Rosemari Glatz

Reitora da Unifebe

Há 102 anos, gripe espanhola devastou o Brasil e matou presidente

Rosemari Glatz

Reitora da Unifebe

Há 102 anos, gripe espanhola devastou o Brasil e matou presidente

Rosemari Glatz

Parecia filme de terror. Cadáveres jaziam nas ruas, atraindo urubus. Os raros passantes andavam a passos ligeiros. Carroças surgiam de tempos em tempos para, sem cuidado ou deferência, recolher os corpos, que seguiam em pilhas para o cemitério.

O filme de terror teve início há 102 anos, quando a gripe espanhola invadiu o Brasil. Uma violenta mutação do vírus da gripe veio a bordo do navio Demerara, procedente da Europa. Em setembro de 1918, sem saber que trazia o vírus, o transatlântico desembarcou passageiros infectados no Recife, em Salvador e no Rio. No mês seguinte, o país todo estava submerso naquela que até hoje é a mais devastadora epidemia da sua história.

Também chamada gripe ou peste pneumônica, a gripe espanhola foi uma violenta pandemia que atingiu o mundo em 1918-1919, provocando milhões de mortes, especialmente entre os setores jovens da população. Considerada a mais severa pandemia da história da humanidade, foi causada pela virulência incomum de uma estirpe do vírus Influenza A, do subtipo H1N1.

Todas as classes sociais foram alcançadas. É como se a morte, não satisfeita com a larga colheita de vidas ceifadas nos campos de batalha europeus na1ª Guerra Mundial, quis, na sua ânsia de domínio, estender até nós os seus tentáculos. Em fins de 1918, as manchetes dos jornais brasileiros se alternavam entre a gripe espanhola no país e as negociações de paz na Europa.

Em 1918 o Senado e a Câmara de Deputados, no Rio de Janeiro (que tinha o status de Distrito Federal), assim como outros prédios públicos do país, passaram vários dias fechados. Não havia funcionários — muitos convalesciam e outros tantos morreram. Todas as classes, desde os humildes trabalhadores até aqueles que gozavam do maior conforto na vida, foram alcançados pelo flagelo terrível.

Os parlamentares apresentaram uma série de projetos de lei com o objetivo de amenizar os efeitos da gripe espanhola. Em dezembro de 1918, o presidente interino Delfim Moreira decretou que nenhum aluno repetiria o ano letivo. Uma lei ampliou em 15 dias o prazo para o pagamento das dívidas que venciam durante a epidemia. Entendia-se que a moratória era necessária porque muitos comerciantes fecharam as portas, deixaram de faturar e ficaram impossibilitados de honrar seus compromissos.

A epidemia escancarou uma deficiência grave do Brasil: os pobres estavam ao deus-dará. Não havia hospitais públicos. Quem prestava alguma assistência à população carente eram as instituições de caridade, como as Santas Casas e a Cruz Vermelha. No âmbito federal, o que existia era a Diretoria-Geral de Saúde Pública, com atuação tímida, cuidando apenas da barreira sanitária dos portos e da higiene da capital do país.

Nem o presidente da República foi poupado. Rodrigues Alves, eleito em março de 1918 para o segundo mandato, caiu de cama “espanholado” e não tomou posse. O vice, Delfim Moreira, assumiu interinamente em novembro, à espera da cura do titular. Rodrigues Alves, porém, morreu em janeiro de 1919, e uma eleição fora de época foi convocada.

Do mesmo modo abrupto com que chegou, a gripe espanhola desapareceu. Em dezembro de 1918, já eram raros os contágios. Foram tantos os infectados de setembro a novembro que o vírus já não tinha a quem atacar.

A gripe fez o governo se mexer e na virada de 1919 para 1920, o Congresso aprovou e o presidente Epitácio Pessoa sancionou uma reforma na saúde. A acanhada Diretoria foi rebatizada de Departamento Nacional de Saúde Pública, atuando no combate à lepra, à tuberculose, à malária e às doenças venéreas em todo o país. De forma indireta, a gripe espanhola plantou a semente do Ministério da Saúde, que surgiu em 1930, e também a do SUS, que surgiu na Constituição de 1988.

Fonte: Agência Senado

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