Não vai ser a primeira vez que vou fazer isso: me meter na seara alheia. Ok, eu peço desculpa para as beltranas gastrônomas e nutricionistas. Podem me chamar de metida, eu acato.

Minha autoridade no assunto é a mesma de todo ser humano que não vive de luz: a gente ama falar sobre comida. Seja comida com memória emocional, comida boa, comida ruim, comida que a gente comeu ou tem vontade de comer, se você reparar bem, a maioria das conversas, em algum momento, passa pela comida. É aí que esta conversa entra.

Ela veio de uma caixa de comentários em grupo do Facebook, meu guilty pleasure nada secreto. Da pergunta inicial (que era, para os mais curiosos, um questionamento sobre o não uso de caldos industrializados em provas de competição gastronômica na TV… veja só), o negócio tomou o rumo de sempre: defensores da praticidade ultraprocessada dos “cubos” versus adeptos da busca pela alimentação saudável. Comida “de fábrica” versus comida “de verdade”. Nessas horas, os argumentos que se enfileiram, dialogando muito pouco, são sempre os mesmos: de um lado, a praticidade, a pressa, o hábito, o vício (sim, há quem admita que é viciado nos caldos e pozinhos), até o preço. De outro, a saúde, o sabor, a diversidade dos temperos naturais, o prazer de cozinhar com ervas e especiarias, a consciência ecológica e alimentar.

Foi aí que entrou meu novo amigo facebookiano, Yoshiharu Saito, colocar ordem no galinheiro. Os comentários dele foram tão certeiros, tão recheados de conteúdo, tão lógicos, que pedi licença para trazê-los para cá. Porque a gente merece ter diversidade de sabores também para o cérebro.

A indústria dos ultraprocessados investe forte num modelo publicitário que nos induz a pensar que de alguma forma sempre existirá um jeito mágico de transformar aquela comida prosaica num super jantar masterchef, em que todos, no final da refeição, elogiarão quem preparou, conforme podemos ver nas diversas inserções nos canais de tv. Além disso, existe (na minha percepção) também um curioso engodo embutido no apelo da rapidez que esses cubinhos proporcionam, devido à não-necessidade de usar vários temperos, gerando um suposto ganho de tempo. Este tem sido um argumento publicitário que vem ganhando muitos adeptos devido ao nosso próprio cotidiano. Então deixo a seguinte pergunta: Qual é a mágica que tem dentro de uma caixa que custa módicos 4 ou 5 reais se um punhado de ervas diversas pode custar até 2x esse valor?

Ou seja, lembra da mítica do comercial de margarina (outro não alimento, né?) e suas famílias perfeitas? Os saborizantes industriais, com suas fórmulas cheias de componentes de nomes esquisitos e assustadores, montaram, ao longo dos anos, algo similar… que se fixou no imaginário popular sem fazer muito estardalhaço. Uma dessas marcas passou mais de década se vendendo como sinônimo de amor, não passou?

E as pessoas acreditaram.

Afinal, que gosto tem o sachê de tempero? Não é gosto daquele refogadinho de cebola e alho, não é o sabor do alecrim, do cominho, do orégano. Não é o frescor do cheiro verde, da hortelã. Ou a provocação da pimenta. É, muitas vezes, uma mistura da personalidade mais dominadora do salsão… com agressores não identificados de várias áreas da nossa língua, muitos deles especializados em disfarçar o sódio excessivo. Não tem “gosto de comida de vó”, não remete a uma infância idealizada – ou não remetia, quando começou a ser empurrado, literalmente, adentro das nossas goelas.

Nos dias de hoje, se duvidar, deve ter muito adulto que, ao sentir o cheiro da mistura ultraprocessada, lembra com saudade da cozinha do apartamento da mãe. Que defende o tempero “sabor feijão”, critica o “sabor carne seca” e suspira de saudade do “sabor galinha d’angola”, que foi descontinuado quando ele estava em seu primeiro emprego.

Ó admirável mundo novo, onde vivem pessoas assim!


Claudia Bia
– jornalista e cozinheira diletante