Tentativas de suicídio crescem nos últimos anos em Brusque

Número pulou de 12 em 2012 para 102 até agora em 2019

Tentativas de suicídio crescem nos últimos anos em Brusque

Número pulou de 12 em 2012 para 102 até agora em 2019

De 2012 até agora, Brusque registrou 420 tentativas de suicídio, de acordo com dados da Vigilância Epidemiológica do município. Este número, segundo especialistas, é bastante alto e levanta uma grande preocupação sobre a saúde mental da população, a necessidade de falar abertamente sobre o assunto e buscar formas de prevenção.

Ano a ano, as estatísticas do município têm aumentado. Se em 2012 a Vigilância Epidemiológica contabilizou 12 tentativas, só neste ano já foram 102.

Os jovens são os que mais tentam tirar a própria vida no município. A faixa etária com mais registros é dos 20 aos 30 anos. Nos últimos oito anos, foram 105 tentativas nesta faixa etária. Dos 10 aos 20 anos vem em seguida, com 101 tentativas nos últimos anos.

Em relação ao sexo, as mulheres são as que mais tentam suicídio. Em Brusque, de acordo com dados da Vigilância Epidemiológica, das 420 tentativas, 299 são mulheres, ou seja, 71,19%. 

Grande parte dessas pessoas são diagnosticadas com depressão ou algum outro tipo de transtorno psicológico. O Centro Integrado de Atenção Psicossocial (Ciaps) dá apoio a essas pessoas e as ajuda a se recuperar e voltar a ter uma vida normal.

Centro Integrado de Atenção Psicossocial auxilia no tratamento de pessoas com transtornos psicológicos | Foto: Bárbara Sales

O serviço está localizado na rua Hercílio Luz, no Centro, no prédio do antigo colégio Honório Miranda. O local reúne o Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Caps AD), o Caps 2 – voltado para o atendimento de pessoas com transtornos mentais -, o Caps Infantil e o Ambulatório.

O Caps 2 atende cerca de 110 pessoas, no Caps AD são 56 pacientes e no Caps Infantil, que ainda está em fase de implantação, já tem 115 crianças mapeadas para utilizar o serviço.

A coordenadora geral do Ciaps, Dalticlei Marafon Zecca, explica que a maioria dos usuários já tentou o suicídio. No local, eles têm todo o apoio necessário com psicólogos, psiquiatras, assistentes sociais e terapeutas para conseguir minimizar o sofrimento extremo e se recuperar.

 

Quando uma pessoa que tentou o suicídio chega ao Ciaps, passa por uma triagem e é direcionada para o serviço que mais se encaixa em seu perfil. Dalticlei diz que nem todos falam abertamente que tentaram tirar a própria vida.

“Quando eles chegam aqui, nós conversamos e procuramos entender o perfil. Às vezes é tão sério que já destinamos direto para o psiquiatra, psicólogo e para os grupos, com a necessidade de fazer um intensivo, vir todos os dias para o Caps. Em outros casos, já percebemos que a pessoa pode vir só duas vezes por semana”.

Ali, além do apoio psicológico, os usuários participam de diversas atividades terapêuticas e ocupacionais, como oficinas de pintura, de artesanato, de música, além de jogos como xadrez e dominó.

Entretanto, nem sempre a pessoa tem o perfil de atividades em grupo e precisa de um tempo com atendimento individual para só depois poder se integrar com os demais. “Estudamos a evolução de cada um e aos poucos vamos inserindo nos grupos que eles mais se identificam”, conta.

Dalticlei destaca que muitos desses pacientes chegam direto ao Ciaps, sem passar por uma Unidade Básica de Saúde (UBS), como é recomendado. “Nós temos a porta aberta porque as pessoas ficam constrangidas de ir até o posto do seu bairro, por exemplo, e falar que está com problemas psicológicos. A vergonha e o preconceito ainda são muito fortes”.

O diretor de saúde mental, Alfredo Koehler, ressalta que o trabalho realizado no Ciaps tem como objetivo reinserir a pessoa na sociedade. “Com as terapias, o acompanhamento psicológico e todo o trabalho realizado aqui ensinamos a pessoa a viver novamente”.

Atendimento no hospital

Grande parte das tentativas de suicídio acabam chegando até o Hospital Azambuja, já que a pessoa necessita de atendimento médico. Lá, assim que confirmado que se trata de um suicida, imediatamente é feita a notificação e acionado o psicólogo da instituição.

Priscila Gadotti Lehmamn é uma das psicólogas do hospital. Ela explica que um número alto de pessoas que tentam tirar a própria vida dão entrada no hospital todos os meses. E são pessoas cada vez mais jovens.

“Assim que tomamos conhecimento, eu converso com o paciente e também com um familiar. Sempre peço que um familiar fique junto com o paciente”, diz. Quando precisa ficar internada, a pessoa vai para um leito de saúde mental, com grades nas janelas para não ter nenhum risco.

 

“Normalmente, essas pessoas ficam internadas por mais dias. Os médicos só dão alta durante a semana, porque aí eles saem daqui e vão direto para o Caps. Nunca é dada alta fim de semana porque o Caps não tem atendimento, aí se eles vão para casa, podem ficar sem o apoio que precisam”.

