No tempo em que o futebol era rústico e semiprofissional, marcado por gramados barrentos e bolas de tecido grosso, verdadeiros heróis de chuteiras – e alguns, de botinas – surgiram para abrilhantar as escalações do Paysandú. Muitos já se foram ao longo das últimas décadas, mas quem ainda vive para contar histórias é reconhecido por saudosistas paysanduanos.

Claro que quem conquistou títulos, foi formado dentro do clube ou pelo menos jogou por muitos anos no estádio Cônsul Carlos Renaux é mais lembrado. Muitos destes ex-jogadores, ao pendurarem as chuteiras, permaneceram na cidade de Brusque ou na região. Alguns não conseguiram largar a paixão pelo esmeraldino, atuando como técnicos, auxiliares ou mesmo dirigentes dentro do clube.

O mais comum até os anos 1980 era que os atletas dividissem seus tempos entre a bola e outra profissão. Como o futebol não pagava bem, era visto como uma renda extra. Neste tempo era normal encontrar os ídolos, quando não estavam jogando ou treinando, trabalhando em bancos, mercados, fábricas ou no setor público. Isso também fez com que os atletas criassem raízes na cidade.

Seja pelo folclore, pelos gols em momentos importantes ou pela dedicação, alguns jogadores não saem da cabeça de paysanduanos – e até de alguns tricolores.

Julinho Hildebrand: um cabeceador nato

Julio Hildebrand, um dos artilheiros da história alviverde. Foto: Cristóvão Vieira

Foi aos quatro anos que Julio Reinaldo Hildebrand deixou Lages, junto com a família, e se mudou para o Vale do Itajaí. Depois de um período em Blumenau, chegou em Brusque, onde seria consagrado um dos maiores goleadores do município. Hoje, aos 89 anos, Julinho, como é conhecido, relembra com carinho dos períodos em que vestia as chuteiras e deixava sua marca, na grande maioria das vezes com gols de cabeça.

Embora morasse perto do Paysandú e aproveitasse o campo para brincar de bola, não foi lá que participou de suas primeiras competições. Ele começou no extinto Independente, em disputas amadoras da cidade. O time foi considerado de tão alta qualidade que parte destes atletas foi convidada para integrar o Renaux, em 1947, entre eles Julinho. “Nem cheguei a passar por categoria Juvenil, fui direto para jogar entre os profissionais. Em pouco tempo estava com a titularidade”.

Morador do bairro Maluche, ele guarda ainda um grande álbum de fotos com as conquistas do passado. Recortes de jornais e fotos de esquadros marcantes estão presentes ali. Em um pequeno baú estão as medalhas conquistadas ao longo dos anos, incluindo as mais importantes de sua carreira, que foram as dos estaduais do Carlos Renaux e do Paysandú. Ao encerrar a carreira como jogador, chegou a ser técnico do alviverde.

Wallace Borba: jogador polivalente

Wallace Borba, que atuou como volante, lateral e ponta no Paysandú. Acervo Pessoal

Tanto pelo lado direito quanto pelo esquerdo, Wallace Borba era o lateral mais amado do Paysandú. Curiosamente, o também campeão de 56 era destro, mas preferia jogar pelo lado esquerdo, porque dessa forma conseguia cortar para dentro e fazer as jogadas diagonais – além de buscar alguns gols próprios. Ele atuou também como ponta-de-lança e volante.

Borba chegou em Brusque e, assim como muitos outros astros do alviverde, se criou na Pedro Werner. Jogou nas categorias de base do Paysandú e também atuou pelo Carlos Renaux em breve passagem, mas o coração paysanduano o fez voltar na época certa para erguer a principal taça do clube.

Para Wallace, ele viveu o êxtase de um jogador de futebol. “Foi um período muito bom, porque era um time do coração. Naquele tempo os campeonatos eram excelentes. Treinávamos duas vezes por semana. Felizmente, durante todo esse tempo, joguei como titular”.

Além das glórias em campo e das taças erguidas, Wallace afirma que o tempo em que foi uma estrela nos gramados do Paysandú o fizeram conhecer amigos para uma vida toda. “A minha passagem foi gostosa. Um ambiente super legal, eramos todos amigos lá. Tenho recordações boas”. Hoje, Wallace mora em Balneário Camboriú.

Valdir Appel: da base para a presidência
Vindo de uma família de paysanduanos e de goleiros, naturalmente Valdir Appel seguiu o mesmo caminho. Ainda garoto, foi goleiro do time da rua, que posteriormente formou completamente a equipe Juvenil do Paysandú. O talento era notório. Aos 16 anos, já integrava o time principal, e como titular embaixo das traves.

