Lá pelos anos que aconteceram entre o final dos anos 60 e algum momento dos 80, a cena musical brasileira tinha contornos, na falta de melhor palavra, multifacetados. Mas mesmo entre tantos gêneros mais populares, mais intelectuais, mais jovens ou mais clássicos, havia muito espaço para os inclassificáveis.

Eram compositores e cantores com um trabalho de qualidade musical e poética, com carisma evidente, talvez até com alguns sucessos embaixo do braço. Com espaço nos festivais, com uma ou outra canção em trilha de novela. Mas eram os que as gravadoras não conseguiam domar, definir público, transformar em fábrica de dinheiro. Eles eram, o que não deixa de ser um elogio, os malditos.

Entre eles, Jards Macalé, Jorge Mautner, Walter Franco, Tom Zé, mais adiante Arrigo Barnabé e Itamar Assumpção.

Foi neles, nos malditos, que pensei ao ser atingida pela notícia da morte de Luiz Melodia, na última sexta-feira. Naqueles que não deciframos, mas, se nossa sabedoria nos permite, apenas aceitamos em nosso estoque de referências mais duras (de roer). Inclassificável em termos de estilo, em termos das letras sem concessões, até em termos de versões de canções alheias (de Negro Gato a Codinome Beija-Flor).

Inclassificável, mas muito menos inacessível do que alguns de seus pares. Desde sua voz única e impossível de ignorar até seus sucessos unânimes (Estácio Holly Estácio, Pérola Negra, Juventude Transviada, Magrelinha…), a “maldição” de Luiz Melodia não era a do estranhamento total. Muito pelo contrário, talvez. Mas com alguns sucessos tão impactantes, sua obra, lançada em ritmo lento, parece menor do que é. E aí temos uma maldição bem lamentável.

É mais um rosto, mais uma voz, mais um criador e pensador da música brasileira que morre cedo demais. 66 anos, nessa altura da evolução humana, é metade da trajetória que a pessoa poderia viver – com direito à relevância e a ter tempo suficiente para passar adiante um legado ainda maior.

As pessoas costumam dizer que as pessoas “perdem a batalha para o câncer”, mas temos aqui um caso em que a perda é muito mais nossa, que deixamos de ter a chance de degustar novas obras do artista.

Em todo caso, já que boa parte de suas músicas não chegou a ser tocada e ouvida o quanto seria bom para nós, quem sabe a gente aproveite um pouco do nosso tempo livre para resgatar cada pedacinho de canção disponível por aí. A época é favorável. E nós merecemos.

Tente usar a roupa que eu estou usando
Tente esquecer em que ano estamos
Arranje algum sangue, escreva num pano
Pérola Negra, te amo, te amo
Rasgue a camisa, enxugue meu pranto
Como prova de amor mostre teu novo canto
Escreva num quadro em palavras gigantes
Pérola Negra, te amo, te amo