e na terça-feira, 16 de março, começou a se sentir mal. Na época, a doença ainda era muito nova e só eram considerados casos suspeitos pacientes com histórico de viagem recente ao exterior.

“Eu senti que estava diferente. No mesmo dia, fui tentar fazer o exame PCR. Fui fazer dois, um pela Unimed e outro pela Secretaria de Saúde, mas nenhum tinha o insumo para detectar. A Secretaria de Saúde não me considerava um caso suspeito porque não tinha viajado para o exterior, mas bati o pé e insisti para fazer o exame”.

Já na semana seguinte, o médico conseguiu fazer o teste, que deu positivo. “Comecei com dor de cabeça e febre. No quinto dia de sintomas, piorou. Tive febre muito alta e dores pelo corpo. Fiz exames que mostraram que minha função renal estava comprometida”.

O médico afirma que começou o tratamento com cloroquina, antes mesmo da discussão sobre a eficácia do medicamento contra a doença. “Era tudo muito novo, recente. Não se sabia quase nada sobre o vírus, então, quando você se vê doente, tenta qualquer coisa”.

Quando recebeu o diagnóstico, o Brasil já havia registrado mortes relacionadas à doença. O médico lembra que sentiu muito medo, pois ainda não se sabia muito bem como a doença se comportava. “Eu não via melhora. Era uma coisa incerta, não se tinha o faseamento da doença como temos hoje. Agora ainda temos muitas dúvidas, imagina há um ano atrás. Achei, sim, que poderia evoluir para algo pior”.

Durante  o período que esteve doente, Ballester ficou totalmente isolado no quarto. A esposa e os filhos não foram contaminados. “Fiz um isolamento grande em casa, no quarto. Eles levavam comida para mim, a roupa de cama e as minhas roupas eram todas ensacadas. Tudo foi feito com muito cuidado”.

O médico fez todo o tratamento em casa e, apesar de ter parte da função renal comprometida, optou por não se internar. Aos poucos, dia após dia, conseguiu se recuperar. 

Após se recuperar e ser considerado curado, o médico ainda conviveu durante algum tempo com sequelas da doença. “Tive falta de ar logo depois, mas voltei a correr e com a prática de exercício físico foi passando. Também tive perda de paladar e olfato, mas recuperei rápido. Hoje sabemos que até 100 dias depois da doença, o paciente não fica 100% recuperado”.

Preconceito

Com a confirmação do primeiro caso da doença, os moradores de Brusque sentiram que o vírus estava próximo e não somente nas outras cidades. Logo, surgiu a curiosidade de saber quem era o paciente. O nome do médico vazou e, além de enfrentar a doença, ele também precisou enfrentar situações de preconceito.

“Quando meu nome saiu na mídia, ouvi muitas coisas. No grupo do WhatsApp dos vizinhos, falaram que não iriam mais passear com os cachorros pra não passar na frente da minha casa. Teve um colega da escola que mandou mensagem para meu filho de 13 anos dando os pêsames. O preconceito foi muito grande mesmo”, lembra.

O médico afirma que esperou três semanas para repetir o exame e poder divulgar que estava curado. “Quando deu negativo, eu fiz questão de publicar, porque assim eu poderia sair na rua tranquilo”.

Covid-19 na rotina profissional

O médico ainda convive diariamente com a Covid-19, mas agora de forma profissional. Ele é cirurgião torácico e o atendimento de pacientes com complicações da doença é uma rotina.

Além de atuar no consultório, Ballester também trabalha na UTI Covid-19 do Hospital Azambuja. “É um plantão totalmente diferente do resto. O normal de uma UTI é três, quatro pacientes graves. Na UTI Covid, temos dez doentes graves para cuidar ao mesmo tempo. Trabalhamos com muita pressão. Não há margem para erro”.

O médico destaca a dificuldade de tratamento dos pacientes com Covid-19. “É uma doença que não tem tratamento. Tenho fé no tratamento precoce, inclusive, faço para muitas pessoas, mas não tem comprovação de melhora. Os pacientes que internam não têm hoje um tratamento específico, não tem um remédio. Os médicos trabalham só apagando incêndio”.

Em um ano convivendo de perto com o vírus e tendo sentido no próprio corpo os efeitos da doença, o Ballester pede a conscientização da população. “Estamos longe do fim da pandemia. Nossa esperança é a vacina, que ainda está num processo muito lento. Enquanto isso, precisamos continuar nos cuidando. Não custa usar uma máscara, o álcool em gel, evitar situações de aglomeração. Percebo que muitas pessoas não fazem o mínimo para evitar a contaminação”.


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