Ouvindo o grande clássico da música caipira, na voz e na viola do Almir Sater, fiquei pensando sobre algumas frases da letra, que demonstram o estado de espírito desse personagem, que foi (e não deixou inteiramente de ser) o representante típico do brasileiro. Monteiro Lobato já o retratou de maneira magistral, destacando o seu desânimo e fatalismo. 
Na música, um verso diz “eu nasci naquela serra num ranchinho beira chão, todo cheio de buraco onde a lua faz clarão”. Não é muito forçado interpretar que o ranchinho continua o mesmo, já que o passado e o presente se confundem no tempo verbal da frase. Embora pareça romântico dormir vendo o clarão da lua numa noite límpida de verão, o mesmo não se pode afirmar das goteiras em época de chuva. Mas por que essa criatura ainda não consertou o telhado do ranchinho em todo esse tempo? Isso não pode ser debitado na conta da pobreza. É perfeitamente possível ser pobre e, com vontade e capricho, ir melhorando a casa e as condições de vida. Quando eu e minha esposa ainda éramos noivos e estávamos construindo, com descomunal sacrifício, a nossa casa, não foram poucos os conselhos de alguns parentes meus para que fizéssemos uma “meia água” e entrássemos nela. Isso ilustra uma mentalidade que tem tudo a ver com a “tristeza” congênita do Jeca. É uma tristeza causada pelo fatalismo de quem não tem ambição nenhuma além do mínimo necessário. Um ranchinho cheio de buraco, uma viola, uma garrafa de cachaça e um prato de pirão já estão de bom tamanho. E se visitarmos o sujeito vinte anos depois, talvez só tenha mais alguns buracos no teto e mais tristeza. Falta uma injeção de ânimo, com aquilo que o sociólogo alemão Max Weber tão bem caracterizou no livro “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”. Mesmo em tempos muito mais difíceis, sempre houve quem demonstrou que, com vontade e inteligência, é possível vencer a miséria, que é causada mais pelo desleixo que pela pobreza.
Nos tempos atuais, em que imperam as facilidades, o espírito triste do Jeca ainda mostra sua cara. As empresas procuram trabalhadores com uma lupa, mas vontade de trabalhar, capricho e dedicação são mais raros que diamante. O governo substitui os ranchinhos por residenciais quase gratuitos, mas não são poucos os que permanecem inertes, esperando que o dinheiro para a conta da água e do condomínio caia do céu. Falta vontade, capricho e virtude para vencer a preguiça endêmica, que trava o desenvolvimento da pessoa e do país. 
O problema não é econômico, mas espiritual.