Neste mês de prevenção ao suicídio, Priscila explica que o hospital fará um workshop com os funcionários com o objetivo de passar informações sobre o tema. “Muitas pessoas não entendem o que é depressão, a importância de valorizar os sentimentos deles. A gente lida com doenças, está todo mundo querendo viver aqui e existe um preconceito da sociedade quando chega casos deste tipo. Conversamos muito com a equipe sobre isso para dar um atendimento humanizado”.

Grupos de prevenção

Em 2017, o então estudante de Psicologia, Robson Machado, ficou impressionado com o número de casos de tentativa de suicídio atendidos no Hospital Azambuja.

Ele decidiu, então, criar um grupo de prevenção ao suicídio no hospital. “Eu decidi focar no suicídio porque quando eu entrei lá fiquei muito assustado. Os familiares também não sabem o que fazer, como agir depois que isso acontece e dependendo da atitude deles pode prejudicar. A pessoa não precisa ouvir julgamentos, ela não quer morrer, só quer acabar com o que está lhe fazendo sofrer”, afirma.

O grupo funcionou durante pouco mais de um ano, aos sábados, e consistia em palestras e relatos das experiências de cada um. “Um experienciava a dor do outro e isso fazia com que não se sentissem sozinhos, não recebessem julgamentos. Quando são apoiados, eles criam forças”, diz o psicólogo. 

De acordo com ele, o objetivo é retornar com o grupo em breve, com uma proposta maior de atendimento.

Rede de apoio

43% das pessoas que já tentaram se suicidar em Brusque são reincidentes, ou seja, já tentaram outras vezes. Um pensamento comum é de que pessoas que sobrevivem a tentativas de suicídio não tentam novamente, mas isso não é verdade. Na realidade, o que ocorre é justamente o contrário. De três meses a um ano depois de uma tentativa de suicídio é que se concentra a maior chance de uma segunda tentativa e dessa vez o pior pode acontecer.

Por isso, é importante encaminhar a pessoa para tratamento correto e não ignorar a depressão, ansiedade e outros transtornos psicológicos.

“Ninguém é ‘louco’ 100%, 24 horas por dia. Você surta, é tratado e volta a ter uma vida, pode ser reinserido na sociedade, sim, mas precisará de um acompanhamento por toda a vida”, diz a coordenadora geral do Ciaps, Dalticlei Marafon Zecca.

Fique atento aos sinais

O psiquiatra Felipe Gesser Cardoso diz que as famílias ainda relutam em acreditar que algum familiar possa estar em sofrimento mental, o que agrava ainda mais a situação. “Precisamos entender que pode acontecer em qualquer família. Esses transtornos não escolhem classe social, raça, cor ou sexo. A observação e a aceitação do problema é uma das melhores formas de quem sabe dar um suporte a essa pessoa”, diz.

De acordo com ele, muitas vezes as pessoas que estão em sofrimento mental não conseguem expor o que estão sentindo e nem o que está passando pela cabeça delas, entretanto, naturalmente modificam comportamentos. “Mudam a forma de agir, de pensar, muitas vezes isso acaba trazendo mudanças como irritabilidade, alterações de sono, de apetite. Um familiar atento vai conseguir enxergar essas mudanças simples”.

O psiquiatra observa que, quanto antes a pessoa em sofrimento tiver um atendimento adequado, maiores as chances de se evitar um sofrimento ainda maior e, consequentemente, o suicídio.

“Existe uma pesquisa que mostra que uma pessoa demora em média 12 anos para entender que aqueles sintomas que estava apresentando há tanto tempo eram de transtorno psíquico e que ela poderia ter pedido ajuda, mas perdeu oportunidade e, de forma impulsiva, acaba cometendo um ato como o suicídio”.

Felipe afirma que é fundamental as pessoas vencerem a psicofobia, que é o medo de falar sobre suicídio, morte e doenças psíquicas. O psiquiatra destaca que não é possível saber se uma pessoa está sofrendo, sem perguntar.

“Existe ainda um tabu que se põe dizendo que não pode perguntar se a pessoa já pensou em suicídio porque estaria estimulando. Isso é um mito. É extremamente importante. Muitas vezes é a primeira e única possibilidade que a pessoa tem de expressar seus sentimentos”.

Quem fala, faz

O psiquiatra destaca ainda que o diálogo aberto, franco e compreensivo, sem julgamentos, pode ajudar a pessoa a dar o primeiro passo para o tratamento e, assim, minimizar o sofrimento.

É importante também levar a sério o que a pessoa em sofrimento fala. Ainda se tem a ideia de que a pessoa que demonstra vontade de morrer, não tem coragem de fazer, mas não é isso que acontece. A pessoa que diz que vai se matar está dando claros sinais de que não está bem.

“Uma pessoa que está consciente, vigil, falar que está com pensamento suicida, por mais que possa meramente ser uma forma, como alguns falam, de chamar a atenção, é chamar atenção para algo que está em desacordo com o que está pretendendo na vida dela. É preciso ter uma atenção redobrada e encaminhar para um serviço especializado”, orienta.

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