Começo hoje uma série de quatro artigos, em que analisarei as
quatro virtudes cardeais, com base na Ética de Aristóteles e nas brilhantes
considerações do filósofo medieval São Tomás de Aquino. Essas preciosas lições
têm caído no esquecimento. Até mesmo no ensino religioso, a formação moral
clássica tem sido substituída por um discurso político-social, de tendência
para lá de duvidosa. Urge que o assunto volte à pauta, e seja tratado de modo
contínuo e cada vez mais aprofundado, na mente e no coração de cada um, em
particular, e em todos os âmbitos educacionais.

Chamamos de “cardeais” às virtudes da Temperança, Prudência,
Justiça e Fortaleza. O adjetivo “cardeal” vem de uma palavra latina que pode
ser traduzida por “eixo”. Ou seja, são as virtudes fundamentais, a partir das
quais as demais virtudes encontram seu lugar. A Temperança vem primeiro, pois trata
do trabalho mais básico (e talvez o mais difícil) da razão: controlar e
disciplinar o apetite corporal no que se refere à comida, à bebida e ao sexo, o
que Tomás de Aquino chama, genericamente, de “prazeres do tato”.

Talvez não haja adversário pior a ser vencido que nossas
próprias tendências, que nos levam com tanta frequência a exageros e desequilíbrios.
O controle do apetite, tanto em quantidade como em qualidade e tempo adequado é
a tarefa educativa primordial. É por meio desse controle que a criança poderá
começar a dominar a si mesma e deixar espaço, tempo e energia dentro de si para
se dedicar ao estudo, ter mais saúde e relacionar-se de modo sadio com as
outras pessoas.

Nossa cultura está pautada no exato oposto dessa virtude.
Somos expostos, desde cedo, a todo tipo de exagero, o que dá ocasião para uma
série de vícios capitais, como a preguiça, a gula e a luxúria, que levam ao
desprezo pelas atividades físicas, pelo estudo e pelo desenvolvimento
espiritual, aos distúrbios de saúde, à embriaguez e ao uso de entorpecentes,
que tentam, em vão, saciar os apetites cada vez mais ávidos por prazeres e
sensações “diferentes”, bem como aos relacionamentos deteriorados e vazios. A
intemperança leva ainda ao consumismo e aos modernos vícios eletrônicos, como
os celulares, vídeo games e assemelhados, quando seu uso se torna obsessivo. Ser
temperante é não ser governado pelos próprios desejos, mas por um princípio
racional que os controla e os coloca em ordem, pois, como dizia o apóstolo,
“tudo me é permitido, mas nem tudo me convém”. Talvez nunca nos tenha faltado
tanto esta virtude como nos dias atuais.