Em 1963, foi emprestado logo ao rival Carlos Renaux para a disputa do estadual. Lá ele deixou Arno Mosimann, goleiro ídolo no Augusto Bauer, no banco. “Eu tinha 16 para 17 anos nessa época, e fui eleito um dos três melhores goleiros do estado”. Mas o anos de 1964 chegou, bem como a ditadura militar. Appel foi convocado para se apresentar no exército do Rio de Janeiro.

A mudança para o Rio forçou o goleiro a iniciar sua carreira fora do estado. Foi emprestado pelo Paysandú, que ainda tinha seu passe, ao América-RJ. Ele dividia seu dia entre os afazeres do exército e o futebol. Em uma partida contra o Vasco da Gama, agarrou tudo o que podia e chamou a atenção da comissão técnica. “Um soldado do quartel me indicou ao Vasco. Eles pediram que eu fosse lá fazer um teste, e quando se lembraram de mim, do jogo contra o América, me pediram para me apresentar na hora”.

Appel foi o responsável pela primeira venda de jogador de futebol do Paysandú. O Vasco comprou o passe do goleiro brusquense. No cruzmaltino ficou de 66 a 72. Nunca foi terceiro goleiro, sempre titular ou reserva. Estava na reserva do argentino Andrada quando Pelé marcou seu gol de número 1000. A partir de 72, em suas andanças por clubes brasileiros, atuou em Sport, América-RN, Campo Grande, CEUB, Bonsucesso, Alecrim, Goiânia, Atlético-GO, Rio Verde, além de ter sido o goleiro da primeira formação do Volta Redonda.

Cansado do futebol e das andanças sem raízes, Appel pendurou as luvas aos 36 anos. Se formou em técnico em contabilidade e cursou inglês, e voltou a Brusque após trabalhar um período em Goiás e em Curitiba. Há cerca de dois anos, foi convidado para assumir o cargo de presidente do Paysandú, sendo um dos principais responsáveis pela organização das festividades dos 100 anos.

Appel também é escritor, sendo autor dos livros Na Boca do Gol, Goleiro Acorrentado e Onde Ele Pisa Nascem Histórias, onde conta histórias das andanças pelo futebol em crônicas.

Keka: uma vida no Paysandú

Keka foi campeão em 1986. Acervo: Casa de Brusque

Gerson Morelli, o Keka, gosta de brincar dizendo que o Paysandú não foi sua segunda casa, e sim a primeira. Com a separação dos pais ainda aos nove anos, foi no clube que ele encontrou acolhimento. Começou jogando o futsal pelo time do alviverde, e com dez anos partiu para o campo, passando por todas as categorias de base.

Também precoce, teve seu talento descoberto ainda adolescente. “Aos 16 anos estreei no time profissional. Comecei como lateral-direito e terminei como atacante. Dos oito aos 26 anos eu fui atleta do Paysandú, e depois cheguei a jogar por um ano e meio pelo Brusque, com a fusão”.

Seus melhores anos, conforme recorda, foram entre 1981 e 1983. Foi quando chegou a ser convocado pela Seleção Catarinense, alcançando o terceiro lugar no extinto torneio entre federações. Ele também formou o inesquecível elenco campeão da Série B de 1986.

O carinho e o envolvimento de Keka com o Paysandú – vivos até hoje – são dos mais fortes. Quando fala sobre o clube, em sua voz há orgulho e gratidão. “Eu passava a maior parte do tempo no Paysandú. Mais do que em casa. Além de jogar futebol, eu ajudava a riscar o campo, era garçom nos bailes, fazia de tudo. O Paysandú foi onde eu fiz meus amigos de hoje. Lá tive tanto ensinamentos quanto de valores, como caráter. Devo muito ao clube e agradeço sempre”.

Mais ídolos do esmeraldino

* Nego Kühn: Campeão Catarinense de Profissionais de 1956 e da Liga Desportiva Brusquense em 1959

* Kussi Kühn: considerado o melhor meio-campista do estado em 1969

* Mica Mattioli: autor do primeiro gol do estádio Primeiro de Maio, do Santos Dumont

* Dino e Cartola: marcaram época como uma das melhores duplas de ataque do Paysandú.

* Di Bork: zagueiro que atuou em Coritiba e Atlético-PR


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– 100 anos de esporte e cultura

– Datas, fundadores e hino do Paysandú
– Conquistas históricas
– Coração paysanduano
– Zelo pelo patrimônio
– Vocação ao esporte
– Formando vencedores
– A cultura verde e branca
– O alviverde em palavras